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2.3 - As Reversões Do Campo E A Variação Secular

Curso de Geomagnetismo

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MÓDULO 2.3: AS REVERSÕES DO CAMPO E A VARIAÇÃO SECULAR A primeira aproximação do campo geomagnético é de um dipolo magnético cujo eixo está bem próximo ao eixo de rotação da Terra. Em outras palavras, os pólos magnéticos estão normalmente muito próximos aos pólos geográficos. Entretanto, ocasionalmente os pólos magnéticos revertem a sua polaridade. Este processo de reversão é observado em registros paleomagnéticos, em rochas no fundo dos oceanos e em lavas vulcânicas. Veja mais sobre como as rochas e artefatos arqueológicos conseguem registrar o campo magnético no módulo 2.4. O campo geomagnético já reverteu a sua polaridade centenas de vezes durante toda a história da Terra (variações paleomagnéticas). As reversões não são periódicas, ou seja, não ocorrem com períodos bem determinados. O tempo médio entre reversões é de aproximadamente 250.000 anos. A última mudança de polaridade ocorreu há 780.000 anos, ou seja, muito mais do que o tempo médio das reversões. Isso não quer dizer, porém que uma reversão ocorrerá em breve, já que períodos muito maiores com a mesma polaridade já ocorreram na história da Terra. Épocas com a mesma polaridade magnética que a atual são chamadas de polaridade normal e épocas com a polaridade oposta são chamadas de polaridade reversa. Os chamados crons são períodos nos quais o campo magnético manteve a mesma polaridade de modo razoavelmente estável, geralmente de 50.000 anos até 5.000.000 anos. Os subcrons são períodos de 20.000 a 50.000 anos com a mesma polaridade, já os supercrons são aqueles períodos no qual o campo manteve a mesma polaridade por dezenas de milhões de anos. Especula-se que os supercrons ocorram devido ao comportamento natural do geodínamo, ao crescimento e mudanças na forma do núcleo interno, variações na condutividade elétrica do manto inferior, variabilidade no padrão geográfico do fluxo de calor no núcleo. Há também períodos chamados de excursões magnéticas, nos quais a polaridade não muda completamente, ou seja, o pólo magnético oscila em latitudes próximas a linha do equador, mas retorna a sua polaridade original. Esse deslocamento geralmente dura menos do que 10.000 anos. Os chamados pólos geomagnéticos virtuais (PGV) representam a posição onde o dipolo magnético deveria estar para resultar na declinação e inclinação medidas nas amostras coletadas em uma localidade. Os PGVs indicam claramente quando há uma reversão, ou seja, uma mudança de polaridade reversa para normal ou vice-versa. A Figura 1 mostra um esquema com chrons, subchrons, transições de polaridade, excursões magnéticas e as respectivas latitudes dos PGVs no decorrer do tempo geológico. Figura 1. Definição de crons, subcrons, transições de polaridade e excursões magnéticas. Uma das estratégias da comunidade científica para entender o porquê das reversões é através de simulações do geodínamo. Estas 1 simulações são feitas usando tanto modelos computacionais como experimentos de laboratório. Os modelos computacionais baseiam-se na resolução numérica de um conjunto de equações que descrevem a evolução temporal do campo geomagnético. A era moderna das simulações computacionais do geodínamo iniciou em 1995, com o advento dos supercomputadores. As primeiras simulações capazes de produzir reversões espontâneas do campo geomagnético (Figura 2) são frutos do trabalho dos cientistas Gary Glatzmaier (Universidade da Califórnia, Santa Cruz) e Paul Roberts (Universidade da Califórnia, Los Angeles). Já outro pesquisador, Peter Olson, está particularmente interessado em como o núcleo da Terra e manto interagem para produzir o campo geomagnético. Estas simulações mostram a importância dos fluxos magnéticos reversos (Figura 3) no núcleo, que podem levar a reversões do campo. Figura 2. Simulação computacional mostrando o geodínamo com polaridade normal mudando para a polaridade reversa. Linhas do campo magnético para fora do núcleo são representadas pela cor amarela e para dentro do núcleo, na cor azul. não-dipolar. Uma simulação tri-dimensional com duração de mais de um ano em um supercomputador (12 horas diárias, todos os dias) mostrou que o início de uma reversão é descrita pela diminuição da intensidade do campo dipolar. Uma série de padrões de fluxo reverso foi gerada, resultando em um campo magnético fraco, com uma mistura de polaridades durante o processo de reversão. A reversão ocorre quando os fluxos reversos começam a ser dominantes em relação à polaridade original do campo magnético no limite manto-núcleo (Figura 4). Figura 3. Esquema ilustrando fluxos reversos no núcleo terrestre. O campo preponderante neste exemplo indica linhas de campo apontando na direção do núcleo (azul). Entretanto, devido a turbulência do núcleo (a) e torção das linhas de campo (b) devido a rotação da Terra, são geradas linhas de campo na direção oposta (em laranja) que enfraquecem o campo preponderante (em azul). Figura 4. Mapas do campo magnético iniciam com polaridade normal, no qual a maior parte do campo aponta para fora do núcleo no Hemisfério Sul (amarelo) e na direção do núcleo no Hemisfério Norte (azul). O início da reversão é marcado por uma série de fluxos reversos (azul no Sul e amarelo no Norte). Em cerca de 3000 anos da simulação os fluxos reversos diminuíram a intensidade do campo dipolar até ser substituído por um campo de fraca intensidade, mas complexo. A reversão ocorre depois de 6000 anos da simulação, período no qual os fluxos reversos começam a dominar sob a polaridade original. Depois de mais 3000 anos, a reversão está completa no núcleo. 2 Você sabe o que poderia acontecer no nosso planeta caso ocorresse uma reversão? Acredita-se que não haveria um risco direto para a vida no planeta Terra por conta da reversão. O motivo é que o campo magnético da Terra oferece alguma resistência à partículas eletricamente carregadas que vem do espaço, mas esta proteção não é completa. Algumas partículas altamente energéticas vindas do Sol podem ser aceleradas dentro da magnetosfera. Entretanto, a atmosfera terrestre também age como uma proteção para impedir a entrada da maior parte das partículas energéticas do Sol. Os seres humanos habitam a Terra por algumas centenas de milhares de anos, durante os quais ocorreram muitas reversões. Não há correlações obvias entre o desenvolvimento humano e as reversões. Da mesma forma, os tempos das reversões não concordam com os tempos em que ocorreram extinções de espécies na história geológica. As reversões de polaridade são apenas uma das particularidades da variabilidade temporal do campo geomagnético. Num aspecto geral, as variações de longo período do campo, originadas no núcleo externo, são chamadas de variação secular. No contexto do geomagnetismo, variação secular significa variação de longo período do campo geomagnético gerado no núcleo externo. Este longo período inclui poucos anos até milhares de anos. Há diferentes formas de se registrar os dados que permitem observar a variação secular: por observatórios magnéticos e satélites, em períodos de anos, pelas antigas navegações, em centenas de anos e por dados de arqueomagnetismo, em períodos de milhares de anos (Figura 5). Esses dados ajudam a melhor A B entender sobre a origem e a ocorrência de diferentes fenômenos do campo do núcleo, como por exemplo: a sua deriva para oeste vista nos modelos que incluem dados de centenas de anos e a diminuição da intensidade do dipolo no decorrer de milhares de anos (Figura 6). O decaimento da intensidade do dipolo magnético da Terra foi mais acentuado no último milênio (Figura 6). Atualmente, a cada década o campo diminui sua intensidade em aproximadamente 1%. Figura 6. Decaimento da intensidade do dipolo magnético da Terra. O gráfico mostra a intensidade do campo dipolar dividido pela sua intensidade em 1980. Para construir este gráfico foram usados dados arqueomagnéticos e históricos. Se o campo por ventura continuasse decaindo nesta mesma taxa, ele chegaria próximo a intensidade nula daqui a aproximadamente 1500 anos. Entretanto, essa previsão rudimentar não é muito significativa já que a dinâmica do núcleo é muito complexa e, portanto não se sabe se o dipolo continuará decaindo e mesmo se a intensidade continuar diminuindo, não é possível dizer qual será a taxa desta diminuição. C Figura 5. Ilustração do estudo de diferentes períodos da variação secular geomagnética, incluindo diferentes fenômenos: (A) dados de observatórios para estudar períodos mais curtos da variação secular, (B) registros das navegações de centenas de anos para análise do deslocamento para oeste e (C) artefatos arqueomagnéticos que registram as mudanças no dipolo magnético na escala de milhares de anos. 3 As variações mais rápidas observadas nos dados da variação secular são chamadas de impulsos geomagnéticos, também conhecidos como “geomagnetic jerks” (em inglês). Se analisarmos um gráfico da taxa de variação do campo durante o funcionamento de um antigo observatório, notaremos abruptas mudanças de tendência desta curva. A Figura 7 mostra um exemplo do observatório de Niemegk, na Alemanha, onde os impulsos observados globalmente são mostrados pelas setas. elétricas da ionosfera e magnetosfera são maiores. Veja mais sobre a magnetosfera e ionosfera no módulo 3 deste curso. Figura 8. Satélite CHAMP que mediu o campo geomagnético de 2000 até 2010. Uma característica interessante sobre os impulsos da variação secular é que eles não ocorrem ao mesmo tempo em diferentes lugares da Terra. Por exemplo, os dados de um Observatório na Austrália indicam uma chegada mais tardia de um determinado impulso, se comparado ao Observatório Eskdalemuir (ESK) na Inglaterra (Figura 9). Figura 7. Taxa de variação da componente leste (Y) do campo magnético no Observatório de Niemegk (Alemanha). Os pontos pretos são os dados do observatório (médias mensais) e as linhas verde, azul e vermelha correspondem a previsões de três modelos globais do campo geomagnético: gufm1, CM4 e CHAOS . Em 2007 dois pesquisadores, Nils Olsen (DTU Space, Dinamarca) e Mioara Mandea (Centre National d´Etudes Spatiale, Paris), desenvolveram outro método para análise desses impulsos. Eles obtiveram dados magnéticos do satélite CHAMP (Figura 8) que passava pelo mesmo ponto várias vezes. Então, eles calcularam médias mensais destes dados em locais fixos, como se fossem observatórios magnéticos, por isso os nomearam observatórios virtuais. Entretanto, o tratamento destes dados é muito mais complicado porque o satélite está sempre em movimento e em uma altitude de 400 km, onde a influência de correntes Figura 9. Valores médios anuais da componente leste do campo geomagnético em dois observatórios: Gnangara (GNA) na Austrália e Eskdalemuir (ESK) na Inglaterra. As setas indicam a data aproximada de ocorrência dos impulsos da variação secular geomagnética. 4 Essa diferença é de cerca de três anos, no caso do impulso que ocorreu em 1969. A razão destes atrasos ainda está em discussão na comunidade científica. Acredita-se que a junção entre os efeitos da condutividade elétrica do manto e os processos ocorrentes no núcleo possa gerar esses atrasos. Entretanto, ainda não se conhece bem sobre os processos que geram estes impulsos no núcleo. Há ainda outras questões em estudo, como por exemplo, por que alguns impulsos são globais (como o que ocorreu em 1969) enquanto outros são somente vistos em regiões localizadas do globo. As observações da variação secular, em observatórios e satélites, são usadas como indícios para os processos que ocorrem no geodínamo e permitindo a exploração das características do interior da Terra, como a condutividade elétrica. F ontes das F iguras Figura 1: Lowrie, W., 2004. Fundamentals of Geophysics. Figuras 2, 3 e 4: Glatzmaier e Olson, 2005. Probing the geodynamo. Figuras 5 e 6: Bloxham e Gubbins, 1989. The evolution of the Earth`s magnetic field. Figura 7: Olsen e Mandea, 2007. Investigation of a secular variation impulse using satellite data: The 2003 geomagnetic jerk. Figura 8: Homepage da science.nasa.gov/missions/champ/ R eferências Bibliográficas NASA: Figura 9: Pinheiro, K. Mantle electrical conductivity estimates from geomagnetic jerk observations. Bloxham, J. e Gubbins, D., 1989. The evolution of the Earth`s magnetic field. Scientific American, 3037. Glatzmaier, G. A. e Olson, P., 2005. Probing the geodynamo. Scientific American, 29-35. Lowrie, W., 2004. Fundamentals of Geophysics. Cambridge University Press. ISBN 0-521-46164-2. Olsen, N e Mandea, M., 2007. Investigation of a secular variation impulse using satellite data: The 2003 geomagnetic jerk. Earth and Planetary Science Letters 255 (2007) 94–105 Pinheiro, K., 2009. Mantle electrical conductivity estimates from geomagnetic jerk observations. Tese de doutorado. Wardinski, I. (2007). Secular Variation Em: Encyclopedia of Geomagnetism and Paleomagnetism, Editores: Gubbins, D. & HerreroBervera, E., Springer, p. 53 – 54. 5