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Contrato de Trabalho - noções preliminares - parte I
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Comentários "
por Rita de Cassia Tenório Mendonça
(03/11/2003) " "Vimos ao longo do tempo mencionando o contrato de
trabalho e discorrendo sobre questões que lhe são relativas. Necessário que
nos situemos melhor nesse tema.
Tendo em vista sua relevância e suas peculiaridades, para melhor fixação,
dividiremos o tema em partes, quantas bastem para esgotá-lo de forma
consistente e minuciosa.
Sugerimos uma breve leitura da Aula n.º 02, que trata Da diferença entre
Relação de Trabalho e Relação de Emprego e passemos a cuidar das noções
preliminares.
É de se ressalta que na sociedade moderna verificam-se dois grandes ramos
de atividades ligadas à prestação de trabalho, quais sejam, o trabalho
subordinado e trabalho autônomo.
Em sentido lato, a expressão "contrato de trabalho" designa um gênero muito
amplo e compreende a todo contrato pelo qual uma pessoa se obriga a uma
prestação de trabalho em favor de outra. Em sentido estrito, temos o
contrato de trabalho subordinado, que é o regulamentado pela legislação
trabalhista e vem a ser nosso objeto de estudo nesta aula.
Não obstante suas características próprias, o contrato de trabalho
classifica-se como "contrato" propriamente dito, em função da necessidade
do consentimento das partes para sua formalização e realização de seu
desiderato. Mesmo que se trate de contrato com cláusulas pré-constituídas
(contrato de adesão), onde o empregado somente pode aderir, ou não, sem que
lhe seja facultada negociar seu conteúdo, ainda assim subsiste a liberdade
de escolha (entre contratar ou não contratar), como elemento fundamental
que lhe identifica como contrato.
O direito positivo considera, igualmente, contrato de trabalho a forma
tácita de ajuste, eis que a simples tolerância de alguém permitindo e
usufruindo o trabalho alheio, já terá o mesmo efeito jurídico do pacto
expresso, se esse esforço humano estiver cercado das mesmas características
do contrato de trabalho (pessoalidade, subordinação, onerosidade e
continuidade).
Não obstante a necessidade de consentimento para sua formalização, é
considerada relação de emprego – repise-se – mesmo a que não nascera de
acordo expresso de vontades, como a prestação de trabalho desconhecida pelo
empregador, mas da qual usufrui e lhe aproveita, exercida nos moldes
trabalhistas.
Mesmo quando nulos, até mesmo quando contrariem dispositivos de ordem
pública, geram efeitos, em face da proteção do trabalho.
Sua disciplina decorre de fontes estranhas à vontade das partes, o que
ocorre em maior ou menor intensidade ao longo da história.
Em nosso momento atual, a flexibilização do Direito do Trabalho, prevista
em vários momentos, inclusive na Constituição Federal, nos leva a concluir
que, no momento, esta proteção vem se vergando, ante as crises econômicas e
o desemprego, mal aparentemente muito maior que a redução da proteção do
trabalhador. O espaço reduzido para negociação entre as partes, decorrente
dos imperativos sociais e econômicos, em nome desses mesmos imperativos,
atualmente vem se flexibilizando, dando espaço a negociação inter partes. A
esse particular, nos deteremos em ocasião posterior.
2.0 Definição:
Como já mencionado na Aula n.º 02, contrato de trabalho é o acordo tácito
ou expresso correspondente à relação de emprego (art. 442 da CLT). O
consentimento a que se refere o artigo pode ser expresso ou tácito.
Esta definição mescla a teoria contratualista (que define o contrato de
trabalho como um "contrato" propriamente dito, em razão da autonomia da
vontade das partes) e a institucionalista (que define o contrato de
trabalho como um instituto e não um contrato) e é bastante criticada pelos
doutrinadores.
Como já mencionado na citada aula, para Délio Maranhão contrato de trabalho
'stricto sensu' é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa física
(empregado) se obriga, mediante o pagamento de uma contraprestação
(salário), a prestar trabalho não eventual em proveito de outra pessoa,
física ou jurídica (empregador), a quem fica juridicamente subordinado e aí
estão os elementos caracterizadores da relação de emprego, quais sejam,
pessoa física do empregado, prestando trabalho de forma contínua, mediante
subordinação e recebendo uma contraprestação.
Contrato de trabalho strictu sensu é o negócio jurídico pelo qual uma
pessoa física (empregado), se obriga, mediante o pagamento de uma
remuneração/contraprestação (salário), a prestar trabalho não eventual
(continuidade), em proveito de outra pessoa, física ou jurídica
(empregador), a quem fica juridicamente subordinado. É acordo tácito ou
expresso correspondente à relação de emprego.
Para reconhecermos a relação jurídica de natureza contratual, temos que
observar se ela tem como sujeitos o empregado e o empregador, e como objeto
o trabalho subordinado, continuado e assalariado e pessoal.
3.0 Denominação:
O contrato de trabalho é denominado contrato de emprego, relação de
emprego, relação de trabalho, mas contrato individual de trabalho é a
expressão acolhida pela maioria dos autores
4.0 Características:
Para sua validade, exige-se agente capaz, forma especial (quando prevista)
e que seu objeto não seja ilícito nem impossível.
O contrato de trabalho possui individualidade própria e natureza
específica.
O estado de subordinação do prestador do trabalho, torna esta espécie
inconfundível com qualquer outro contrato de direito privado.
O contrato de trabalho não tem conteúdo específico, nele se compreende
qualquer obrigação de fazer, desde que realizada em estado de subordinação.
Esse modo de ser da prestação (subordinada) é que o distingue de outros
contratos afins (empreitada, mandato etc.).
Qualquer contrato que importe numa obrigação pessoal de fazer, pode se
transformar, pois, em contrato de trabalho, desde que adote seus requisitos
quando da formalização.
O consentimento pode ser expresso (verbal ou escrito), e tácito, quando sua
existência é induzida da prática de atos e fatos, de ações ou omissões, que
não teriam lugar se não houvesse da parte do agente o ânimo de aceitar a
proposta que lhe foi feita.
O objeto do contrato de trabalho, como nos contratos em geral, é constituir
uma obrigação. Os objetos das obrigações por eles criadas, por sua vez, é
que consistem em uma prestação (de dar, fazer ou prestar). No caso do
empregado, a prestação consiste em obrigação de fazer (prestar o trabalho).
No caso do empregador, em obrigação de dar (pagar os salários). Nesse
sentido é que se diz que o objeto do contrato tem que ser lícito.
Ainda no que respeita ao contrato de trabalho, saliente-se que a lei não
repele a dualidade de contratos com a mesma empresa. No entanto, na
prática, nos moldes atuais, temos em que não é possível a acomodação de
dois contratos de trabalho diferentes e simultâneos entre as mesmas
pessoas, com a necessária independência entre ambos. As violações
existentes em um, atingiriam o outro, assim como os limites de jornada,
entre outras questões.
Infelizmente, em verdade, o instituto é utilizado muito mais como forma de
burlar o contrato de trabalho, seja com relação a redução de salário,
aumento de jornada ou alteração contratual não permitida em lei. Em razão
dessas dificuldades, não é comum sua existência.
Nesse particular, interessante o conhecimento do Enunciado 129, do TST, que
diz que a prestação de serviço a mais de uma empresa do mesmo grupo
econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a
coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário.
Uma outra questão relevante, é a dificuldade em identificar o verdadeiro
contrato de trabalho, quando formalizado entre cônjuges, principalmente
quando se tratar de empregador pessoa física ou pessoa jurídica, de
sociedade limitada mais formal do que real, em que um dos sócios é quem age
como exclusivo dono. A doutrina entende possível contrato de trabalho entre
cônjuges, mas a própria idéia de sociedade conjugal não se coaduna com o
espírito do contrato de trabalho. Mais se coaduna é com o espírito
societário.
Em assim sendo, a solução é analisar cada caso concreto, eis que inúmeras
são as dificuldades que a casuística pode apresentar e as possibilidades de
fraude que podem nascer (contra a previdência, contra o sucessor da
empresa, etc.). Do mesmo modo, inúmeras são as dificuldades enfrentadas nos
casos de lides entre os interessados, quando por ventura ocorre a desunião.
É de se evidenciar que a Previdência Social não aceita a condição de
segurado-empregado par o cônjuge casado em comunhão de bens com titular de
firma individual.
Já os contratos entre parentes, mesmo quando pai e filho, geram menos
suspeitas. Melhor ainda quando se tratam de adultos, que não integram a
mesma economia familiar, o que não oferece muitas dificuldades de
compreensão e identificação.
5.0 Natureza jurídica (morfologia):
É contrato de direito privado, e não de direito público ou social, não
obstante a limitação sofrida na autonomia da vontade e na estipulação do
seu conteúdo.
Deriva do Direito Romano – embora nele não se ajuste perfeitamente, em
razão de suas peculiaridades – de uma das categorias da locação de serviços
(locatio operarum), onde o que importa é a força de trabalho contratada, e
não somente o resultado do trabalho, como nos casos de trabalho autônomo
(locatio operaris).
Não há que se confundir direito público com disposição ou norma de ordem
pública (normas cogentes, imperativas, inderrogáveis pela vontade das
partes). Esta disposições também existem em direito privado (família,
sucessão, locação, etc.), sem que lhes retire essa característica. O fato
de os contratantes se encontrarem em pé de igualdade, afastam a alegação de
que não consistiria contrato de direito privado (muito embora, na prática,
a igualdade vergue-se ante o poder econômico do empregador).
É contrato sinalagmático ou bilateral, com obrigações equivalentes;
consensual, pois a lei não exige forma especial para sua validade;
cumulativo, eis que equivalente as prestações combinadas; expresso (verbal
ou escrito) ou tácito; de trato sucessivo, que é relação de débito
permanente; de prestação continuada; oneroso, pois a prestação de trabalho
corresponde a prestação de salário; subordinativo e de adesão. É, ainda,
contrato concluído intuitu personae em relação à pessoa do empregado, em
razão do caráter fiduciário que permeia a relação, e do elemento confiança
inerente ao contrato de trabalho.
É contrato que pode vir acompanhado de outros contratos acessórios como,
por exemplo, o de depósito de instrumentos de trabalho, amostras, etc.
Texto extraído de:
- Instituições do Direito do Trabalho, Délio Maranhão, 13ª ed., LTr, SP,
1993
- Curso de Direito do Trabalho, Amauri Mascaro do Nascimento, 11ª ed.,
Saraiva, SP, 1995
- Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, Valentim Carrion, 25ª
ed. Saraiva, SP, 2000
- CLT Comentada, Eduardo Gabriel Saad, 28ª ed., Ltr, SP, 1995
- Direito do Trabalho, Sérgio Pinto Martins, 5ª ed., Malheiros, SP, 1998.