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Por que o engenheiro tem prestígio?
O que executivos de áreas tão distintas como Henrique Meirelles, do
Bank-Boston, Paulo Zotollo, da Nívea, Fernando Terni, da Intelig, e
Maurício Botelho, da Embraer, têm em comum? Além de terem alcançado o
topo mais alto de suas carreiras, os quatro são engenheiros.
Coincidência? Longe disso. Competência eles, sem dúvida, já mostraram
que têm de sobra, mas a formação em engenharia os ajudou a chegar
aonde eles estão e lhes deu habilidades que muitos administradores
sonham ter. "Eles sabem resolver problemas como ninguém", diz o
headhunter Luis Carlos Cabrera, diretor da Panelli Mota Cabrera. "Na
prática, isso quer dizer que não desistem de encontrar uma solução,
não se contentam com os dados aparentes, têm uma ordem lógica para
trabalhar".
Não é de hoje que os engenheiros estão fazendo carreira em grandes
empresas. Trata-se de um fenômeno parcialmente explicado pelo fato de
as faculdades de administração brasileiras serem relativamente
recentes. "Por causa da disciplina e da visão de planejamento, eles
sempre se saíram bem na alta cúpula das empresas", diz Paulo Helene,
coordenador dos cursos de pós-graduação da Escola Politécnica de
Engenharia, da Universidade de São Paulo. Dos 600 engenheiros formados
todo ano pela Poli, uma das escolas mais conceituadas do país, quase
metade vai trabalhar em áreas que, aparentemente, nada têm a ver com
que estudaram na faculdade. Não é difícil encontrá-los em consultorias
ou em grandes bancos. O mesmo acontece com cerca de 40% dos formados
de outra escola de primeira linha do país: o Instituto de Tecnologia
da Aeronáutica (ITA), em São Paulo. A Michel Page, uma empresa inglesa
de recrutamento, ajudou a contratar, no ano passado*, 5000 desses
profissionais para cargos de gerência no mundo todo. A procura tem
sido tanta que a consultoria criou recentemente uma divisão especial
para atender à demanda por engenheiros.
O que eles têm que os outros não têm?
Mesmo com o prestígio que as escolas de administração ganharam nas
últimas duas décadas, os formados em engenharia não saíram de cena. A
partir dos anos 80, eles começaram a disputar espaço com os
administradores, mas nem por isso perderam a força. "Em industrias que
têm a engenharia como core business, eles sempre estiveram em alta",
diz Oliver Lemaitre, diretor da Michel Page. Nos outros segmentos, o
espaço passou a ser mais disputado depois da ascensão dos
administradores, mas o prestígio não. O mercado continua precisando de
gente que raciocine de maneira estruturada - e isso os engenheiros
fazem como ninguém. "Essa habilidade falta em muitos administradores,
que geralmente recorrem ao feeling", diz Carlos da Costa, diretor do
Ibmec, em São Paulo. Que ninguém duvide que a intuição é uma arma
poderosa na hora de tomar decisões. "Até hoje, a única pessoa que
ganhou dinheiro unicamente com feeling foi o Morris Albert, que
cantava aquela música Feelings", brinca Costa. Algumas competências
dos engenheiros são perfeitas para quem ocupa postos de comando:
*Exatidão - engenheiros não lidam com margem de erro, aquela
possibilidade de dar tudo errado. Ao olhar um problema, identificam
todas as variáveis e questionam os dados até achar a resposta certa.
Com eles, chute não tem vez.
*Lógica - quantos táxis há em Nova York? Quantas bolinhas de pingue-
pongue cabem em um Boeing 737? Um engenheiro dificilmente perde a
cabeça diante de perguntas como essas, típicas de entrevistas de
recrutamento. "Antes de chegar a alguma conclusão sobre o todo, você
quebra em pedacinhos, analisa cada um e então monta tudo e resolve a
questão", diz o headhunter Ricardo Rocco, diretor da Russell Reynolds.
Ele sabe o que está falando: é formado em engenharia mecânica e
aeronáutica.
*Raciocínio analítico - engenheiros aprendem a pensar de maneira
estruturada e têm capacidade de abstrair e criar fórmulas para chegar
a uma resposta, mesmo com informações incompletas.
*Autodidatismo - pergunte a um engenheiro formado em uma escola de
primeira linha sobre apostilas que ele usou no curso. "Do que é que
você está falando?", ele deve responder. Uma característica marcante
das boas faculdades de engenharia, que aparece também em escolas de
outras áreas, é que os alunos não recebem nada mastigado, condensado
em apostilas. "Eles precisam correr atrás da matéria, conseguir as
informações sozinhas. Essa é uma das maiores contribuições da
faculdade, diz o professor Roberto Nasser, coordenador de orientação
vocacional do Colégio Bandeirantes, em São Paulo.
*Familiaridade com números - com tantas informações e dados ao alcance
de todos, a capacidade de lidar com matemática e com estatística
tornou fundamental para um bom gestor. "E os cursos de administração
não oferecem esse conhecimento matemático avançado", diz Costa.
Além da engenharia
Como nada é perfeito e nenhum profissional é completo - ao menos
quando sai da faculdade, engenheiros também precisam preencher lacunas
em sua formação. Para o professor Helene, a principal falha é a fraca
base humanística. Por isso é que o profissional de que estamos falando
não pode parar de estudar. Administração, economia e psicologia são
áreas recomendadas para quem quer ir além. Nesses cursos, é possível
aprender técnicas de negociação, liderança e conhecimentos de
marketing. Claro que características pessoais também estão em jogo.
Uma pessoa tímida dificilmente vai mudar sua postura em algumas aulas.
Fica difícil para qualquer profissional, até para um engenheiro,
chegar à cúpula de uma empresa sem vender bem seu próprio peixe ou
conseguir conversar de igual para igual com quem está abaixo do
organograma. Há quem diga que isso também se aprende. Mas os
engenheiros já descobriram que não é na faculdade.
*Matéria "O engenheiro que virou CEO" da revista vocês.a. de setembro
de 2001.
Esta matéria além do citado acima, relata a história do vice-
presidente de vendas corporativas da Intelig (na época), Carlos
Alberto Ferreira, que tem em sua formação o curso de engenharia
elétrica e que em sete meses de trabalho os clientes corporativos
pularam de 3 para 450.