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OS PRIMÓRDIOS DA INDÚSTRIA QUÍMICA
Desde o século XVIII que os produtos químicos naturais como o carbonato de
sódio ou potássio passaram a ter uma grande procura, face à produção
industrial de vários bens de consumo, tais como vidro, sabão e têxteis. À
medida que a revolução industrial avançou e se entrou na produção maciça de
bens de consumo, as jazidas conhecidas desses produtos naturais deixaram de
ser suficientes e surgiram, então, novos processos industriais para a
produção de algumas dessas matérias primas. Podemos dizer que a Indústria
Química surgiu nessa altura, ou seja, nos primórdios do século XIX.
São marcos da implantação da indústria química a invenção do Processo Le
Blank para a transformação do sal marinho em carbonato de sódio (Nicholas
Le Blank, 1810) e a do Processo Solvay (mais limpo) também para produzir
carbonato de sódio (Ernest Solvay, 1863).
Figura 01: Cheshire, UK, início de 1800 e as núvens do Processo Leblanc
(IChemE).
Nesta altura as "fábricas" da indústria química eram operadas por
Engenheiros Mecânicos, enquanto que o desenvolvimento à escala laboratorial
estava a cargo dos Químicos. Um papel importante era o que era desempenhado
pelos "Inspectores de Segurança". Os acidentes nas fábricas de produtos
químicos eram frequentes e os inspectores de segurança desempenhavam um
papel fundamental na prevenção desses acidentes.
COMO NASCEU A ENGENHARIA QUÍMICA
George Davis, Britânico, 1880, inspector de segurança para o "Alkali Act,
1863"(a primeira peça de legislação ambiental conhecida), foi, tanto quanto
se sabe, o primeiro a identificar a necessidade de uma nova profissão em
ligação com a indústria química, em franca expansão nos finais do século
XIX.
Até aquela altura os técnicos encarregados da supervisão ou projecto dos
processos nas industrias químicas eram ou:
Engenheiros Mecânicos com conhecimentos do Processo Químico ou Químicos
(industriais) com larga experiência industrial e conhecimentos de Processo
Industrial (equipamento industrial).
Assim, Químicos com instinto para a engenharia ou engenheiros com gosto
pela Química deram origem aos Engenheiros Químicos.
Figura 02: George Davis (1850-1907) o fundador da profissão de Engenheiro
Químico (the IChemE).
George Davis, num conjunto de 12 aulas proferidas na "Manchester Technical
School" identificou e definiu os fundamentos de um novo grupo de
profissionais que designou por "Engenheiros Químicos". Na altura, esta
definição de uma nova profissão e de um novo programa de ensino, foi mal
aceite quer pela comunidade Universitária quer pela dos profissionais de
engenharia. O mesmo aconteceu à sua tentativa de criar, por essa altura, a
"Society for Chemical Engineers" no Reino Unido.
Assim, é um pouco mais tarde, nos Estados Unidos da América, no
"Massachussets Institute of Technology – MIT", que se pode situar,
verdadeiramente, o nascimento da Engenharia Química, com a proposta de
criação, em 1888, por Lewis Norton, de uma formação estruturada em
Engenharia Química [1,2].
Figura 03: Lewis Norton, fundador do primeiro Curso de Engenharia Química
(MIT, 1888).
Chamava-se o "Course X" do MIT (1888). Cabe a William Page Bryant a honra
de se ter tornado, em 1891, o primeiro graduado em Engenharia Química (MIT,
Course X).
Ainda assim, o primeiro livro sobre Engenharia Química, "Handbook of
Chemical Engineering", foi escrito por George Davis, tendo tido a sua 1ª
edição em 1901. A Figura 4 mostra a primeira edição do primeiro livro
editado pelo MIT na área da Engenharia Química.
Figura 04: Primeiro livro de texto de Engenharia Química do MIT,
"Principles of Chemical Engineering", 1924.
A Figura 5 resume esquematicamente o nascimento da Engenharia Química, a
qual faz parte dos chamados "Big Four", os quatro grandes domínios das
Engenharias Civis.
Figura 05: O nascimento da Engenharia Química.
Outros cursos de Engenharia Química se seguiram ao do MIT, também nos EUA:
1892, "University of Pennsylvania"; 1894, "Tulane University".
Na Europa, as primeiras formações estruturadas em Engenharia Química acabam
por surgir mais tarde, por volta de 1920, no "Imperial College of London" e
na "University College of London", enquanto que noutros países da Europa
onde a indústria química desempenhou desde cedo um papel importante, como é
o caso da Alemanha, é só por altura de 1950 que a formação em Engenharia
Química se torna autónoma da Engenharia Mecânica. Nalguns casos foi a
própria indústria a pressionar a criação de formações e Escola de
Engenharia Química em Universidades de prestígio, como foi o caso da
criação de um Departamento de Engenharia Química na Universidade de
Cambridge, em 1945, patrocinado pela Shell.
Em Portugal, o primeiro curso de Engenharia Química surgiu em 1911, no
Instituto Superior Técnico, Escola então criada pelo Ministro do Fomento do
Governo Provisório da República, Brito Camacho, e de que foi primeiro
director Alfredo Bensaúde. Tinha a designação de Curso de Engenharia
Químico-Industrial, sendo a sua origem o Curso de Química Industrial, que
era um dos cursos industriais professados no Instituto Industrial e
Comercial de Lisboa. Este havia sido criado em 1869, com origem no
Instituto Industrial de Lisboa criado em 1852 pelo Ministro das Obras
Públicas, Comércio e Indústria, Fontes Pereira de Melo.
Na Universidade do Porto o curso de Engenharia Químico-Industrial começou a
professar-se em 1915, quando o Curso de Engenharia, que era um curso anexo
à Faculdade de Ciências, adquiriu autonomia, constituindo-se em Faculdade
Técnica. Em 1926 esta Faculdade passa a designar-se por Faculdade de
Engenharia.
No âmbito de uma expansão do ensino superior, e precedendo a criação de
novas Universidades, é criada, em 1972, na Universidade de Coimbra a
Faculdade de Ciências e Tecnologia com origem na existente Faculdade de
Ciências, e nela se começou a professar o curso de Engenharia Química. Esta
nova designação tinha já sido adoptada em 1970 nas restantes Escolas de
Engenharia do país.
Dependendo da região do globo, as formações em Engenharia Química podem
estar mais próximas da Engenharia Mecânica, da Química Industrial ou dos
conceitos base da Ciência da Engenharia Química.
Figura 06: As formações em Engenharia Química na Europa [3].
MARCOS NO DESENVOLVIMENTO DA ENGENHARIA QUÍMICA
Outros marcos importantes na Engenharia Química são ("History of Chemical
Engineering "):
1908 - Criação do AIChE (American Institue of Chemical Engineers)
1915 – Arthur D. Little reorganizou o ensino da Engenharia Química com a
introdução da noção de "Operação Unitária". Esta noção ajudou a
sistematizar o ensino dos Processos Químicos, evidenciando que cada
processo pode considerar-se constituído por unidades mais pequenas,
baseadas em princípios físico/químicos comuns. É com esta noção,
apresentada em 1915 no relatório produzido para o MIT e depois presente ao
AIChE (1922) que se introduziram, pela primeira vez, os conceitos de
mecanismos físico/químicos e modelação, na Engenharia Química.
1922 – Criação da "Institution of Chemical Engineers - IChemE ". Sir Arthur
Duckham foi o seu primeiro Presidente.
1924 – Primeiros doutoramentos em Engenharia Química no MIT.
1932 – O "American Institute of Chemical Engineers" encarrega-se, pela
primeira vez, da acreditação de formações em Engenharia Química,
acreditando 14 cursos.
A Figura 7 ilustra o crescimento do número de membros do AIChE no século
XX.
Figura 07: Evolução do número de membros do AIChE no século XX.
1934 – Primeira edição do "Handbook of Chemical Engineers" de Perry &
Chilton (actualmente na 8ª edição).
1953 – Criação da "European Federation of Chemical Engineers ".
1960 – Primeira edição do livro "Transport Phenomena" de Bird, Stewart e
Lightfoot.
A Figura 8 apresenta um mapa cronológico dos grandes marcos da indústria
química no século XX, em quatro grandes áreas ligadas ao nosso quotidiano.
Figura 08: Grandes marcos da indústria química no século XX [4].
No seguimento do enraizamento do conceito de Operação Unitária, outros
conceitos foram progressivamente associados a esta noção primária, como
sejam: Engenharia da Reacção; Engenharia Nuclear; Tecnologia das
Partículas, etc. e, em conjunto, passaram a constituir o núcleo do ensino
da Engenharia Química.
Posteriormente, nos anos de 1970s, a ideia de Sistemas impôs-se na
Engenharia Química, surgindo a Engenharia de Sistemas (Process Systems
Engineering – PSE), a qual introduz uma visão holística da Engenharia
Química.
ENGENHARIA QUÍMICA E O NOSSO COTIDIANO
O desenvolvimento da Profissão de Engenheiro Químico acaba por estar muito
associado a todo o desenvolvimento da indústria química que ocorreu em
ligação com as Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Posteriormente, foi o
desenvolvimento da indústria petroquímica que contribuiu para a afirmação
no mercado de trabalho, dos Engenheiros Químicos, gerando uma procura
crescente de profissionais desta área. No pós-guerra, empresas como a BASF,
Bayer, Hoechst, ICI (Imperial Chemical Industries), Shell, etc., foram
requerendo um número crescente de profissionais de Engenharia Química. O
nosso quotidiano actual e o nosso estilo de vida dependem, em grande parte,
de desenvolvimentos associados à Engenharia Química.
A borracha sintética; os plásticos; as fibras sintéticas; os combustíveis;
as tintas; os detergentes; as conservas alimentares; os produtos lácteos de
longa duração; os sistemas de refrigeração; o papel, etc, etc. são produtos
que não fariam parte do nosso quotidiano sem a Engenharia Química.
Mas, também a grande evolução ao nível da saúde das populações deve muito à
actividade dos Engenheiros Químicos. A produção em massa de medicamentos,
desde logo da penicilina, até à insulina e antibióticos e ainda o
tratamento da água de consumo, evitando a propagação de doenças epidémicas,
factores que tanto contribuíram para o aumento da esperança de vida nos
países desenvolvidos, não teria sido possível sem a contribuição da
Engenharia Química. Os Engenheiros Químicos transpõem os desenvolvimentos
laboratoriais para a escala industrial. Até a utilização em massa de
equipamentos de diálise (surgidos primeiro em 1945) tem por trás
desenvolvimentos relacionados com a Engenharia Química.
Sem a Engenharia Química, os nossos carros ainda pesariam hoje 3 toneladas,
porque os componentes usados na sua construção seriam de ferro e aço e não
de materiais sintéticos (polímeros) de alta resistência.
ENGENHARIA QUÍMICA MODERNA
No final do século XX a Engenharia Química adoptou uma abordagem sistémica
dos processos e, sem perder a sua ligação às origens (Operações Unitárias e
conceitos básicos de Engenharia Química), desenvolveu-se neste domínio da
Engenharia a vertente de Engenharia de Sistemas (Process Systems
Engineering – PSE).
Ainda no século XX, mas mais acentuadamente no século XXI surge na
Engenharia Química o conceito de Engenharia do Produto ("Engenharia de
Sistemas e Processos/Projecto de Produto " e "Product Engineering "). A
abordagem da Engenharia Química a um novo problema passa a ser, muitas
vezes, direccionada primeiro para o produto. Define-se qual o Produto
pretendido com base nas funcionalidades desejadas e, a partir daí, constrói-
se o Processo. Os produtos, por outro lado, deixaram de ser apenas os
produtos químicos convencionais (normalmente "commodities" produzidos em
larga escala) e passaram a ser, por exemplo, produtos farmacêuticos,
produtos de electrónica, materiais avançados (por exemplo materiais
ópticos), produtos biológicos, novos combustíveis, etc. A característica
comum reside no facto de serem produtos de alto valor acrescentado,
normalmente produzidos em pequena escala. A Figura 9 mostra como evoluiu a
Indústria Química na Europa durante a década de 90.
Figura 09: Crescimento da produção da indústria química na EU, nos anos 90,
por sectores [5].
Figura 10: Representação molecular de um nanotubo de carbono.
Figura 11: Estrutura polimérica de um osso sintético que serve de suporte
ao crescimento de células de tecido ósseo (David S. Dandy, Colorado State
University ).
Por exemplo, os mecanismos bem conhecidos dos Engenheiros Químicos que
descrevem o transporte de fluidos em condutas do processo (Dinâmica de
Fluidos) também podem ser usados para descrever o transporte de fluidos
biológicos no corpo humano e, como tal, as ferramentas da "Computational
Fluid Dynamics – CFD" também estão a ser usadas na descrição do fluxo dos
fluidos biológicos nos sistemas vivos. Estes estudos podem por exemplo
ajudar a prever melhor o risco de doenças degenerativas do sistema
circulatório como seja a arteriosclerose.
Figura 12: Modelo das coronárias [6].
Importa referir que a Sustentabilidade Ambiental passa, necessariamente,
pela Engenharia Química. Só com processos mais limpos, energeticamente mais
eficientes, com combustíveis mais verdes, será possível evitar a evolução
da degradação ambiental. O desenvolvimento dos Processos de Sequestração de
CO2 precisa da Engenharia Química.
A Figura 13 mostra como aumentou a eficiência energética na indústria
química nos últimos 40 anos. Por outro lado, na Figura 14 pode verificar-se
a diminuição acentuada nas emissões de CO2 por unidade produzida que
ocorreu na indústria química, nesse mesmo período.
Figura 13: Evolução da eficiência energética da indústria química na EU de
1960 a 1998 [5].
Figura 14: Evolução das emissões de CO2 por unidade de consumo de energia
ou por unidade produzida na indústria química da EU nos anos 90 [5].
Ao nível ambiental, a conjugação da Engenharia com os novos
desenvolvimentos da genómica faz antever o surgimento de novas tecnologias,
nomeadamente na monitorização ambiental, tal como no esquema da Figura 15.
Figura 15: Vigiando o oceano: sensores ecogenómicos à escala nano. As
sentinelas microbianas do ecosistema (Genomics: GTL Roadmap, US Dep. of
Energy Office of Sc., August 2005, http://genomics.energy.gov/gallery )
[7].
NOTAS FINAIS
Podemos afirmar, sem receio, que a Engenharia Química é o ramo das
Engenharias de espectro mais alargado.
No início do Século XXI, o aspecto mais fascinante da profissão de
Engenheiro Químico reside na capacidade de que estes profissionais estão
dotados para abordar escalas muito diversas: desde os 10-9 m da escala do
átomo (nanómetros) aos 103 m da escala do quilómetro; desde os 10-12 s da
escala do picosegundo aos 104 s da escala da hora, sem nos referirmos, para
já, à escala do Universo.
REFERÊNCIAS
"History of Chemical Engineering", ed. W. F. Furter, Advances in Chemistry
Series 190, A.C.S., Washington dc, 1980.
Don Freshwater, "Davis, George Edward (1850-1907)", Oxford Dictionary of
National Biography, Oxford University Press, UK, 2004.
J. E. Gillett, "Chemical Engineering Education in the Next Century", Chem.
Eng. & Tech., 24 (6), pp. 561-570, 2001,
(http://www.efce.info/wpe_educationchemeng.html ).
Chemistry elements of life (www.elements-of-life.org).
"La Industria química europea en una perspective mundial, 1990-1999: una
década de crescimiento", CEFIC - Trade and Economic Affairs, Ingeniería
Química, pp. 135-144, Abril 2001.
Crampin, E. J. et al., "Computational physiology and the physiome project",
Exp. Physiology, 89, pp. 1-26, 2004,
(http://ep.physoc.org/cgi/content/abstract/89/1/1 ).
Genomics.energy.gov (http://genomics.energy.gov/gallery/).