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A Cultura Do Trigo

Sobre o Trigo

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A Cultura do Trigo 2 1. Importância O trigo é um dos cereais mais produzidos no mundo. Graças ao seu aprimoramento genético, possui atualmente uma ampla adaptação edafoclimática, sendo cultivado desde regiões com clima desértico, em alguns países do Oriente Médio, até em regiões com alta precipitação pluvial, como é o caso da China e Índia. No Brasil pode ser cultivado desde a região Sul do país até o cerrado, no Brasil Central. A região tritícola do Brasil Central abrange as áreas do cerrado localizadas nos Estados da Bahia, de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e no Distrito Federal. Seu clima apresenta condições favoráveis e caracteriza-se pela existência de duas estações bem definidas: uma chuvosa e quente e outra seca, com temperaturas mais amenas. Assim permite o cultivo de trigo nos sistemas irrigado e sequeiro “safrinha”, viabilizando duas safras/ano em rotação de cultura, além de otimizar o uso da infra-estrutura disponível, e proporciona, como resultado, a redução dos custos das culturas de verão e o aumento da renda da unidade produtiva. O cultivo de sequeiro, semeado em fevereiro e março, é de alto risco, pois o potencial de rendimento de grãos está associado à quantidade de chuvas que ocorrerão durante o ciclo da cultura. O trigo nesse cultivo é uma das culturas que melhor cobertura de solo deixa para o sistema plantio direto no Cerrado brasileiro, melhorando, portanto a sustentabilidade do sistema agrícola, através da melhoria na retenção de água no solo e de sua fertilidade. O trigo da safrinha é colhido na entre safra brasileira e Argentina. O que é interessante sob o ponto de vista de mercado, porque garante ao produtor melhor preço e consequentemente melhor renda. Em regiões marginais da Ásia e África, semelhantes ao cultivo de sequeiro no cerrado, o trigo é a melhor opção. No cultivo irrigado, semeado em abril e maio, por pivô central, o trigo é uma ótima opção no sistema de rotação de culturas, uma vez que o trigo ”quebraria” o ciclo das chamadas “cash crops”, como é o caso do feijão e de algumas olerícolas como alho, cebola, cenoura e batata. A vantagem desse cultivo é que os riscos são mínimos. O potencial de rendimento de grãos é elevado, sendo um determinante importante na lucratividade da lavoura de trigo irrigado. O Cerrado do Brasil Central tem um grande potencial para a expansão da triticultura nacional. Além, de contar com grande disponibilidade de área viável para o cultivo do trigo, possui um parque industrial instalado com potencial de expansão. A região possui uma capacidade nominal de moagem da ordem de 1,6 milhões de Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 3 toneladas-ano, distribuída em 14 unidades industriais, abastecida praticamente por trigo importado da Argentina e dos estados do Paraná e Rio Grande do Sul. Em termos de área, para as condições de sequeiro o potencial de expansão é de 2 milhões de hectares, localizadas em altitudes superiores a 800 metros. Áreas com irrigação via pivô central já somam 300 mil hectares, com potencial de expansão, para chegar a 2 milhões de hectares, em áreas com mais de 500 metros de altitude. Portanto, a região poderia produzir em torno de 6 milhões de toneladas de trigo, 60% da demanda do mercado de trigo no Brasil, que atualmente está em torno de 10 milhões de toneladas. Atualmente, a produção brasileira representa apenas 50% dessa demanda interna. A vantagem da produção de trigo do cerrado é a estabilidade em termos de quantidade e qualidade industrial, pois nas condições irrigadas as variações de rendimento de grãos são pequenas e o trigo é colhido no período seco e na entre safra. A região poderia funcionar como reguladora de estoques e uma exportadora de trigo para outros estados e também para outros países. O consumo per capita anual de trigo também tem potencial para uma maior expansão no Brasil. O consumo de trigo no país apresenta crescimento vegetativo, evoluindo à taxa de aumento da população, equivalente a 100 mil toneladas anuais. No Brasil, o consumo “per capita” de trigo em grão é de 53 quilos por habitante-ano, enquanto na Argentina é de 91 kg, na França 100 kg e no mundo 85 kg. O consumo per capita de pão no Brasil é de 27 quilos por habitante-ano, considerada baixa pela organização Mundial da Saúde que tem como meta 60 kg. Na Argentina, o consumo “per capita” de pão é de 73 kg, na Itália de 60 kg, e na França 56 kg. Para um projeto de expansão da cultura do trigo na região do cerrado brasileiro, são as seguintes as principais justificativas: - O Brasil é um dos maiores importadores de trigo; - Gastos de divisas com importação, equivalentes a um bilhão de dólares; - Apoio à política de geração de emprego e renda; - Otimização do uso de tecnologia e infra-estrutura disponível; - Consumo nacional em expansão; - Aumento e regularidade da oferta na região central do país; - O trigo é produzido na entre safra do trigo brasileiro e Argentino; - Capacidade instalada de processamento industrial de 1,6 milhões de toneladas/ano - Sustentabilidade econômica do produtor pelo cultivo de duas safras/ano; Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 4 - Defesa ambiental e sanitária pelo uso de plantio direto e rotação de culturas; - Redução dos custos de produção dos cultivos de verão. 2. Estatística de Produção Os 10 maiores produtores mundiais de trigo são: União Européia, China, Índia, Estados Unidos, Rússia, Canadá, Austrália, Paquistão, Ucrânia e Turquia (Figura 1 e Tabela 1). Figura 1. Produção Mundial de Trigo (FAO, 2007). Tabela 1 – Maiores produtores e exportadores de trigo no mundo. Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 5 A área de produção de trigo no Brasil encontra-se dividida em três regiões distintas: Sul, Centro-Sul e Brasil Central, de acordo com características climáticas, variedades e sistemas de produção. A região do Cerrado, no Brasil Central, apresenta um dos maiores potenciais para a produção de trigo no mundo, podendo proporcionar produtividades superiores a 6.000 kg/ha. Isso corresponde a uma eficiência de produção de 50kg de trigo por hectare ao dia, um recorde mundial. Essa região, que no século passado chegou a exportar trigo para outros estados, atualmente importa quase todo o trigo necessário ao seu consumo. Naquela época, devido à falta de variedades adaptadas e produtivas, o trigo perdeu espaço para as culturas tropicais, como o milho, mandioca e arroz, e foi sendo esquecido. Por isso, não foi criada a tradição de se cultivar trigo nas pequenas propriedades. Nos últimos anos, por motivos estratégicos e em busca da auto-suficiência de trigo no Brasil , a Embrapa, Emater de diversos estados, cooperativas e escolas de agronomia da região, vêm realizando pesquisas com o trigo no Cerrado. Os resultados dessas pesquisas têm sido utilizados com sucesso apenas pelos médios e grandes produtores. Isso porque foi criado o mito de que o cultivo de trigo e seu beneficiamento só são possíveis com o emprego de máquinas e equipamentos sofisticados. Nas últimas safras a área semeada com trigo no Brasil Central, foi em torno de 50 mil hectares no regime irrigado e aproximadamente 15 mil hectares no sequeiro. No curto prazo podemos atingir facilmente uma área de mais de 120 mil hectares somadas as lavouras em regime irrigado e de sequeiro. A região produziria mais de 700 mil toneladas de trigo anualmente, colhido em uma época de escassez de trigo no mercado, de junho a setembro, e quando os preços de mercado geralmente estão com os valores máximos durante o ano. Em maio do ano passado o Brasil importava trigo da Argentina por US$ 120 a tonelada. Atualmente o produto está sendo comprado por US$ 200. Mesmo com essa alta, o trigo argentino é o que chega com melhor preço ao Brasil, pois as regras do Mercosul oneram muito e até inviabilizam as importações procedentes de outros países. Por isso, a farinha de trigo e o pão estão encarecendo. Não há escassez de trigo no mundo. O problema é regional. A Argentina, que sempre foi o maior fornecedor do Brasil, não vem conseguindo acompanhar o aumento da demanda e instituiu uma política interna que restringe as exportações. A produção brasileira de trigo também encolheu, de quatro milhões para dois milhões de toneladas. O trigo brasileiro é caro, mas serve como regulador de mercado. Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 6 A saída seria importar trigo de outros países, porém isso provocaria uma tempestade no Mercosul, já que se trata do carro-chefe das exportações da Argentina para o Brasil. De acordo com o 6º levantamento da produção de grãos 2006/2007, divulgado oficialmente em abril de 2007, as lavouras de trigo encontram-se completamente colhidas. A área cultivada foi de 1,76 milhão de hectares, inferior à da safra passada em 25,6%, redução essa, impulsionada pelos baixos preços do produto e pelas condições climáticas adversas na época da implantação da cultura (estiagem) e no período de floração e frutificação (geadas). Como resultado, a produtividade da safra caiu para 1.271 kg/ha, sendo inferior à da safra anterior em 38,4%. Em função da redução da área plantada e da produtividade, a produção foi de 2,23 milhões de toneladas, inferior à da safra passada em 54,2% (2,64 milhões de toneladas). 3. Origem, Domesticação e Introdução no Brasil. O trigo, cujo nome científico é Triticum aestivum, é uma planta da família das gramíneas, assim como o arroz e o milho, e se originou do cruzamento de outras gramíneas silvestre que existiam nas proximidades dos rios Tigre e Eufrates (região do Crescente Fértil), na Ásia, por volta de 15 mil a 10 mil antes de Cristo. Sua importância está ligada ao desenvolvimento da civilização e da agricultura moderna, sendo considerado um alimento sagrado por muitos povos. Considerado um dos principais alimentos da humanidade, ocupa em torno de 20% da área cultivada no mundo. A utilização do trigo, como alimento, data de cerca de 17 mil anos. O primeiro homem a comer trigo, provavelmente mastigou os grãos do cereal silvestre e descobriu que poderia cultivá-lo e, com isso, se estabelecer em um local definitivo, deixando de ser nômade. Este fato pode ser considerado como a descoberta da agricultura. A próxima descoberta foi moer os grãos, obter a farinha e fazer o pão. O primeiro pão de que se tem notícia foi feito pelos habitantes da Idade da Pedra, há 8 mil anos. Eles misturavam a farinha com água, a qual cozinhava em pedras quentes, sem uso de fermento. O pão possuía uma forma achatada, lembrando uma pizza grossa. A descoberta de primeiro fermentado foi provavelmente acidental, há cinco mil anos, no Egito. Um padeiro, a serviço do soberano, colocou de lado uma massa composta de farinha, açúcar e água, esquecendo-a. Quando percebeu, a massa havia Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 7 azedado. Para corrigir o erro, o padeiro adicionou mais massa fresca àquela massa azeda. Quando a nova massa foi cozida, cresceu, resultando em um pão mais leve, nunca antes produzido. Depois desta descoberta, o homem passou a considerar o trigo como “rei dos cereais”, e seus hábitos alimentares foram modificados significativamente. Grãos de trigo carbonizados, que datam de mais de 6 mil anos, foram encontrados por arqueologistas nos países considerados por um longo período. Os grãos mantêm as características de qualidade mesmo quando armazenados por um longo período. A chegada do trigo no Brasil remonta ao período colonial. Ainda no século 16, os portugueses que para cá vieram tentaram o cultivo deste cereal, no centro do país, como a iniciativa de Martin Afonso de Souza, em 1531, de cultivar trigo na Capitania Hereditária de São Vicente, que hoje corresponde ao Estado de São Paulo. Depois o trigo migrou para o sul, encontrando ambiente, clima e solo mais adequados às suas exigências. Os açorianos, que chegaram em meados do século 18, foram os protagonistas da experiência mais difundida historicamente sobre o cultivo de trigo no Brasil. E vieram as epidemias de ferrugem, as guerras, a abertura dos nossos portos às nações amigas e o trigo quase desapareceu das terras brasileiras. Com a independência do Brasil e a fase imperial, chegaram os alemães, em 1824, que mantiveram o trigo nas colônias germânicas do Rio Grande do Sul. Depois, foi a vez dos italianos, em 1875, dando um novo impulso ao trigo no Brasil. Fim do século 19 e veio a República. No início do século 20 houve fracassos com importações de sementes não adaptadas. Depois de diversos fracassos da cultura, principalmente em função de doenças, o Ministério da Agricultura procurou incentivar o plantio do cereal com a criação, em 1919, de duas Estações Experimentais – em Ponta Grossa no Paraná, e em Veranópolis, no Rio Grande do Sul. Estímulos por um lado – com a criação de estações experimentais específicas para trigo e o surgimento do trigo Frontana, nos anos 1940 – e, por outro, as fraudes do trigo-papel e o acordo de compra de trigo americano. Mais uma vez a triticultura brasileira estava sendo relegada a um segundo plano. O estímulo do governo à triticultura passou a ser mais efetivo depois da Segunda Guerra Mundial, em 1954, quando surgiram as primeiras lavouras mecanizadas no estado do Rio Grande do Sul. A consolidação da cultura aconteceu apenas muitas décadas depois, por volta de 1960, com a política de amparo à triticultura e à moagem Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 8 de trigo. A Embrapa Trigo, implantada em Passo Fundo em outubro de 1974, teve papel fundamental no desenvolvimento da lavoura. 4. Botânica O trigo pertence à família Gramineae, tribo Triticeae, subtribo Triticinae. A espécie cultivada Triticum aestivum, é hexaplóide (2n = 6x = 42 cromossomos). É uma espécie autógama, com flores perfeitas que, em condições normais de cultivo, apresenta baixa freqüência de polinização cruzada. A planta de trigo possui de seis a nove folhas, cada uma composta de bainha e lâmina foliar, dispostas de forma alternada. O sistema radicular é do tipo fasciculado ou cabeleira, sendo originado a partir da semente (raízes seminais, importantes até a fase de perfilhamento) e da região da coroa (raízes permanentes e definitivas). O colmo é cilíndrico e oco (fistuloso), possuindo de seis a nove entrenós (Figura 2). As flores (figuras 3 e 4) aparecem em espigas compostas de várias espiguetas, dispostas de forma alternada e opostas ao longo da ráquis (eixo central). Figura 2. Planta de Trigo. Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 9 Figura 3. Estruturas de uma Espigueta. Figura 4. Detalhe de uma Espigueta. Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 10 O grão de trigo, do tipo cariopse, é pequeno e seco, chegando a medir 6 mm de comprimento. Possui três partes importantes: o endosperma, a casca e o embrião. O endosperma, a parte maior, é a mais importante, por ser a fonte de farinha branca. É rico em amido, e possui três quartos da proteína do grão. O embrião é rico em proteína, gorduras e minerais. A casca é rica em minerais e vitaminas. O grão de trigo é uma excelente fonte de energia (carboidratos, proteínas e fibras). O trigo é, também, uma importante fonte de ferro, e vitaminas B1 e B2 (Figuras 5 e 6, Tabela 2). Figura 5. Grão de trigo: Endosperma, casca e embrião (germe). Tabela 2 – Composição química do trigo (%). Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 11 Figura 6. Grãos de trigo: Cariopse Basicamente, cinco fases de desenvolvimento podem ser definidas durante o período de crescimento da planta de trigo: fase de plântula, de perfilhamento, de alongamento, de espigamento e de maturação. Após a germinação da semente, o sistema radicular começa a penetrar no solo e uma pequena folha, o coleóptilo, cresce e rompe a superfície do solo, entre cinco a sete dias após o plantio. O coleóptilo não é uma folha verdadeira, tendo somente a função de proteger o ponto de crescimento da planta até esta aparecer na superfície. A partir daí, começa a fase de plântula, com a primeira folha verdadeira saindo do coleóptilo e abrindo, vindo, em seguida, a segunda e terceira folha. Esta fase termina quando a planta começa a lançar seus perfilhos, o que ocorre, em geral, de dose a 16 dias após a emergência (aparecimento das plântulas na superfície do solo). Na segunda fase de desenvolvimento, ou seja, a fase de perfilhamento, ao mesmo tempo em que novas folhas se abrem, aparecem os perfilhos. No perfilhamento, dependendo da variedade, bem como do espaçamento entre plantas, podem aparecer poucos ou muitos perfilhos, onde as plantas aparecem por volta de sete a oito perfilhos. As plantas são baixas nesta fase. A fase de perfilhamento dura de quinze a 17 dias. Após o aparecimento dos últimos perfilhos, começa a terceira fase, a de alongamento. Na fase de alongamento, que se inicia com o aparecimento do primeiro nó do colmo, as plantas crescem, aparecem os outros nós e a folha-bandeira, a última folha da planta. A bainha da folha-bandeira envolve a espiga, formando uma região grossa no colmo, estando então a planta emborrachada. Logo após esta etapa, a espiga sai, Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 12 tornando-se visível, dando início a fase de espigamento. A duração da fase de alongamento é de aproximadamente quinze a 18 dias. Após a emergência completa da espiga, ocorre o florescimento ou antese e, em seguida, a formação do grão. A espiga se afasta da folha-bandeira, com o alongamento do pedúnculo, haste que suporta a espiga. O período entre o aparecimento da espiga e o início do enchimento de grãos, após a antese, varia entre doze a 16 dias. A partir da formação do grão, após a antese, começa a fase de enchimento de grãos. Inicialmente, o grão é aquoso, depois leitoso, e em seguida, forma uma massa úmida e macia, que posteriormente endurece. Essa fase dura de 30 a 34 dias, terminando com a maturação dos grãos, quando as folhas e espigas secam e os grãos podem ser colhidos. A duração do plantio até a maturação dos grãos depende da variedade, época de plantio e do local. No Distrito Federal, em plantio na época normal, os grãos amadurecem após 100 a 110 dias, ficando o ponto de colheita condicionado às variações climáticas. As fotos a seguir apresentam uma seqüência das cinco fases de uma planta de trigo (Figuras 7 a 11). Figura 7. Plântula de trigo. Figura 8. Plantas em pleno perfilhamento. Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 13 Figura 9. Plantas na fase de alongamento e início do emborrachamento. Figura 10. Plantas no início do espigamento. Figura 11. Plantas na fase de maturação. Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 14 Como descritores varietais para a cultura do trigo, têm-se as seguintes características taxonômicas: hábito de crescimento, ciclo, altura, folhas, colmo, espigas, glumas, grãos e presença de antocianina (influenciada pela luz e temperatura). O hábito de crescimento refere-se à posição das plantas no início do seu desenvolvimento, em relação à superfície do solo, podendo assumir porte ereto, semiereto, ou rasteiro (Figura 12). Quanto ao ciclo, as variedades de trigo podem ser classificadas como precoces (variedades que possuem germoplasma mexicano, por exemplo), intermediárias, tardias (ciclo longo, mais utilizadas na região Sul) e muito tardias (variedade de trigo de inverno, não cultivadas no Brasil). A altura é medida do solo até o ápice das espigas, sem incluir as aristas, no momento em que as plantas apresentarem seu maior desenvolvimento (um mês após o espigamento). É uma característica muito influenciada por fatores edafoclimáticos, sendo válidas apenas comparações entre variedades cultivadas em uma mesma condição ambiental. As folhas são constituídas pela bainha e lâmina, encontrando-se na base da lâmina, a lígula e aurículas. As características foliares mudam muito de uma variedade para outra, sofrendo também forte influência de fatores ambientais. Para diferenciar variedades são utilizadas as características: pilosidade das bainhas, posição, cor, e torção da lâmina, cor e pilosidade das aurículas e cerosidade. As características do colmo utilizadas como descritores varietais são: cor, comprimento do pedúnculo, forma (Figura 13) e pilosidade do nó superior, diâmetro e espessuras das paredes do colmo. As espigas são caracterizadas pelas aristas (Figura 14), quanto à forma (Figura 15), comprimento, densidade e posição (Figura 16). As características das glumas são muito utilizadas para a diferenciação de variedades por serem muito influenciáveis por variações ambientais: pubescência, cor, comprimento, largura, forma e largura do ombro, forma da quilha, largura, forma e comprimento do dente. As características dos grãos variam para grãos provenientes de diferentes partes de uma mesma espiga de trigo, motivo pelo qual devem ser medidas, para efeito de descrição varietal, em grãos colhidos na porção mediana da espiga (forma, comprimento, cor, textura, pincel, germe e sulco). Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 15 Figura 12. Os hábitos de crescimento do trigo. Figura 13. As diversas formas do nó superior da planta. Figura 14. Classificação das espigas de acordo com as aristas. Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 16 Figura 15. Classificação quanto à forma das espigas. Figura 16. As três posições assumidas pelas espigas. Especialmente, nos estágios iniciais de desenvolvimento, o trigo assemelha-se muito a outros cereais de inverno, como a cevada, o centeio, a aveia ou o alpiste. Sua diferenciação pode ser feita baseada nas seguintes características: lígula, aurícula, folha e bainhas. Uma curiosidade: o triticale é proveniente do cruzamento do trigo com o centeio, guardando maiores semelhanças com o trigo, em face dos sucessivos retrocruzamentos e seleções feitos visando recuperar as qualidades do grão deste cereal. Em decorrência, sua técnica de cultivo se assemelha mais com a preconizada para o trigo. Foi introduzido no Brasil há mais de vinte anos, mas somente em 1984 se consolidou como cultivo de importância econômica pelo reconhecimento oficial dos resultados da Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 17 pesquisa desde então conduzida com este novo cereal, consubstanciado na Portaria CMN nº 420/84, que equiparou o triticale ao trigo quanto às políticas de comercialização, preço, financiamento e industrialização. 5. Cultivares Atualmente, cultivam-se trigos de inverno e de primavera. Os trigos de inverno, em seu estádio inicial de desenvolvimento, necessitam passar por um período de vernalização, a temperaturas próximas a zero grau centígrados, para completar o ciclo reprodutivo. O trigo cultivado no Brasil é de hábito primaveril e a maioria das cultivares é insensível ao fotoperíodo. A pesquisa liderada pela Embrapa (Tabela 3) vem redirecionando seus objetivos no sentido de compatibilizar as demandas da industria moageira da região com o trigo produzido pelo agricultor. As cultivares criadas pela Embrapa, Embrapa 22, Embrapa 42, BRS 207 e BRS 210 indicadas para cultivo irrigado e BR 18 e Embrapa 21 para cultivo de sequeiro, estão disponíveis no mercado atualmente, e algumas delas como a Embrapa 22, Embrapa 42 e BR 18 possuem qualidade industrial excelente para a panificação, nos mesmos padrões de qualidade dos trigos importados. As cultivares BRS 207, BRS 210 e Embrapa 21 possuem qualidade industrial excelente para fabricação de massas, pão doméstico e biscoitos. Em 2006, a Embrapa lançou duas novas cultivares para o sistema irrigado da região, BRS 254 e BRS 264. Cultivares com alto potencial de rendimento de grãos e excelente qualidade industrial para panificação. Nas safras 2003, 2004 e 2005 no cultivo irrigado, houve vários triticultores que obtiveram rendimentos de grãos superiores a 7 toneladas/ha utilizando a cultivar BRS 207. Com a utilização do redutor de crescimento (trinexapac-ethyl) nas cultivares Embrapa 22 e Embrapa 42, os produtores tem alcançado rendimentos de 6 toneladas de grãos/ha. Entretanto a média da região está em torno de 5 toneladas/ha. No cultivo de sequeiro a média é de aproximadamente 1,5 toneladas/ha, as melhores produtividades podem chegar até 3,0 toneladas/ha, em anos que a chuva se estende até finais de abril. Para a expansão da cultura do trigo no cerrado (Figura 17), há necessidade da pesquisa com o uso da moderna tecnologia, desenvolver maior número de cultivares, pelo uso de marcadores moleculares, mapeamento molecular de genes, aumento da diversidade genética e aprimoramento na técnica de obtenção de genótipos duplohaplóides. A produção de linhagens “Duplo-haplóides” reduziu o tempo de criação de novas linhagens de trigo para apenas dois anos. Isso representou um aumento na Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 18 produção de linhagens para testes visando a indicação de novas cultivares e, também representou maior rapidez na incorporação de novos genes de resistência ou qualidade em cultivares adaptadas. Além do melhoramento a pesquisa deve também aprimorar o manejo do sistema de produção. Para o sistema irrigado, novos trigos continuam a ser desenvolvidos, anualmente. A melhoria da resistência, do potencial de rendimento de grãos e da qualidade, em novos ideótipos de planta, adaptados às condições do cerrado, estão sendo buscados pela pesquisa. Estão sendo desenvolvidas novas linhagens contendo o gene de nanismo (Rht). Este gene diminui a altura das plantas, tornando os genótipos mais resistentes ao acamamento, mesmo em doses maiores de nitrogênio. Estas novas linhagens tem potencial para produzir em torno de 8 toneladas de grãos por hectare a nível de lavoura. O trigo de sequeiro, como é um cultivo de risco, não permite altos investimentos. Com um rendimento de grãos bem abaixo do irrigado, necessita que a pesquisa desenvolva um pacote tecnológico com cultivares rústicas e tolerantes à seca, eficientes em retirar nutrientes do solo e mais resistentes às doenças fúngicas, principalmente a bruzone. Estes cultivares, aliados a um manejo menos oneroso, diminuiria os custos de produção, garantindo um rendimento, que embora menor que o irrigado, garanta uma rentabilidade ao triticultor. Figura 17. Região de produção de trigo no Brasil Central. Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 19 Tabela 3 – Relação de cultivares de sequeiro ou irrigado, indicado para o Brasil Central, estados, ciclo, altura, reação ao acamamento e classe comercial. 1 Aproximadamente uma semana mais precoce que os demais cultivares classificados como precoces. 2Aproximadamente 10 cm mais alta que os demais materiais classificados como baixos. 3Aproximadamente 10 cm mais alta que os demais materiais classificados como baixos. 4R = Resistente, MR = Moderadamente Resistente, MS = Moderadamente Sensível ao acamamento. 5 Qualidade de panificação inferior aos demais materiais classificados como pão. 6. Clima, Solo, Adubação e Calagem. Os fatores climáticos que condicionam a adaptação do trigo a diversas regiões são a temperatura, luminosidade e água. A Tabela abaixo apresenta, em linhas gerais, as exigências climáticas da cultura em função do estágio de desenvolvimento. Tabela 4 – Exigências climáticas para a cultura do trigo de acordo comk o estágio de desenvolvimento. Estágio Temperatura Umidade Emergência Até o perfilhamento Fim do perfilhamento ao espigamento Espigamento à maturação Do solo em torno de 15ºC 8 e 18ºC 8 e 20ºC 18ºC 120 mm (50-200 mm) 55 mm/mês (30-80 mm) 40 mm/mês Nunca acima de 60mm/mês Os solos devem ser, preferencialmente, de textura média (arenosos), profundos, drenados, férteis, pH 6,0, saturação de bases entre 40 e 60%, em áreas planas ou com pouco declive. Evitar solos cascalhentos e áreas sujeitas a encharcamento. O trigo requer, para sua nutrição, os macronutrientes Nitrogênio (N), Fósforo (P2O2), Potássio (K2O), Cálcio (CaO), Magnésio (MgO), Enxofre (S). Os micronutrientes exigidos são Boro (B), Cloro (Cl), Cobre (Cu), Ferro (Fe), Manganês (Mn), Molibdênio (Mo) e Zinco (Zn). A falta ou baixo teor no solo, de qualquer um desses nutrientes, resulta em menor crescimento das plantas e menor produção de grãos. Os fertilizantes minerais (adubos) contêm um ou mais nutrientes em elevada concentração, e a prática da adubação visa complementar as quantidades de nutrientes presentes nos solos, para garantir bons rendimentos de grãos. Adubos orgânicos, como os estercos, contêm todos os nutrientes, mas em concentrações baixas, sendo necessária a aplicação de doses elevadas para fornecer esses nutrientes em quantidades suficientes às plantas. Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 20 Não se dispondo da análise química do solo, sugere-se aplicar para o trigo de sequeiro, cerca de 500kg/ha da fórmula 4-14-8, ou 250kg/ha da fórmula 4-30-16 (mais concentrada em fósforo e potássio), que são facilmente encontradas no comércio. Para o trigo irrigado, recomendam-se doses maiores de fertilizantes, pois o potencial de rendimento de grãos é maior. Além disso, há a garantia de que, sob irrigação, não haverá o problema de quebra de rendimentos devido aos veranicos, o que frequentemente ocorre no sistema de sequeiro. Assim, sugere-se para o trigo irrigado, doses em torno de 350kg/ha da fórmula 4-30-16, que corresponde a 105 e 56kg/ha de fósforo e potássio, respectivamente. As fórmulas de baixa concentração, como a 4-14-8, contêm, além de NPK, o enxofre (S), o que não ocorre com as fórmulas de alta concentração de nutrientes, como a 4-30-16. Assim, para que haja a garantia de que o enxofre não falte ao trigo, sugere-se dar preferência às fórmulas de baixa concentração, ou utilizá-las pelo menos uma vez a cada três anos. Outras opções para garantir o suprimento de enxofre são a aplicação de gesso agrícola, ou utilização na adubação nitrogenada em cobertura, o sulfato de amônio, que contêm enxofre. Quanto ao nitrogênio, recomenda-se aplicar apenas uma pequena dose (10 a 20kg/ha), através das formulações NPK, sendo a maior parte aplicada em cobertura, no início do perfilhamento, cerca de duas a três semanas após a emergência. A dose depende, principalmente, do sistema de cultivo (sequeiro ou irrigado) e da variedade plantada. Não é necessário aplicar os demais nutrientes em cobertura, pois não se perdem facilmente pelo excesso de chuvas. Os adubos devem ser aplicados à lanço, próximo à data da semeadura, e em seguida incorporados com arado ou grade, ou manualmente, com enxada. Alguns micronutrientes são deficientes em muitos solos do Brasil Central. Para o trigo, as deficiências mais generalizadas são as de Zinco e Boro, sendo a deficiência de cobre mais comum em solos arenosos ou solos orgânicos de várzeas (pretos na camada superficial). As deficiências de boro ou cobre causam o chochamento do trigo. Muitas espiguetas permanecem chochas (sem grãos), o que resulta em menor rendimento. O aspecto visual da espiga com chochamento, causado pela deficiência do boro, pode ser observado na Figura 18. Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 21 Figura 18. Efeito da deficiência de Boro: espigas da esquerda menores, mais verdes e com poucos grãos. A correção dessas deficiências também é efetuada através de fertilizantes contendo esses micronutrientes, sendo os principais o sulfato de zinco (que contêm 20% de zinco), sulfato de cobre (25% de cobre) e o bórax (11% de boro). A aplicação de doses em torno 3kg de zinco, 2kg de cobre e 2kg de boro, por hectare, uma única vez, apresenta efeito de, no mínimo, quatro anos, não sendo necessárias reaplicações durante este período. Como as doses destes produtos são pequenas, recomenda-se misturá-las aos adubos NPK, para facilitar a adubação no campo. Além da falta ou baixo teor de um ou mais nutrientes, a acidez do solo na Região do Cerrado brasileiro limita o crescimento das plantas, devido ao alumínio presente em formas tóxicas às raízes, o que prejudica o crescimento e a absorção de água e nutrientes. A acides deve ser determinada em laboratórios de análise química, a partir de amostra adequadamente colhida na área de lavoura, antes do plantio. 7. Preparo do Solo e Plantio Na Região do Cerrado, o trigo pode ser plantado em duas épocas. Na primeira época, de 10 de janeiro até o final de fevereiro, planta-se o trigo de sequeiro (sem irrigação), aproveitando-se o final da estação chuvosa. Na zona do Alto Paranaíba, em Minas Gerais, essa data de plantio pode ser estendida até 28 de março, devido à melhor distribuição da chuva. O trigo produzido nessa época apresenta menor potencial de produtividade, situando-se em média, em torno de 1.200kg/ha. Já na Região do Alto Paranaíba, a produtividade média das lavouras alcança mais de 2.000 kg/ha. O sucesso desse cultivo depende diretamente da quantidade e da distribuição das chuvas. Por isso, caso existam condições de se fazer irrigações suplementares quando houver falta de chuvas, maiores produtividades podem ser alcançadas. Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 22 Na segunda época, de 10 de abril até 31 de maio, dando-se preferência para o mês de maio, o trigo é cultivado durante a estação seca, com a utilização da irrigação durante todo seu ciclo. As lavouras cultivadas nessa época atingem um potencial de produção de até 6.000 kg/ha. Devem-se evitar plantios depois do mês de maio, devido a riscos de chuva na colheita. A ocorrência de chuvas nesse período prejudica a qualidade dos grãos e aumenta perdas na colheita, devido á incidência de acamamento (tombamento ou queda de plantas no campo). O ideal é que o solo seja bem preparado e nivelado, evitando a presença de torrões e de palhas na sua superfície. A presença desses elementos prejudica a germinação das sementes, diminuindo o número de plantas emergidas. O solo pode ser preparado com implementos agrícolas como arados e grades, puxados por trator ou tração animal (agricultura familiar). Microtratores, usados em hortaliças, também podem ser utilizados. O preparo do solo deve atingir em torno de 20cm de profundidade, porque cerca de 80% das raízes se concentram nessa camada. A semeadura deve seguir as seguintes recomendações: o espaçamento deve ser em torno de 20 cm entre as fileiras de plantas, profundidade de 5 cm, evitando plantios rasos, menor que 3 cm e profundos, maior que 8 cm. A quantidade de sementes por metro linear deve ser calculada para a obtenção de 60 plantas por metro, correspondendo a 300 plantas por metro quadrado. Para calcular a densidade de semeadura, deve-se corrigir a quantidade de sementes a serem distribuídas por metro, em função da sua porcentagem de germinação. 8. Colheita, Trilha, Beneficiamento, Armazenamento e Comercialização. A colheita do trigo ocorre, em média, de 110 a 120 dias após o plantio, oscilando de acordo com a variedade. O trigo deve ser colhido maduro, quando toda a planta se encontrar com uma coloração amarelada, típica de palhas (Figura 19). Figura 19. Colheita manual com cutelo e mecanizada do trigo. Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 23 Convém planejar a colheita com antecedência, anterior à própria semeadura. Em função da reduzida disponibilidade de máquinas ou de uma tendência à debulha das variedades de trigo utilizadas, é aconselhável escalonar a colheita, semeando variedades de ciclos diferentes numa mesma época ou variedades de mesmo ciclo em épocas distintas. O momento apropriado para iniciar a colheita dependerá, fundamentalmente, do grau de umidade dos grãos, podendo ser antecipado em função de uma maior suscetibilidade da variedade à debulha, à germinação na espiga ou ante a intenção de dispor de sementes com elevada qualidade fisiológica (vigor). Em princípio, recomenda-se colher o trigo quando a umidade dos grãos descer abaixo de 15% (preferencialmente em torno de 13%). Na lavoura, o ponto de colheita pode ser identificado esfregando as espigas entre as palmas das mãos. Se os grãos debulham, quebrando com facilidade à ráquis, o conteúdo de umidade dos grãos está próximo ao ideal para colheita. Isto também pode ser constatado pressionando os grãos com a extremidade da unha. A lavoura estará pronta para colheita quando os grãos pressionados ficarem marcados. Se estiverem macios, têm umidade excessiva; se não chegarem a marcar, já ultrapassaram o ponto de colheita. Quando o objetivo for semente de alta qualidade, é melhor realizar a colheita quando as espigas atingirem, pela primeira vez, 15% de umidade, sendo neste caso necessário proceder à secagem das sementes. A hora do dia preferencial para colheita dependerá da umidade relativa do ar. Pela manhã e à noite, a umidade relativa é maior, influenciando a velocidade conveniente de deslocamento da máquina, a regulagem da distância entre o cilindro e o côncavo e da própria velocidade de rotação do cilindro. Após as 10 horas da manhã, em dias ensolarados, o trigo fica seco, com baixo teor de umidade e ideal para ser colhido. A colheita manual deve ser feita em feixes, cortando a planta na sua base, com o uso de um cutelo ou faca (Figura 19). Os feixes colhidos devem ser agrupados em feixes maiores e levados para o local da trilha ou debulha. Frequentemente constata-se um grande interesse do triticultor em maximizar a produção e um paradoxal descaso em relação às perdas na colheita. Caso não sejam observados procedimentos adequados (relativos ao momento de iniciar a colheita, à conveniente regulagem da colheitadeira, à velocidade de deslocamento da máquina etc), perdas substanciais podem ocorrer, superiores mesmo aos ganhos conseguidos pelo Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 24 emprego de algumas práticas culturais. Estima-se que 80% das perdas na colheita do trigo ocorrem na plataforma da colheitadeira, por operação defeituosa do molinete ou da barra de corte. Aquelas atribuídas a problemas na trilha dificilmente ultrapassam 10% das perdas totais, decorrendo na maioria dos casos de inadequado fluxo de ar ou má regulagem do cilindro. A Tabela abaixo apresenta alguns procedimentos recomendados para solucionar problemas na colheita do trigo. Tabela 5 – Problemas, causas e soluções na colheita do trigo. Problemas Espigas caindo em frente à barra de corte Plantas cortadas amontoadas na barra de corte Plantas se enrolam no molinete Corte irregular das plantas ou plantas arrancadas Excesso de vibração da barra de corte Sobrecarga do cilindro Espigas não trilhadas caindo do saca-palhas e peneiras Causas Excesso de velocidade do molinete Molinete muito alto Plataforma muito alta Molinete muito alto Excesso de velocidade do molinete Navalha ou dedo da barra de corte danificados Barra de corte empenada Placas das navalhas apertadas Dedos não alinhados Folga excessiva das peças da barra de corte Correia patinando Alimentação excessiva do cilindro Distância reduzida entre o cilindro e o côncavo Velocidade do cilindro muito baixa Baixa velocidade do cilindro Muita distância entre o cilindro e o côncavo Plantas muito verdes ou úmidas Soluções Reduzir a velocidade do molinete Baixar o molinete e deslocá-lo para trás se necessário Baixar a plataforma para cortar o talo mais comprido Baixar o molinete Reduzir a velocidade do molinete Trocar as peças danificadas Desempenar a barra de corte Ajustar as placas permitindo às navalhas deslizarem Alinhar os dedos Eliminar o excesso de folga Ajustar a tensão da correia Reduzir a velocidade do deslocamento da colheitadeira Baixar o côncavo Aumentar a velocidade do cilindro Aumentar a velocidade do cilindro Levantar o côncavo Suspender a colheita até que as plantas sequem A trilha ou separação do grãos da palha pode ser feita diretamente após a colheita nas colheitadeiras com sistema de trilha tangencial e separação por saca-palhas (Figura 20). Figura 20. Colheitadeira com sistema de trilha tangencial e separação por saca-palhas. Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 25 Após a debulha, os grãos de trigo devem ser limpos para eliminar totalmente restos de palha e outros resíduos, como pedras, paus, torrões e sementes de outras plantas. Esta limpeza pode ser feita tanto manualmente, com peneira, quanto artificialmente, em usinas de beneficiamento. A secagem é a etapa seguinte após a debulha e limpeza, onde o trigo deve atingir teores de umidade inferiores a 13%. Neste ponto, o grão torna-se difícil de ser quebrado com o dente. Na Região do Cerrado, não tem sido necessário fazer a secagem dos grãos após a colheita. Devido à baixa umidade relativa do ar, estes atingem teores de umidade de 13%, quando ainda estão no campo. Os grãos secos podem ser armazenados por mais de um ano, devendo-se observar, frequentemente, se está ocorrendo ataque de pragas. As principais pragas do trigo armazenado que ocorrem na Região do Cerrado são o gorgulho-do-milho e a traça-dos-cereais. Em grande escala, os grãos são armazenados em silos (Figura 21). Os grãos também podem ser armazenados com eficiência em latas ou tambores de metal ou de plástico. Esses recipientes devem ser lavados com água e sabão e secados ao sol e não devem conter resíduos ou cheiro de espécie alguma. Recipientes de defensivos agrícolas, produtos químicos ou tóxicos ao ser humano, jamais devem ser reutilizados. Após colocar os grãos nos recipientes, socá-los com uma vara ou bastão, para diminuir a presença de ar. Uma vez completado o volume do recipiente, este deve ser totalmente fechado, para evitar o ataque de insetos. Para garantir a vedação da tampa, aplica-se uma camada de cera de abelha ao redor da mesma, para que não ocorra troca de ar. Figura 21. Silos graneleiros. Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 26 A comercialização internacional do trigo é maior que a soma de todos os outros grãos alimentícios, o que aumenta mais ainda a sua importância econômica. O trigo fornece cerca de 20% das calorias provenientes dos alimentos consumidos pelo homem. Seu grande trunfo é possuir um tipo de proteína com certa elasticidade, o glúten, não encontrada em outros grãos. O glúten representa um conjunto de proteínas insolúveis, responsável pelo crescimento da massa quando a farinha de trigo é misturada a água. Ele retém o gás carbônico produzido durante o processo de fermentação, fazendo com que o pão cresça, originando um produto leve, de fácil elaboração, nutritivo e saboroso. Em forma de pão e de outros derivados, o trigo constitui um dos alimentos mais importantes da cesta básica brasileira e um componente essencial da alimentação humana. 9. Qualidade panificativa Dois aspectos devem ser considerados referentes à qualidade do trigo. Um referente à moagem. Aos moinhos interessa que o trigo não seja nem muito duro (a ponto de requerer demasiada energia para moagem e ainda produzir farinha com maior teor de cinzas) nem demasiado suave e que produza alto rendimento de farinha, preferencialmente de cor clara. O outro aspecto da qualidade do trigo relaciona-se com o potencial para panificação e para produção de sucedâneos do trigo (bolachas, massas, bolos, etc). Uma farinha de boa qualidade panificativa deve ter alta capacidade de absorção de água, satisfatória tolerância ao amassamento, glúten de tenacidade entre média e forte e ser capaz de produzir pão de grande volume, leve e macio. Essas qualidades decorrem da capacidade de produzir e reter gás na massa durante o processo de fermentação. Para uma adequada produção de gás a farinha deve ter força suficiente, elasticidade e extensibilidade, atributos estes que dependerão da qualidade e quantidade de glúten na farinha, características estas determinadas, fundamentalmente, por fatores genéticos, sendo também influenciadas por condições ambientais ocorrentes durante o cultivo (adubação, insolação, precipitação etc.). Diversos testes de avaliação de qualidade panificativa têm sido desenvolvidos, sendo mais utilizados os seguintes: a) Alveograma: informa sobre a força do glúten. Mede a pressão do ar necessária para arrebentar um disco de massa da farinha em teste. Nele é injetado ar comprimido até Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 27 rebentar a bolha que se forma. É medida a expansão desta bolha, expressa num gráfico (alveograma) em que a altura da curva (P) representa a resistência da massa à extensão (tenacidade) e o seu comprimento (L), a relação entre extensibilidade e retenção de gás (elasticidade). Figura 22. Classificação da qualidade do glúten de trigo em alveograma. Figura 23. Alveógrafo Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 28 b) Mixograma: fornece uma estimativa relativamente precisa do tempo de amassamento requerido por determinada farinha, que deve, preferencialmente, situar-se entre 2 e 3,5 min. Valores menores do que 2 min indicam trigo inferior. Tempo longo, acima de 3,5 min, indica trigo excessivamente tenaz, de difícil amassamento. c) Farinógrafo: informa sobre a plasticidade e a mobilidade da massa submetida a amassamento sob temperatura constante. A resistência oferecida pela massa às pás do misturador é transmitida por um dinamômetro a uma pena que traça uma curva, proporcionando ainda informações adicionais relativas à capacidade de absorção de água, tempo ótimo de mistura e tolerância ao amassamento. Figura 24. Farinógrafo 10. Aproveitamento do trigo O trigo é o componente básico da alimentação humana. Sua farinha é largamente utilizada na confecção de pães, massas e biscoitos. A qualidade do grão produzido é que determina a sua utilização pela indústria. A substância que está por trás dessa classificação é o glúten. É ele que determina o volume e a consistência da massa, ou tecnicamente, a elasticidade da farinha de trigo. Para a confecção de bolachas, pizzas e biscoitos, o trigo deve ter pouca capacidade de expansão, também chamada de baixa força de glúten (trigo brando). Nestes casos, o teor de glúten fica entre 25 e 30%. Já o pão de forma e o pão francês precisam de uma alta força de glúten (trigo pão e trigo melhorador), pois a massa precisa crescer bastante. Essa categoria responde pela maior parte do mercado de farinha de trigo. O macarrão é uma massa que não pode expandir, mas que precisa ter Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 29 tenacidade para ficar al dente. Nesse caso, sua força de glúten é baixa, mas a farinha precisa ser muito tenaz. Para produzir farinha de trigo, as indústrias separam as cascas dos grãos. A casca da semente é utilizada para fazer ração animal e o restante segue para moagem. Existem três tipos de farinha: especial, de trigo e integral. A farinha especial (branca), encontrada nos mercados, é produzida a partir de grãos puros, onde há mínima mistura de farelo. A farinha de trigo admite um pouco de mistura de farelo da casca. A farinha integral, como o próprio nome diz, utiliza todo o grão no processo de moagem. Na tabela abaixo são mostrados os valores alimentícios de alguns produtos derivados do trigo, onde se observa que o pão integral é três vezes mais rico em ferro e duas vezes mais rico em outros minerais e vitaminas, que o pão francês, feito com farinha branca. Na farinha integral, há o aproveitamento de todas as partes do grão (endosperma, casca e embrião) enquanto na farinha branca, só o endosperma é aproveitado. Devido suas qualidades nutritivas e sua versatilidade, alguns panificadores chegam a oferecer mais de 200 produtos diferentes, elaborados à base de trigo. Os alimentos à base de trigo (pães, bolos, massas, biscoitos e outros) são recomendados pelos profissionais das áreas de saúde e nutrição humana, estando presentes em quase todas as refeições diárias. Tabela 6 – Valor nutritivo do trigo e alguns derivados por 100 g de produto A industrialização exagerada dos alimentos tem reduzido o teor de fibras da dieta humana, favorecendo o surgimento de algumas doenças como a prisão de ventre, hemorróidas e câncer de cólon e do reto. As chances de desenvolver essas doenças podem ser diminuídas com o uso de uma alimentação integral e rica em fibras. O farelo de trigo, subproduto da farinha branca, rico em fibras e usado na fabricação de rações para animais, pode ser um remédio barato e eficiente contra esses males. A ingestão de Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 30 uma ou até cinco colheres de sopa de farelo de trigo, misturado ao cardápio diário, em mingaus, sucos e outros tipos de alimentos, é suficiente para o bom funcionamento do aparelho digestivo, nos protegendo de enfermidades como o câncer do cólon e do reto, complicações cardíacas isquêmicas (principal causa dos ataques cardíacos), doença diverticular do cólon, apendicite, flebite e obesidade. Na impossibilidade de aquisição do farelo de trigo, o uso de produtos feito à base de trigo integral apresenta efeitos semelhantes ao farelo. O germe de trigo (embrião) é um alimento ideal para ser usado nos casos de desnutrição e na recuperação do desgaste físico nos atletas, podendo ser usado diariamente na alimentação. É muito utilizado pela indústria farmacêutica, para a extração de óleos e vitaminas. O farelo de trigo pode ser usado também como um complemento mineral e vitamínico. 11. Pragas e Doenças Ver apresentação no Powerpoint. Vídeo Produção de Trigo no Brasil Central O vídeo destaca as duas opções para cultivar o trigo em uma mesma safra, o que não ocorre nas demais regiões produtoras do País. O cultivo pode ser entre fevereiro e junho, em regime de sequeiro, e de abril a meados de setembro, em regime irrigado. Além disso, o produtor tem a vantagem de vender o produto na época de abertura de safra, quando normalmente os preços são mais elevados. Embrapa Informação Tecnológica. Referências Bibliográficas Silva et al. Trigo para abastecimento familiar: do plantio à mesa. Planaltina: Embrapa-CPAC, 1996. 176p. Osório, E.A. A Cultura do Trigo. São Paulo: Editora Globo, 1989. 218p. Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel 31 Sites Consultados ABITRIGO. http://www.abitrigo.com.br CATI. http://www.cati.sp.gov.br Companhia Nacional de Abastecimento – Conab. http://www.conab.gov.br Embrapa Trigo. http://www.cnpt.embrapa.br Food and Agriculture Organization of the United Nations - FAO http://www.fao.org Kansas Wheat. http://www.kswheat.com Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA http://www.agricultura.gov.br North Dakota Wheat Comission. http://www.ndwheat.com SEAGRI-BA. http://www.seagri.ba.gov.br UFRGS. http://www.ufrgs.br Grandes Culturas – Professor Fábio de Lima Gurgel