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1.2 - As Primeiras Observações

Curso de Geomagnetismo

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MÓDULO 1.2: AS PRIMEIRAS OBSERVAÇÕES O magnetismo da Terra é uma das mais antigas descobertas científicas. O primeiro relato sobre objetos que apresentavam atração entre si foi feito pelo grego Tales de Mileto, 600 anos antes de Cristo. Durante uma viagem até a Ásia, em uma região chamada Magnésia, ele percebeu que algumas rochas eram atraídas pela ponta de seu cajado que era feito de ferro. A literatura chinesa desde 300 anos antes de Cristo é repleta de referências sobre a força atrativa dos imãs. A invenção da bússola pelos chineses, provavelmente no primeiro século depois de Cristo, foi um evento de enorme importância científica. Na época a bússola era uma colher feita de MAGNETITA que estava livre para rodar em uma superfície nivelada e bem lisa. A magnetização natural desta colher fazia com que a mesma apontasse para a direção do norte magnético (Figura 1). Figura 1. Bússola chinesa inventada no primeiro século depois de Cristo. A primeira observação da declinação magnética (ângulo entre o norte verdadeiro e o meridiano magnético- veja módulo 1.1) foi feita por um astrônomo budista chamado Yi-Xing no ano de 720 depois de Cristo. No século XII a declinação magnética já era medida por bússolas construídas com agulhas magnetizadas que flutuavam em um líquido ou eram equilibradas horizontalmente por um pivô. Mas imagine naquela época, como era realizar uma medição da declinação nos navios, com vento e variações bruscas de temperatura e o balanço do navio... Por isso nas viagens marítimas, a bússola ganhou uma versão com formato de caixa de madeira, coberta com vidro e selada para evitar o vento e a umidade. A MAGNETITA é o mineral natural mais magnético que existe, muito usado na fabricação de bússolas. Uma rocha é uma mistura de diversos minerais, em proporções variadas. Rochas magnéticas possuem uma alta concentração de magnetita. O francês Petrus Peregrinus descreveu experimentos de magnetismo no trabalho chamado “Epistola de Magnete”, publicado em 1269 e muito popular na Europa. “Epistola” foi provavelmente o primeiro tratado científico já escrito e incrivelmente mostra uma grande semelhança com os artigos científicos atuais. Nos seus experimentos, Peregrinus utilizou diferentes tipos de imãs, até mesmo um esférico, mostrando que a agulha da bússola variava a sua orientação quando se movia em diferentes partes da esfera. Em um de seus experimentos, Petrus Peregrinus dividiu um imã em duas partes e percebeu que ambos possuíam pólos norte e sul (Figura 2). Ele foi o primeiro a demonstrar que a 1 mesma polaridade magnética gerava repulsão enquanto polaridades opostas geravam atração. magnético. Ele utilizou um instrumento chamado “Versorium” que é uma delicada agulha magnética capaz de mover-se livremente em todas as direções, quando colocado próximo a Terrela. A A B Figura 2. Ilustração de um imã e seu campo magnético. Após dividir um imã em duas partes, elas adquirem novos pólos norte e sul. O alemão Georg Hartmann observou a inclinação magnética em 1544 (veja figura 1 do módulo 1.1). Hartmann registrou essa informação em uma carta que foi perdida e somente encontrada quase trezentos anos depois. Mas felizmente outro cientista, chamado Robert Norman, observou também a inclinação magnética em 1576. Esse conhecimento foi de fundamental importância no trabalho de William Gilbert em 1600. William Gilbert (Figura 3A), chamado muitas vezes de “pai” do geomagnetismo, nasceu na Inglaterra em 1544, formou-se em medicina em 1596 e tornou-se médico da Rainha Elizabeth I. Entretanto, seu sucesso não está relacionado à medicina, mas sim ao seu trabalho em magnetismo. Em 1600 Gilbert publicou o famoso livro “De Magnete” (Figura 3B), apresentando pela primeira vez argumentos sobre o magnetismo como uma propriedade intrínseca do interior da Terra: “magnus magnes ipse est globus terrestris” que significa “a Terra é um grande imã”. O mais notável experimento de Gilbert, em geomagnetismo, foi a Terrela (pequena Terra, Figura 4) que era uma esfera de material Figura 3. Ilustração de William Gilbert (1544 1603) em A e capa do trabalho "De Magnete" publicado em 1600, em B. Figura 4. Terrella (a esquerda) e Versorium (a direita). Gilbert identificou fenômenos observados na Terra, por exemplo: a agulha permanecia na horizontal, na direção norte-sul, quando estava próxima ao equador magnético. Mas quando se movia próxima aos pólos, a agulha tendia a ficar na 2 vertical. Um dos aspectos mais impressionantes do trabalho de Gilbert foi a idéia de estudar em um laboratório um fenômeno natural da Terra que ocorre em escala global. Este conceito é familiar na prática científica atual, mas inovadora na época de Gilbert. “De Magnete” influenciou pesquisas científicas de outros pesquisadores famosos como Newton, Galileu e Kepler. Após Gilbert, um astrônomo inglês chamado Henry Gellibrand observou a declinação em Londres no período de 1580 até 1634. Ele constatou uma diminuição da declinação em torno de sete graus para oeste (Tabela 1). Tabela 1. Observações da declinação magnética em Londres. O primeiro mapa da declinação magnética foi publicado por Edmund Halley em 1702 (Figura 5), resultado de medições feitas em navios entre 1698 e 1700 no Oceano Atlântico norte e sul. Em 1828, Alexander Von Humboldt organizou a primeira cooperação internacional de geomagnetismo. Ele conseguiu que várias estações da Europa e Ásia realizassem medições magnéticas periódicas e simultâneas. A partir de 1830, iniciouse o estágio moderno do geomagnetismo no qual o cientista alemão Carl Friederich Gauss inventou um instrumento que media o campo magnético total, chamado de magnetômetro absoluto (1832). Nesta época, Humboldt construiu seu próprio observatório magnético sem materiais metálicos. Em 1834, Gauss e Wilhelm Weber se juntaram a essa causa, expandindo para 50 o número de observatórios magnéticos. Outra importante fonte de dados magnéticos foi adquirida no período das navegações. Houve um incrível aumento da quantidade e qualidade dos dados desde 1590 até os dias de hoje. A Figura 6 mostra uma comparação da quantidade de observações da declinação magnética nos oceanos de 1590 a 1690 (A) e entre 1890 a 1990 (B). Figura 6. Distribuição geográfica de observações da declinação magnética (indicada pelo símbolo +) medida em navios em duas diferentes épocas: de 1590 a 1690 (acima) e de 1890 a 1990 (abaixo). Figura 5. Primeiro mapa de declinação magnética publicado por Edmund Halley em 1702. 3 Essas primeiras observações são valiosas informações de como o campo variava naquela época, tanto no espaço quanto no tempo. Esses dados são usados em modelos globais, visando uma melhor compreensão de alguns aspectos ainda em estudo no geomagnetismo, como por exemplo, quais são os processos dinâmicos que geram este campo no núcleo terrestre. R eferências Bibliográficas Chapman, A. (2007). Gilbert, William. Em: Encyclopedia of Geomagnetism and Paleomagnetism, Editores: Gubbins, D. & HerreroBervera, E., Springer, p. 360 – 362. Chapman, A. (2007). Peregrinus, Petrus. Em: Encyclopedia of Geomagnetism and Paleomagnetism, Editores: Gubbins, D. & HerreroBervera, E., Springer, p. 808 – 809. Courtillot, V., Le Mouel, J-L. (2007). The Study of Earth Magnetism (1269 – 1950) a Foudantion by Peregrinus and Subsequent Development of Geomagnetism and Paleomagnetism. Reviews of Geophysics, 45, RG3008. Fuller, M. D. (2007). 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(2000). Figura extra (quadro da página 1): Site sobre materiais magnéticos http://mineralespana.es/arrminerales/Magnetita_S omorrostro_Ast.JPG 5