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Intervalo intrajornada e regime 12x36
Intervalo intrajornada e regime 12x36.
Autor analisa o caso concreto como fator de relativização da OJ nº 342 da
SBDI-1 do TST
Cuido, neste texto, de perscrutar se haveria a obrigatoriedade de aplicação
de intervalo intrajornada nas jornadas em que, mediante ajuste coletivo,
ocorre a prática do regime 12 x 36.
Nesse desiderato, tenho a considerar, ab initio, que o regime de labor
consubstanciado em 12 (doze) horas de trabalho por 36 (trinta e seis) de
descanso constitui prática um tanto quanto antiga nos estabelecimentos
hospitalares e na área de vigilância.
Essa nuance, todavia, a meu ver, não lhe retira o seu manifesto cunho
excepcional, na medida em que faz ultrapassar o limite diário de trabalho
previsto em nosso ordenamento jurídico, razão pela qual necessariamente
deve ser viabilizado por meio de negociação coletiva, a teor do artigo 7º,
incisos XIII e XXVI, da Constituição da República.
Trata-se do fenômeno denominado de flexibilização do Direito do Trabalho,
realizado no Brasil por meio de necessária tutela coletiva, como preceitua
a Lex Legum.
A negociação coletiva, de fato, constitui o melhor caminho para a prevenção
e solução de conflitos trabalhistas, individuais e coletivos, para fins de
convivência harmônica entre o capital e o trabalho, supressão de
deficiências do contrato individual de labor, fixação de condições
específicas e regulamento das relações entre empregados e empregadores,
permitindo atender às peculiaridades de cada setor econômico e
profissional.
Já tive oportunidade de elaborar artigo doutrinário discorrendo sobre o
tema da flexibilização das condições de trabalho, pelo que reputo oportuno
transcrever os seguintes trechos:
"... O verbo flexibilizar significa dar elasticidade, flexão, maleabilidade
a algo. Nesse sentido, flexibilizar as normas trabalhistas significa dar
mais elasticidade às regras que tratam do nexo existente entre patrão e
empregado, como uma forma de enfrentar as crises econômicas que vêm
assolando o mundo. Basicamente, é isso.
... Vale frisar que, na verdade, a flexibilização do Direito do Trabalho,
em nosso ordenamento jurídico, teve início já com a Constituição Federal de
1988, vez que seu eixo, no tocante aos direitos sociais, firmou-se no
sentido da valorização da autonomia privada coletiva (atividade sindical),
como forma de amenizar a rigidez das normas trabalhistas.
... Como se depreende, a grande questão é conciliar o capital e o trabalho
? o que se objetiva há tempos, preservando o respeito à dignidade da pessoa
e aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF, art. 1º, III e
IV), como forma de se alcançar o desenvolvimento nacional e a erradicação
da pobreza e das desigualdades sociais, a fim de que se concretize a tão
sonhada sociedade livre, justa e solidária (CF, art. 3º, I, II e III). Esse
é o principal objetivo. Só o tempo, com seu frio julgamento, dirá sobre o
nosso êxito." (Flexibilização das Normas Trabalhistas, Ney Stany Morais
Maranhão, Jornal Trabalhista ? Consulex, Ano XVIII ? nº 859, Brasília/DF,
16 de abril de 2001).
Nessa toada, existindo norma coletiva contemplando a compensação de
jornada, o empregado que trabalha em escala de 12 horas de serviço por 36
de descanso não faz jus às horas extraordinárias excedentes da oitava nos
dias de efetivo trabalho, porquanto não se vislumbra ultrapassada a jornada
máxima instituída em sede constitucional, pelo menos quanto ao módulo
mensal.
Penso, também, que essa modalidade de jornada, devidamente autorizada pela
via sindical, também não comporta a aplicação do intervalo intrajornada
estampado no artigo 71 celetista.
É que essa chancela sindical na formulação de norma coletiva pressupõe a
negociação de condições em troca de outros benefícios, criando situação
global favorável a ambas as partes, sendo essa a tônica inerente aos pactos
coletivos de trabalho (conglobalização dos pactos coletivos).
Eis o porquê da importante consideração de que, havendo desprezo de
qualquer das cláusulas do ajuste coletivo, pequena que seja, suscita-se
natural desequilíbrio no próprio acerto, tout court, considerado como um
todo.
Decerto, o sindicato, no uso da prerrogativa constitucional inscrita no
art. 8º, inciso III, da Carta Política, atuando como legítimo representante
da categoria, na defesa de seus direitos e interesses, detém plena
liberdade para celebrar negociações, dentro de um contexto de concessões
mútuas e no pleno exercício da autonomia negocial coletiva, na forma do
artigo 611 celetista.
Desconsiderar essa dinâmica implicaria frustração da honrosa atuação
sindical com vistas à autocomposição dos interesses coletivos de trabalho e
anulação do iniludível estímulo constitucional conferido ao tema (CF,
artigo 7º, inciso XXVI)
Frise-se, ainda, que o regime 12 x 36, se de um lado acarreta sobrecarga
maior de trabalho, por outro viés também possibilita que o empregado
dispense maior tempo dedicado à sua família e a seus afazeres sociais, na
medida em que dispõe de várias horas consecutivas para desfrute como melhor
entender, compensando-se, inclusive, nesse bojo, o próprio intervalo para
descanso e alimentação que não lhe seja concedido.
Percebo, nesse contexto, que o comando constitucional sobredito em verdade
trouxe nova roupagem à matéria, prestigiando a autonomia privada coletiva,
mormente quando a pactuação observa as peculiaridades dos setores
envolvidos, concretizando o que GODINHO DELGADO chama de princípio da
adequação setorial negociada (Curso de Direito do Trabalho, São Paulo, LTr,
2002, p. 1.296).
Tal prática se sobressai, ainda, como uma medida que, analisada em seu
plano macro, afigura-se benéfica ao obreiro, no que faz com que a
negociação coletiva em destaque observe os princípios protetivos básicos do
Direito do Trabalho e o patamar civilizatório minimamente necessário para o
bom convívio em sociedade.
Ademais, sabe-se que determinadas atividades, como as de vigilância, exigem
atenção constante, valendo considerar, também, que, em casos como tais,
mostra-se inviável à empresa deslocar diversos empregados a inúmeros
postos, inclusive pela madrugada, com vistas a cobrir apenas curto lapso
temporal em que determinado empregado desfruta do possível intervalo
intrajornada concedido.
Trata-se de medida que, como facilmente se infere, revela-se, além de
incompatível, também impraticável, motivo pelo qual a negociação coletiva
fixa, à vista desse contexto, precisamente, a jornada em 12 x 36, já
abarcando, mesmo que implicitamente, essa concepção lógica de patente
incompatibilidade/impraticabilidade entre a dinâmica laborativa, a jornada
prevista e o intervalo em referência.
Nem se diga, também, acerca do comando constitucional que almeja reduzir os
riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança (artigo 7º, inciso XXII), pois o labor no regime 12 x 36,
chancelado em sede coletiva, não tem o condão, por si só, de produzir o
nível de risco que se almeja combater, mormente quando o instituto jornada
de trabalho sofreu flexibilização por força de norma de mesmo patamar
jurídico (artigo 7º, inciso XIII), o que atrai uma necessária hermenêutica
sistemática no tocante a ambas as normas constitucionais envolvidas.
É de bom tom consignar que até a coeva data inexiste qualquer demonstração
científica no sentido de que, verdadeiramente, dessa sistemática laboral em
estudo decorra qualquer espécie de prejuízo ao obreiro, seja quanto à sua
saúde, seja quanto à sua segurança e seja quanto à sua dignidade, pelo que
resta incólume, no meu sentir, o comando previsto no artigo 71 consolidado,
em todas as suas dimensões jurídicas.
Aliás, a afirmativa sobremodo genérica de que o artigo 71 da CLT cuida de
matéria de ordem pública e, por tal razão, seria intocável, mesmo que por
negociação coletiva, constitui tese extremamente relativa, cujos contornos
estão bem retratados no teor da OJ 342 da SBDI-1 do TST, assim vazada:
"É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho
contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este
constitui medida de higiene, saúde e segurança no trabalho, garantido por
norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988),
infenso à negociação coletiva" (DJ 22.06.04)
Não se pode olvidar, todavia, que a própria legislação prevê,
expressamente, a redução do intervalo intrajornada, desde que observadas as
peculiaridades do caso concreto (CLT, artigo 71, parágrafo 3º).
Aliás, no âmbito da jurisprudência, esse enfoque não constitui novidade nem
mesmo para o próprio TST, que, por sinal, também flexibiliza norma de ordem
pública, à vista, sempre, das especificidades do caso concreto e havendo
chancela sindical a respeito, como se constata, por exemplo, do conteúdo de
sua Súmula 364, em seu item II, in verbis:
"A fixação do adicional de periculosidade, em percentual inferior ao legal
e proporcional ao tempo de exposição ao risco, deve ser respeitada, desde
que pactuada em acordos ou convenções coletivos" (Ex-OJ 258 da SBDI-1 -
Resolução 129/2005 ? DJ 20.04.05)
Note-se, a propósito, que a OJ 342 é portadora de conteúdo demasiadamente
amplo, firmado, vale frisar, ainda no ano de 2004. Ao revés, a matéria
cunhada no item II da Súmula 364, acima transcrito, confere relevo às
contingências e especificidades de determinados casos específicos e
reconhece a riqueza da realidade social em contraponto à generalidade da
previsão legal.
Essa reflexão durante longo tempo figurou no mundo jurídico com status de
simples orientação jurisprudencial (Ex-OJ 258 da SBDI-1 do TST), todavia em
2005 passou a integrar o corpo de verdadeira súmula, como se viu,
demonstrando, se não o acerto, naquele caso específico, mas, pelo menos, o
amadurecimento da crença de que o operador do direito nunca deve desprezar
a realidade fática que pretende se debruçar. Essa, a meu ver, é a grande
contribuição dada pela súmula sobredita..
Releva acentuar, por oportuno, que o adicional de periculosidade lida
diretamente com o valor vida, ao passo que o intervalo intrajornada
configura instituto que, diretamente, sabe-se, cuida do valor saúde.
Nesse diapasão, um questionamento soa por mais que pertinente: ora, se o
TST convalida, de acordo com o caso concreto, a flexibilização de norma que
trata do valor supremo ? a vida, por que veda tal aplicabilidade quando a
referência se destina a um bem que, em tese, nesse cotejo, seria detentor
de inferior envergadura axiológica ? a saúde, quando as partes sociais, num
contexto de concessões recíprocas, coletivamente assim o ajustam?
A "lógica" do TST atrai a afirmativa: quem pode o mais, pode também o
menos...
Como se vê, o conteúdo da OJ 342 da SBDI-1 do TST, repito, é extremamente
genérico, demonstrando que, em verdade, apenas sinaliza para uma regra
geral, nunca uma regra absoluta.
Não estou aqui a trombetear a tese de que tal tema não seja couraçado com
matéria de ordem pública. Também não pretendo, com isso, deixar consignada
minha concordância quanto àquela flexibilidade proferida pelo TST, tangente
ao valor vida ? pois, sinto, data venia, que aquela honrada Corte
Trabalhista, no particular, foi longe demais...
O que almejo ressaltar, de fato, porém, é que, mesmo imantado com esse
caráter especial, o tema, especificamente quanto ao intervalo intrajornada,
certamente não se reveste de feição absoluta, inflexível, como alguns lhe
pretendem imputar.
Pelo contrário, descortina-se, isto sim, para mim, um genuíno e importante
princípio geral: a imperatividade dos dispositivos legais que regulam essa
temática, imunes, em tese, a qualquer forma de pactuação, seja de ordem
individual, seja de ordem coletiva.
Mas, logicamente, por razões de razoabilidade, há espaço para exceções, à
luz de cada caso concreto, que, longe de anular a regra geral, em verdade
suscitam sua legitimação, exsurgindo como válidas quando, consultando aos
interesses das partes coletivamente ajustadas, não resultam, ao cabo, em
qualquer ofensa à saúde obreira.
Bem ao revés, essas hipóteses, pontuais e excetivas, possuem o honroso
mérito de amenizar a impessoalidade/generalidade da lei, por conferir
tratamento diferenciado a situações que, por razões plausíveis, de fato
demandam foco um tanto quanto especial
Essas exceções, por certo, advirão através da prudente análise caso a caso,
como se deu, v.g., no seguinte julgad
"Quando a norma coletiva estabelece condições que não implicam, necessária
e objetivamente, ofensa à saúde, à segurança e à dignidade do trabalhador,
não se pode concluir que ela ? a norma ? ofende o parágrafo 3º do art. 71
consolidado. É o que acontece com a negociação que prevê o intervalo
intrajornada fracionado ? isto é, composto de vários intervalos menores. É
sob essa ótica que deve ser examinada a teoria do conglobamento, que, como
se sabe, não autoriza a ampla e irrestrita negociação. Mas, no caso
concreto, o negociado deve ser preservado, pois ele não colide com normas
fundamentais e indisponíveis. Neste caso, portanto, não se decide com
ofensa à Orientação Jurisprudencial n. 342/SBDI-1" (TST, ROAA 141515/2004-
900-01-00.5, Ac. SDC, 09.03.06, Relator: Ministro José Luciano de Castilho
Pereira) (Revista LTr, Ano 70, abril ? 2006, p. 486-490).
Destaco, ainda, diversas notícias, extraídas do site do TST, que só
corroboram a tese aqui esposada, convalidando a negociação coletiva,
homenageando a teoria do conglobamento, ajustando a generalidade da norma
às especificidades de cada situação trazida ao crivo judicial e, também,
demonstrando a razoável relatividade que permeia a conclusão estampada na
OJ 342 da SBDI-1 do TST, como segue:
"TST reconhece validade de negociação sobre jornada de trabalho - Em
julgamento unânime, a Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho
reconheceu a possibilidade de flexibilização da lei trabalhista em relação
à jornada de trabalho. A decisão foi tomada durante o exame de recurso de
revista, relatado pelo ministro Milton de Moura França, em que foi
confirmada a validade de acordo coletivo, cuja negociação resultou em
aumento da jornada diária em troca da concessão de vantagens aos
trabalhadores. "A própria Constituição da República autoriza,
expressamente, em seu art. 7º, inciso XIV, a flexibilização da jornada de
trabalho", afirmou o ministro Moura França, ao fundamentar seu voto.
A decisão manteve o entendimento anterior firmado pelo Tribunal Regional do
Trabalho do Espírito Santo (TRT-ES) que afirmou a validade das cláusulas de
acordo coletivo de trabalho pactuado entre o Sindicato dos Trabalhadores na
Indústria de Produtos de Cacau de Vila Velha (ES) e a empresa Chocolates
Garoto S/A.
O acerto entre as partes elevou a jornada para oito horas, em turnos
ininterruptos de revezamento, sem que as duas horas acrescidas fossem
contadas como extraordinárias e independentemente da concessão de intervalo
intrajornada inferior a uma hora. Em contrapartida, os empregados da Garoto
foram beneficiados com a concessão de 18 vantagens trabalhistas.
... (omissis)...
Após frisar a possibilidade expressa, na Constituição, de flexibilização da
jornada de trabalho, o ministro Moura França ressaltou a validade do acordo
coletivo e afastou a argumentação da empregada. "Essa forma de
autocomposição se traduz claramente no chamado princípio do conglobamento,
pois, para a classe trabalhadora obter algumas vantagens, precisou negociar
outras, razão pela qual não se verifica o comprometimento do princípio da
norma mais favorável ao trabalhador"... (RR 714941/00)" (notícia do dia
18.03.03).
"TST reconhece acordo que reduziu intervalo para descanso - A Subseção de
Dissídios Individuais ? 1 (SDI ? 1) do Tribunal Superior do Trabalho poderá
decidir futuramente uma controvérsia interna no TST sobre a possibilidade
de flexibilização do intervalo da jornada de trabalho, destinado ao
descanso e à refeição do empregado. Uma eventual apreciação da questão pela
SDI ? 1 serviria para estabelecer uma orientação jurídica comum sobre o
tema.
...(omissis)...
Já a Quarta Turma do Tribunal adotou posição diferente sobre o tema. O
órgão reconheceu, de forma unânime, a validade de um acordo coletivo sobre
intervalo na jornada, independente da previsão de autorização do Ministério
do Trabalho. Para tanto, afirmou que os instrumentos de negociação coletiva
? acordos e convenções ? possuem eficácia direta, garantida pela
Constituição Federal e o acerto estipulado deve ser respeitado, no âmbito
dos contratos individuais, sob pena de interferência na liberdade de
negociação entre as partes.
Relator do julgamento da Quarta Turma, o ministro Milton de Moura França
sustentou que "é preciso prestigiar e valorizar a negociação coletiva
assentada na boa-fé como forma de incentivo às composição dos conflitos
trabalhistas pelos próprios interessados". O processo questionava um acordo
coletivo que reduziu de uma hora para trinta minutos a duração do intervalo
para descanso e refeição de uma empresa sediada na cidade de Pouso Alegre,
Minas Gerais.
... (omissis)...
Segundo a alegação do recurso, o acordo coletivo infringiu o dispositivo
constitucional que assegura a redução aos riscos inerentes ao trabalho, por
meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII). Também foi
questionada a não submissão da regra coletiva ao Ministério do Trabalho,
prevista na própria cláusula nº 4. Segundo o art. 71 § 3º da CLT, citado
nos autos, cabe ao Ministério do Trabalho autorizar a redução do intervalo
para descanso e refeição, após consulta ao Departamento Nacional de Higiene
e Segurança do Trabalho.
"Não se extrai da referida cláusula que a validade da redução do intervalo
para refeição condiciona-se à autorização do Ministério do Trabalho. Na
verdade, o que ficou claro é que houve acordo coletivo reduzindo o
intervalo em exame", observou o ministro Moura França. "Registre-se,
ademais, que o acordo coletivo decorre de trato entre as partes, em que uma
delas abre mão de determinado direito em prol da outra. Assim, ignorar
cláusula coletiva implica desequilíbrio de todo o pactuado", acrescentou..
(RR ? 739383/01)" (notícia do dia 04.04.03).
"TST admite alterar intervalo intrajornada em transporte do RJ - A Seção de
Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho examinou recurso
ordinário em ação anulatória e admitiu hipótese de flexibilização do
intervalo intrajornada. A decisão unânime, relatada pelo ministro Luciano
de Castilho, foi tomada de acordo com as peculiaridades do caso concreto,
envolvendo convenção coletiva firmada entre empresas e empregados do
transporte de passageiros da cidade do Rio de Janeiro. Durante o
julgamento, os ministros confirmaram a validade da Orientação
Jurisprudencial nº 342 da Subseção de Dissídios Individuais ? 1 (SDI-1) do
TST.
... (omissis)...
A decisão da SDC, contudo, estabeleceu exceção à regra ao levar em conta as
peculiaridades do serviço de transporte coletivo. Empregados e empresas
tinham acertado a supressão do intervalo intrajornada de uma hora em troca
de intervalos menores de cinco minutos, ao final de cada viagem. A pausa
foi condicionada às possibilidades de cada linha e desde que não
contrariadas normas de trânsito ou da Secretaria Municipal de Transportes
Urbanos. Em troca, os condutores teriam a redução da jornada semanal para
42 horas (sete horas diárias) e adicional de 5% sobre o salário.
... (omissis)...
Em seu voto, Luciano de Castilho registrou a impossibilidade de negociação
de direitos que afetem a segurança, saúde e dignidade do trabalhador. Esses
"limites intransponíveis", contudo, não foram ultrapassados pela convenção
coletiva carioca, que regulou situação para a qual a previsão do art. 71
não consegue um alcance pleno... (RR 141515/2004-900-01-00.5)" (notícia em
14.03.06).
"Relator esclarece decisão sobre intervalo intrajornada - Recente decisão
tomada pela Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do
Trabalho tem provocado debates intensos nas primeira e segunda instâncias
da Justiça do Trabalho. A questão ganhou repercussão por envolver a
liberdade das partes ? empregadores e empregados ? em dispor dos direitos
trabalhistas nas negociações coletivas. A SDC admitiu, numa situação
específica, hipótese de flexibilização do intervalo intrajornada, destinado
ao descanso de quem trabalha mais de seis horas por dia.
... (omissis)...
Luciano de Castilho lembra que o entendimento consolidado do TST aponta
para a impossibilidade de negociação coletiva em torno do intervalo
destinado a repouso e alimentação dentro da jornada. "É inválida cláusula
de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou
redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene,
saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (artigo
71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/88), infenso à negociação coletiva",
afirma a OJ nº 342.
A decisão da SDC foi unânime e tomada de acordo com as peculiaridades do
caso concreto, envolvendo convenção coletiva firmada entre empresas e
empregados do transporte de passageiros da cidade do Rio de Janeiro. As
características desse tipo de prestação de serviços justificaram a exceção
aberta pelo TST em relação ao intervalo intrajornada, pois não foram
afetados os chamados direitos inegociáveis... (ROAA 141515/2004-900-01-
00.5)" (notícia do dia 05.05.06).
"Terceira Turma do TST admite exceção à OJ 342 em transporte urbano -
Decisão da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, relatada pela
ministra Maria Cristina Peduzzi, permitiu a substituição de intervalo
intrajornada de motoristas e cobradores da Transporte Coletivo da Cidade de
Divinópolis (TRANCID) por descansos no final da linha. As características
diferenciadas da profissão permitiram a exceção à jurisprudência do TST,
segundo a ministra relatora.
A OJ nº 342 da SDI-1 do TST estabelece que é inválida cláusula de acordo
coletivo que reduza intervalo intrajornada, pois pode comprometer a saúde,
segurança e higiene do trabalhador. A ministra Maria Cristina esclareceu
que "não há elementos nos autos que comprovem a existência de riscos à
saúde ou segurança do trabalhador".
... (omissis)...
A decisão da Terceira Turma ressaltou ainda que o acordo coletivo resultou
de livre manifestação da vontade das partes, sendo norma autônoma de
natureza especial. Já a legislação ordinária, de caráter geral, não se
sobrepõe ao que for convencionado. "Os acordos e convenções coletivas de
trabalho têm previsão constitucional, atribuindo o legislador importância
capital à negociação coletiva, como forma de solucionar os conflitos entre
empregados e empregadores", concluiu a relatora (RR ? 229/2005 ? 057 ? 03 ?
00.1)" (notícia do dia 18.05.06).
Colho do ensejo, também, para trazer à baila outros julgados, mais
específicos, a respeito do tema em debate:
"Diante do que dispõe o art. 7º, incisos XIII e XIV, da Constituição
Federal, conclui-se pela validade da cláusula coletiva, no sentido de não
conceder ao reclamante o intervalo de uma hora para refeição e repouso,
ainda que sujeito à jornada de 12 x 36 horas" (TST, RR 449.470/98, 2ª
Turma, Relator: Juiz Convocado Aloysio Corrêa da Veiga, DJ 20.06.01).
"O sistema de jornada de trabalho 12 x 36 horas é benéfico ao trabalhador
e, consolidado em normas coletivas, é largamente praticado por diversas
categorias. Justifica a implantação desse sistema o trabalho contínuo,
ininterrupto, para ser compensado posteriormente com descanso prolongado,
por isso seria ilógico que a empresa designasse um outro empregado para, no
meio da noite, substituir o empregado em curto período destinado a
refeições, ou lhe permitisse ausentar-se das horas do trabalho.
Legitimidade da ausência de concessão de intervalo intrajornada" (TRT 18ª,
RO 596-2005-081-18-00-7, Pleno, Relatora: Juíza Kathia Maria Bomtempo de
Albuquerque, julgado em 11.07.06).
Por essa mesma senda também trilhou a 2ª Turma do E. TRT da 8ª Região
(PA/AP), nos autos do processo 00818-2006-016-08-00-8, em julgado cuja
relatoria coube à ilustre Desembargadora Elizabeth Fátima Martins Newman,
oportunidade em que a culta magistrada faz pertinentes colocações quanto ao
modelo constitucional pátrio, precisamente quanto ao saudável estímulo
conferido à negociação coletiva (decisão exarada em 27.09.06)
Consigno, em arremate, que pouco importa, na minha ótica, a existência ou
não de menção expressa, na norma coletiva, acerca da não aplicação do
intervalo previsto no artigo 71 da CLT, nos casos de regime 12 x 36
praticado com a devida anuência sindical, eis que, como já firmei, essa
nuance está implícita mesmo no seio do próprio ajuste coletivo, porquanto
fica firmado o labor contínuo de uma ponta a outra dessa jornada especial
(07:00h às 19:00h ou 19:00h às 07:00h)
Concluo, pois, por conferir plena validade à pactuação coletiva que não
prevê intervalo intrajornada dentro do já conhecido formato 12 x 36 de
trabalho, haja vista que tal pausa de regra ressoa
incompatível/impraticável com as jornadas costumeiramente disciplinadas por
esse regime
De mais a mais, como articulado alhures, ajuste dessa qualidade, alinhavado
sem vícios, com tutela sindical e inserido em um contexto de concessões
mútuas, encontra pleno respaldo jurídico na linha de raciocínio que se pode
extrair das searas principiológica (teoria do conglobamento e princípio da
adequação setorial negociada), legal (CF, artigo 7º, inciso XXVI, c/c CLT,
artigos 71, parágrafo 3º, e 611) e jurisprudencial (Súmula 364, item II, do
TST), abonando-se a tese, lógica até, de que as especificidades de cada
caso concreto podem servir, sim, como legítimo fator de relativização da OJ
342 da SBDI-1 do TST.
O tema, porém, à evidência, continua deveras polêmico.
Afinal, vexata quaestio est!
_________________
(*) Ney Stany Morais Maranhão é juiz do TRT da 8ª Região (PA/AP)
Consultor: Ney Stany Morais Maranhão
Atualizado em: 14/12/2006