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Elementos do Contrato de Trabalho - parte III
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Comentários "
por Rita de Cassia Tenório Mendonça
(19/11/2003) " "Agora vamos discorrer sobre os principais
elementos do contrato de trabalho, e também sobre os defeitos que por vezes
lhe acomete, capazes de torná-lo sem validade para o mundo jurídico.
1.0. Elementos essenciais, vícios e defeitos, nulidade e anulabilidade:
Como todo negócio jurídico, o contrato de trabalho requer, para sua
validade, a conjunção de elementos extrínsecos e intrínsecos, modernamente
distinguidos, respectivamente, sob a denominação de pressupostos e
requisitos.
Entre seus elementos essenciais, não deve ser incluída a forma, porque a
CLT não a prescreve para o contrato de trabalho, salvo exceções.
As exceções são o trabalho marítimo, o trabalho temporário (Lei nº 6.019,
de 03/01/74), contrato de trabalho de atleta profissional de futebol (Lei
nº 6.354, de 02/09/76), contrato de técnicos estrangeiros assalariados em
moeda estrangeira (ver Decreto-Lei nº 691, de 18/07/69) etc.
Por simplificação, pode-se afirmar que a validade do contrato de trabalho
requer o consenso de pessoas capazes para a realização de trabalho lícito e
possível, nos limites de sua função social e econômica típicas.
2.0. Pressupostos ou elementos essenciais extrínsecos:
Diz-se pressupostos porque devem existir antes da realização do negócio
jurídico. São elementos essenciais para a validade do contrato de trabalho:
a) agente capaz - só as pessoas capazes podem celebrar validamente um
contrato de trabalho. São incapazes de celebrar contrato de trabalho os
menores. Para o direito do trabalho, a maioridade se atinge com 18 anos, a
partir de quando é possível celebrar esse tipo especial de contrato. A
incapacidade para o Direito do Trabalho pode ser relativa (menores de 18
anos e maiores de 16 anos) ou absoluta (menores de 16 anos). No caso do
relativamente incapaz, no ato da contratação e da rescisão contratual, deve
estar assistido por seus pais ou responsáveis.
Art. 5º, XXXIII, CF/88 (emenda n1 20, de 15/12/98): proibição de trabalho
noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho
a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de
quatorze anos.
Quando o menor é empregador, a idade também tem influência no exercício da
faculdade de contratar. Nesse caso, vigem as regras do direito comum de
cessação da incapacidade (emancipação) pelo estabelecimento civil,
comercial ou economia própria.
Distinção entre legitimação e capacidade - toda pessoa capaz pode obrigar-
se por um contrato de trabalho que tenha objeto lícito. Mas essa aptidão
geral para vincular-se por esse negócio jurídico sofre limitações em
relação à celebração do contrato com determinado objeto, por parte de
certos indivíduos como, por exemplo, os estrangeiros, as pessoas sem
habilitação para certas atividades, os menores etc.
b) Idoneidade do objeto – o objeto do contrato de trabalho há de ser
lícito, ou seja, admitido pela ordem jurídica e produzir efeitos que não
sejam contrários à lei, não podendo ser imoral (ferir os bons costumes). Há
de ser possível material e juridicamente, não sendo possível, por exemplo,
nos casos de lenocínio, jogo do bicho e casa de prostituição;
c) consentimento livre – é a integração das duas vontades declaradas, o
acordo de vontades, a declaração receptícia da vontade de cada parte,
expressa (verbal e escrito) ou tácita. O modo mais comum de consentir para
a formação do contrato de trabalho é o verbal (emissão e recepção
normalmente coincidem). O contrato de trabalho pode resultar de uma
declaração presumida (o chefe de uma empresa autoriza o pagamento de
salário a quem a ela se tenha incorporado, mesmo sem o seu consentimento
expresso). O contrato de trabalho, em suma, se forma tanto por palavras que
exprimem inequivocamente à vontade de contratar, como por fatos que o
indique e o caracterize;
d) causa - define-se como o motivo típico do contrato. É o fim que atua
sobre a vontade para determinar a conclusão de certo contrato. Esse fim não
é o individual (aquilo que cada parte tem em mira quando se dispõe a
contratar), mas o fim imediato, aquele que todos podem alcançar com a
realização de determinado contrato.
A falsa causa é quando duas pessoas celebram um contrato de trabalho para
um fim que não pode ser obtido por este instrumento específico da vida
econômica, porque inadequado à sua consecução. A lei invalida tais
contratos.
A causa ilícita quando duas pessoas celebram um contrato de trabalho para
assegurar interesses que a ordem jurídica condena. A lei igualmente
invalida o contrato.
A causa do contrato é distinta da causa da atribuição patrimonial. Isso
quer dizer que a razão para pagar o salário é precisamente a vantagem que o
trabalho proporciona, que são distintos.
3.0. Vícios do consentimento:
Embora apontado nos programas para concurso e na necessidade de
conhecimento dos vícios de consentimento, não é muito relevante esse
estudo, em face de maior facilidade que tem a parte de rescindir do que em
o anular o contrato de trabalho. A sentença anulatória é desinteressante e
mais complexa, por dificuldade em obter prova que a justifique.
Não obstante, o contrato de trabalho é suscetível de anulação sempre que a
vontade for declarada defeituosa. Vicia o consentimento o erro ou
ignorância sobre a natureza do trabalho, o local em que deve ser prestado,
o valor do salário, qualidade essencial da pessoa a quem se refira a
declaração etc.
O dolo é raro no contrato de trabalho. Por parte do empregador, caracteriza-
se quando apresenta cifras falsas dos seus negócios para induzir o
candidato ao empregado a crer em uma remuneração incerta, por meio de
participação nos lucros, por exemplo. Por parte do empregado, ocorre quando
apresenta credenciais falsas de sua habilitação ou competência
profissional, com o fito de obter a colocação que almeja.
4.0. Nulidade do contrato de trabalho:
O ato nulo nenhum efeito produz. Mas não se pode aceitar essa assertiva com
absoluto rigor, pois há atos nulos que produzem algum efeito, em razão de
motivos relevantes, tais como boa fé, a segurança do comércio jurídico, o
equilíbrio das situações objetivas etc.
A nulidade de pleno direito é imediata e absoluta. Invalida o ato desde o
seu nascedouro e pode ser alegada por qualquer interessado, inclusive ex
officio, não podendo ser ratificada.
A anulabilidade precisa ser provocada por pessoa diretamente interessada,
não pode ser pronunciada de ofício, não tendo efeito antes de ser julgada
por sentença e aproveitando somente a quem alegou.
Esses princípios gerais dos contratos aplicados ao contrato de trabalho
produziram as seguintes conseqüências:
a) é nulo o contrato celebrado por menores de 16 (dezesseis) anos, pelos
que, mesmo por causas transitórias, não puderem exprimir a sua vontade e
pelos que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário
discernimento para a prática desses atos;
b) é nulo o contrato em que a prestação do trabalho é ilícita ou
impossível;
c) é anulável o contrato de trabalho celebrado por maior de 16 (dezesseis)
anos e menor de 18 (dezoito) anos, sem assistência ou autorização, for
defeituoso por vício de consentimento e pelos que tenham o discernimento
reduzido.
No contrato de trabalho, não se pode aplicar com todo o rigor a teoria
civilista das nulidades contratuais.
É que a natureza especial da relação de emprego não se compadece com a
retroatividade dos efeitos da decretação da nulidade. O princípio segundo o
qual o que é nulo nenhum efeito produz não pode ser aqui aplicado. É
impossível aceitá-lo em face da natureza mesma da prestação devida pelo
empregado, insuscetível de restituição, pois consistente em sua força de
trabalho, dispêndio de energia física e intelectual.
Em razão disso, a reposição das partes ao status quo ante, só teria
cabimento se o empregador pudesse restituir a energia que o empregado
gastou na execução do trabalho. Como tal não é possível, o trabalhador pode
exigir a remuneração com fundamento em regra que proíbe o enriquecimento
ilícito ou sem causa (trabalho feito é salário ganho), pouco importando se
a prestação dos serviços tem por fundamento uma convenção nula.
Quando somente algumas cláusulas são nulas, essa nulidade parcial não
contamina o contrato, não invalidando o vínculo. Este subsiste, posto que
não afetado substancialmente. Pode ocorrer a nulidade de quase todas as
cláusulas de um contrato de trabalho sem que este se torne ineficaz. As
cláusulas defeituosas são inoperantes, mas válido é o contrato.
A nulidade parcial pressupõe duas conseqüências importantes: a violação de
regra jurídica protetora do trabalhador não possui efeito desde o momento
em que se verifica e a infração não firma direito para o infrator.
Nesse passo, remetemo-nos a leitura de dois artigos da CLT que contêm leis
de ordem pública, imperativas:
Art. 9º - Serão nulos de
pleno direito os atos
praticados com o objetivo de
desvirtuar, impedir ou
fraudar a aplicação dos
preceitos contidos na
presente Consolidação.
Art. 444 – As relações
contratuais de trabalho
podem ser objeto de livre
estipulação das partes
interessadas em tudo quanto
não contravenha às
disposições de proteção ao
trabalho, aos contratos
coletivo que lhe são
aplicáveis e às decisões das
autoridades competentes.
O trabalho proibido é o que a lei impede que seja exercido por determinadas
pessoas, em determinadas condições ou circunstâncias, sem que essa
proibição decorra da moral ou dos bons costumes, como é o caso do trabalho
infantil. Em casos como o de crianças e adolescentes que efetivamente
prestaram serviços, podem reclamar o que lhes cabe pelos serviços
prestados, ainda que nulo o contrato, em razão de sua incapacidade.
A nulidade decorre da ilicitude do objeto. A menos que o empregado tenha
agido de boa fé, ignorando o fim a que se destinava a prestação do
trabalho, não poderá reclamar o pagamento do serviço. O trabalho proibido
difere de trabalho ilícito (jogo do bicho, lenocínio etc.), onde o
trabalhador não tem direito a reclamar o que lhe é devido como
contraprestação.
Ressaltamos que este entendimento vem sendo abrandado. Diversos Regionais
e, inclusive, o próprio TST já reconheceu efeitos jurídicos a contrato de
trabalho de trabalhador subordinado, apontador de "jogo do bicho". Neste
caso, não obstante reconhecer ser aquele contrato nulo de pleno direito, e
contrariando a jurisprudência do TST (Orientação Jurisprudencial nº 199,
que confere nulidade absoluta do contrato de trabalho decorrente do
exercício de atividade ilícita) não lhe negou a produção de efeitos
trabalhista, sob pena de premiar-se o contraventor em prejuízo do
trabalhador (...) No Direito do Trabalho, a nulidade do contrato pode não
acarretar negação plena dos efeitos jurídicos do ato. Se afirmarmos a plena
nulidade do contrato de trabalho celebrado com empregado que exerce suas
atividades na coleta do jogo do bicho, acabaríamos por premiar o
contraventor, desobrigando-o de cumprir as leis trabalhistas, em prejuízo
do trabalhador.
A nulidade do contrato pela incapacidade do agente é medida de proteção ao
incapaz. Se o menor que, não oculta a sua idade, é admitido como empregado,
desfeito o contrato sem que tenha culpa, terá todos os direitos que a lei
assegura a quem presta trabalho subordinado e em função do tempo de
serviço, mas imperativo que cesse o vínculo empregatício.
5.0. Elementos acidentais. Condição e termo:
Os negócios jurídicos podem conter cláusulas que lhes subordina a eficácia,
suspendendo-a ou resolvendo-a, a evento futuro. Se tal evento é incerto,
configurada está a condição (suspensivas ou resolutiva). Se certo,
caracteriza-se o termo (inicial e final), ambos institutos do Direito
Civil.
Condição e termo são elementos que se encontram acidentalmente nos negócios
jurídicos, como determinação acessória da vontade. Das duas modalidades de
termo, a mais comum é o termo final. Das duas espécies de condição, a mais
comum é a resolutiva.
Os contratos de trabalho por tempo determinado são subordinados a uma
condição resolutiva ou termo final, ou seja, a superveniência do termo ou
da condição faz cessar, automaticamente, o contrato de trabalho.
6.0. Período de experiência e contrato de experiência:
Experiência é um período da relação de emprego sujeito a termo final,
certo, ou a condição resolutiva (resultado da prova). Trata-se de acordo
preparatório, que garante aos que o estipulam a mais ampla liberdade de
negócio jurídico.
Não é fase pendente de um contrato futuro porque é a própria relação de
emprego em pleno desenvolvimento. O art. 443, da CLT inclui o contrato de
experiência como uma das modalidades do gênero dos contratos a prazo.
Sendo contrato por prazo determinado, desse instituto extraímos todas as
suas características e conseqüências, ou seja:
a) pode ter data certa (caso mais freqüente), depender da execução de
serviço especificado (ex: montagem de certa máquina, produção de certa
quantia de peças ou visita a um número previsto de cliente etc.) ou a
realização de acontecimento previsível;
b) o inadimplemento do prazo dá direito à parte inocente a receber a metade
dos salários do tempo que falta para atingir o termo final (art. 479 e art.
480, da CLT);
c) se o contrato estabelecer direito recíproco de rescisão antecipada (art.
481, da CLT), será devido aviso prévio e não a metade dos salários do tempo
faltante. Assim estabelece o Enunciado n.º 163, do TST:
Aviso prévio (contrato de
experiência). Cabe aviso
prévio nas rescisões
antecipadas dos contratos de
experiência, na forma do
art. 481 da CLT (ex-
prejulgado 42).
d) se exceder o lapso de 90 dias, transmuda-se para a espécie de contrato
por tempo indeterminado;
e) pode ser prorrogado por apenas uma vez (art. 451, da CLT), desde que a
soma dos dois períodos não ultrapassem o limite legal de 90 dias;
f) as partes não necessitam justificar o desinteresse pela continuação do
vínculo.
Por ser uma espécie excepcional de contrato, sua interpretação há de ser
restritiva, até porque a incerteza da continuidade, principalmente para o
empregado, é deveras desgastante. Destafeita, na dúvida, o contrato será
considerado por tempo indeterminado, tendo em vista o princípio da
continuidade da relação de emprego. Carece, portanto, de anotação na CTPS
de tal particularidade (art. 447, da CLT), pois o contrato por prazo
determinado não se presume.
Texto extraído de:
- Instituições do Direito do Trabalho, Délio Maranhão, 13ª ed., LTr, SP,
1993
- Curso de Direito do Trabalho, Amauri Mascaro do Nascimento, 11ª ed.,
Saraiva, SP, 1995
- Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, Valentim Carrion, 25ª
ed. Saraiva, SP, 2000
- CLT Comentada, Eduardo Gabriel Saad, 28ª ed., Ltr, SP, 1995
- Direito do Trabalho, Sérgio Pinto Martins, 5ª ed., Malheiros, SP, 1998.