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Máquinas Térmicas
Prof. Carlos Gurgel
Dep. Engenharia Mecânica – FT
Universidade de Brasília
Capítulo VIII – Ciclos Vapor (Eastop & McConkey, 1993)
O ciclo vapor foi apresentado anteriormente, na forma proposta por Carnot,
onde definiu-se a eficiência térmica máxima possível entre dois níveis de
temperatura. A Figura VIII-1 ilustra o ciclo de Carnot num diagrama T – s.
Figura VIII-1: Ciclo de Carnot num diagrama T – s.
Os processos seguem:
4 ( 1 adição de calor a p e T constantes, ocorre numa caldeira;
1 ( 2 expansão isentrópica, ocorre numa turbina;
2 ( 3 rejeição de calor para a vizinhança, ocorre num condensador;
3 ( 4 compressão isentrópica, ocorre numa bomba especial (vapor +
líquido).
A dificuldade prática de se comprimir um mistura de líquido e vapor, conduz
à uma modificação importante no ciclo proposto por Carnot. Este ciclo é
conhecido como Rankine.
Ciclo Rankine
Difere do Ciclo de Carnot por considerações práticas. É muito mais fácil de
se bombear líquido puro em comparação com uma mistura líquido + vapor. A
bomba de líquido possui dimensões inferiores e é mais eficiente, além do
que, os equipamentos, como um todo, são mais simples.
A Figura VIII-2 ilustra o ciclo Rankine.
Figura VIII-1: Ciclo Rankine num diagrama T – s.
Após a compressão isentrópica, ponto 4, o fluido não está na condição de
saturação como ocorre no ciclo de Carnot. Algum calor extra deve ser
providenciado para se atingir o ponto 5, líquido saturado. De 4 ( 5 o
processo ocorre a pressão constante mas a medida em que calor é adicionado,
a temperatura aumenta (calor sensível) até a temperatura de saturação
desejada. Uma planta típica para a realização do ciclo Rankine pode ser
vista na Fig. VII-3.
Na análise dos processos podemos utilizar os conceitos já desenvolvidos.
Como os equipamentos trabalham com fluxo de massa, utilizamos a primeira
lei para volume de controle em todos os equipamentos.
Portanto, da primeira lei para sistemas abertos,
Na equação acima, mudanças de energia cinética e potencial foram
desprezadas.
Na entrada de turbina o vapor pode estar úmido, saturado seco ou
superaquecido. Vamos analisar o caso de vapor saturado seco.
Figura VIII-3: Planta Básica.
Caldeira:
. Como o trabalho é nulo,
Turbina:
A expansão é adiabática reversível. Portanto
Condensador:
. Como o trabalho é nulo,
.
Bomba:
A compressão é adiabática reversível, portanto
Usualmente despreza-se este trabalho por ser uma parcela muito pequena em
comparação com o trabalho desenvolvido na turbina. Isto acontece porque o
volume específico da água é pequeno se comparado com o dos gases.
Trabalho líquido no ciclo
Se o trabalho de bombeamento for desprezado,
Calor é adicionado ao ciclo na caldeira, logo
Portanto, a eficiência térmica do ciclo Rankine é dada por
.
Substituindo-se pelas expressões já calculadas,
.
Observação: a utilização do módulo na expressão acima visa a simplificar o
processo de memorização da fórmula. Pela convenção estabelecida o trabalho
líquido surgirá automaticamente após o somatório das diferenças de
entalpia. Contudo, ficou convencionado que o trabalho líquido, isto é,
aquele que o sistema realiza na vizinhança (trabalho útil), possui sinal
negativo o que justifica a inclusão do módulo na expressão.
A expressão acima pode ser simplificada se o trabalho de bombeamento for
desprezado, na seguinte forma,
.
Desprezando-se , tem-se
.
Nos casos em que o trabalho de bombeamento deve ser considerado, o cálculo
da variação de entalpia numa compressão isentrópica é dada por
Prova:
Processo adiabática reversível
. Portanto, .
Integrando-se entre os pontos 3 e 4, assumindo-se que o volume específico
do líquido é constante entre estes estados (incompressibilidade da água).
.
O valor de v pode ser obtido da linha de líquido saturado em p3.
Eficiências no ciclo Rankine
Razão de eficiência é a razão entre a eficiência do ciclo real pela
eficiência térmica do ciclo Rankine.
Figura VIII-4: Ciclo Rankine num diagrama T – s.
Na prática, tanto a compressão da água na bomba como a expansão na turbina
são irreversíveis. A Figura VIII-4 ilustra tais irreversibilidades. Pode-
se, então, definir e eficiência isentrópica para um dado processo.
Na expansão,
Na compressão,
Taxa de trabalho (WR)
Por definição, a taxa de trabalho é a razão entre o trabalho líquido e o
trabalho no processo de expansão. Isto é,
Outro critério muito utilizado em plantas de vapor é o consumo específico
de vapor (ssc). Este parâmetro é dado pelo fluxo de vapor da planta por
unidade de trabalho produzido. O fluxo de vapor da planta serve como
indicação do tamanho da planta e dos equipamentos envolvidos.
Consequentemente, o valor de ssc é um parâmetro de comparação entre o
tamanho relativo entre plantas de vapor em função da potência produzida.
Potência liberada é dada por
, desta forma,
Desprezando-se o trabalho de bombeamento,
.
Se a entalpia for expressa em kJ / kg, a unidade de ssc será kg / kJ ou kg
/ k W h.
Exemplo VIII-1:
Uma planta de vapor opera entre uma pressão de vapor de 42 bar e uma
pressão de condensação de 0.035 bar.
Calcule, a eficiência do ciclo a taxa de trabalho (WR) e o consumo
específico de vapor:
a) Ciclo de Carnot usando vapor úmido;
b) Ciclo de Rankine com vapor saturado seco na entrada da turbina;
c) Ciclo de Rankine em (b) quando o processo de expansão possui eficiência
isentrópica de 80%.
Ciclo de Carnot
Iniciando pelo ponto 1, onde conhecemos a pressão de saturação e para a
condição de vapor saturado seco (segundo estado) podemos inferir a
temperatura. Isto é,
K, a 42 bar.
Obs.: No programa CyclePad, utilize, 42 bar, saturação, e título igual a 1.
Do mesmo modo, para a pressão de 0.035 bar tem-se,
K, a 0.035 bar.
Conhecidos os níveis de temperatura, podemos aplicar o conceito de
eficiência diretamente pois trata-se do Ciclo de Carnot.
%.
O calor adicionado ao fluido ocorre no processo 4 ( 1. Logo,
kJ / kg
Para o cálculo da taxa de trabalho, WR, precisamos do trabalho líquido e do
trabalho no processo de expansão.
Com o emprego da eficiência podemos calcular o trabalho líquido, isto é,
O trabalho líquido será,
kJ / kg
O trabalho na expansão é dado por .
Para o cálculo de h2, partimos da premissa que s2 = s1.
Com s2 e a temperatura T2, calculamos o título (0.696) o que nos permite
calcular a entalpia em 2.
Então,
kJ / kg
Consequentemente,
kJ / kg.
A razão de trabalho será
%.
Para o consumo específico de vapor tem-se,
kg / k W s. Isto é
kg / k W h.
Ciclo Rankine
Já conhecemos, kJ / kg e , kJ / kg.
O estado em 3 é facilmente determinado pois sabemos o título e a
temperatura ou pressão.
Portanto,
kJ / kg.
O trabalho de bombeamento é dado por
.
O volume específico será aquele do ponto 3, isto é v3 = vf. Portanto,
kJ / kg.
A eficiência térmica será
%.
Para a taxa de trabalho temos,
%.
O consumo específico de vapor será
kg / k W s. Isto é
kg / k W h.
Ciclo com Expansão Irreversível
A eficiência isentrópica da expansão é dada por
kJ / kg.
A eficiência térmica será
%.
Para a taxa de trabalho temos,
%.
O consumo específico de vapor será
kg / k W s. Isto é
kg / k W h.
Ciclo Rankine com Superaquecimento
O vapor que é liberado na caldeira pode ser posteriormente aquecido por
intermédio de trocadores de calor onde gases de combustão, ainda com
elevada temperatura, são empregados como fonte de calor. Assim, a
temperatura do vapor saturado seco pode ser aumentada para valores bem
superiores, sendo a limitação estabelecida principalmente pela resistência
dos materiais. A Figura XII-5 ilustra o ciclo e a Fig. XII-6 a planta.
Figura VIII-5: Ciclo Rankine sem e com superaquecedor.
Figura VIII-6: Planta com superaquecimento.
Pode-se verificar que a única diferença para o ciclo de Rankine está no
processo 6 ( 1 que ocorre no superaquecedor. Este superaquecimento é
isobárico. Portanto o estado do vapor no novo ponto 1 fica determinado pela
pressão e pela temperatura máxima de operação da turbina ou dos gases
quentes utilizados para o superaquecimento.
Exemplo VIII-2:
Compare a performance do ciclo de Rankine, do exemplo anterior, se o vapor
é superaquecido a 500 °C. Despreze o trabalho de bombeamento.
Desprezando-se o trabalho de bombeamento, a nova entalpia em 1 será
kJ / kg, a 42 bar e 500 °C.
Após a expansão isentrópica onde s2 = s1, determina-se o novo estado em 2
onde a pressão é 0.035 bar. O título após a expansão será 0.821.
kJ / kg, a 0.035 bar pois s2 = s1.
O trabalho líquido será,
kJ / kg.
O calor adicionado deve incluir a parcela de calor no superaquecimento
kJ / kg
Portanto, a eficiência deste ciclo Rankine com superaquecimento será,
%.
O consumo específico de vapor será
kg / k W s. Isto é
kg / k W h.
Comparando-se os ciclos, podemos, inicialmente, concluir que a qualidade do
vapor no final do processo de expansão é mais favorável ao bom
funcionamento da turbina. O título no ciclo de Rankine foi de 0.696 contra
0.821 do ciclo com superaquecimento.
A eficiência do ciclo aumentou com superaquecimento e sendo a ssc reduzida
a planta terá, portanto, dimensões menores se comparada com aquela onde o
ciclo não possuía superaquecimento. Naturalmente, algum investimento deve
ser feito para a inclusão do superaquecedor.
Ciclo Rankine com Reaquecimento
A eficiência térmica do ciclo pode ser aumentada trabalhando-se com
temperaturas médias mais elevadas. Por outro lado, o vapor na saída da
turbina deve ser o mais seco possível. O aumento da pressão na entrada da
turbina também eleva a eficiência do ciclo. Contudo fica quase impossível
de se realizar a expansão em uma única turbina devido ao grau de umidade em
que se encontrará o vapor nos estágios finais da expansão.
Consequentemente, pode-se utilizar duas ou mais turbinas. A primeira
realizando a expansão até o ponto em que a umidade do vapor não comprometa
a qualidade da turbina. Este vapor é reconduzido para o superaquecedor onde
sua temperatura é elevada a um nível mais alto para finalmente ser
expandido numa segunda turbina e assim, sucessivamente. O número de
superaquecedores e de turbinas é limitado unicamente por questões de custo
da planta.
A Figura XII-7 ilustra o ciclo com superaquecimento.
Os diversos processos seguem:
Adição de calor, na caldeira e no reaquecimento (desprezando-se trabalho de
bombeamento)
.
Se o trabalho de bombeamento for desprezado,
Portanto, a eficiência térmica do ciclo com reaquecimento é dada por
.
Figura VIII-7: Ciclo Rankine com reaquecimento.
Exemplo XIII-3:
Calcule a nova eficiência e o consumo específico de vapor se incluirmos
reaquecimento na planta do Exemplo XIII-2. O vapor entra na turbina a 42
bar e 500 °C. Condensação ocorre a 0.035 bar. Assuma que o vapor é saturado
seco após a expansão na primeira turbina e reaquecido a temperatura inicial
(500 °C).
Conhecidos:
kJ / kg, kJ / kg.
A determinar, h2, h3, h6 e h7.
Como as expansões são isentrópicas,
s2 = s1 e s6 = s7.
O vapor é saturado seco na saída da primeira turbina. Com o valor da
entropia, encontramos a pressão de descarga.
p2 = 2.3 bar. Portanto,
kJ / kg.
A entalpia em 6 pode ser obtida pela pressão p6 = p2 = 2.3 bar e 500 °C.
kJ / kg.
A expansão na segunda turbina libera o vapor a 0.035 bar.
Sendo a expansão isentrópica, s6 = s7. Portanto,
kJ / kg.
Desta forma,
kJ / kg.
kJ / kg.
A eficiência do ciclo é
%
O consumo específico de vapor será
kg / k W s. Isto é
kg / k W h.
Comparando estes valores com os resultados obtidos no exemplo anterior
verifica-se uma melhora substancial no consumo específico de vapor. A
eficiência também sofreu melhora.
Ciclo Regenerativo
Para se atingir a eficiência do ciclo de Carnot, calor deve ser fornecido e
rejeitado a temperatura constante. Uma maneira de se alcançar este objetivo
e obtendo uma taxa de trabalho equivalente ao do ciclo Rankine seria
aumentado a temperatura da água que sai da bomba para a temperatura de
saturação de entrada na caldeira. Este método não tem sentido prático mas
serve para ilustrar a possibilidade se aumentar a eficiência por algum meio
correspondente. A Figura VIII-8 ilustra esta idéia.
Figura VIII-8: Ciclo Rankine regenerativo.
A água pressurizada passa pela turbina inicialmente a temperatura T3. No
interior da turbina, ocorre transferência de calor do vapor em expansão
para o líquido condensado elevando a temperatura deste a T4 que é a
temperatura de saturação na entrada da caldeira. Este processo de
transferência de calor é ideal (reversível) pois ocorre com diferença de
temperatura muito pequena. A representação hipotética desta planta pode ser
vista na Fig. VIII-8.
Com auxílio da Fig. VIII-8 pode-se verificar que o calor rejeitado pelo
vapor em expansão no interior da turbina é dado pela área 1 – 2 – 5 – 6 – 1
e é exatamente igual ao calor adicionado à água, área 4 – 1 – 6 – 7 – 4.
Esta troca de calor reversível é interna, não sendo realizada com a
vizinhança. As únicas interações de calor com o meio exterior ocorrem a
temperatura constante. Consequentemente, a eficiência do ciclo regenerativo
é a mesma da do ciclo de Carnot.
Figura VIII-8: Planta Básica do Ciclo Regenerativo.
Como foi dito, este ciclo não pode ser colocado em prática. Por exemplo,
condensação de vapor no interior da turbina é indesejável. Contudo, vapor
pode ser retirado do interior da turbina com o propósito de aquecer a água
antes desta entrar na caldeira. Este vapor é diretamente misturado com a
água a uma pressão intermediária. O vapor remanescente continua o processo
de expansão até a pressão na qual calor é rejeitado. A Figura XIII-9
ilustra esquematicamente uma planta operando em ciclo regenerativo. A
Figura XIII-10 apresenta o ciclo regenerativo num diagrama T – s.
O vapor expande no interior da turbina até uma pressão intermediária p6.
Neste instante, parte do vapor é retirado para aquecer a água de
alimentação da caldeira. O restante do vapor continua o processo de
expansão até o estado 2. Este vapor remanescente é então condensado e
bombeado até a pressão intermediária em que o vapor foi retirado (p6) para
ser misturado num processo adiabático (sem troca de calor com o meio).
Resta à caldeira suprir calor apenas entre os estados 8 e 1, isto é, elevar
T8 até a temperatura de vapor superaquecido seco T1.
Permanece por determinar qual a pressão intermediária em que o vapor deve
ser retirado da turbina. Como a idéia é providenciar troca de calor entre
este vapor e a água de alimentação da caldeira, a escolha é, então,
baseada na determinação de uma temperatura ótima. Esta temperatura, como
ponto de partida, é simplesmente a média aritmética entra as temperaturas
T5 e T2, devendo depois ser adequada as condições gerais do processo. Isto
é,
Figura VIII-9: Planta Básica.
Figura VIII-10: Ciclo Rankine regenerativo.
Exemplo XIII-4:
Se o ciclo do Exemplo XIII-1 é modificado de forma a incluir um aquecedor
(regenerador), calcule a eficiência do ciclo e o consumo específico de
vapor.
Sabendo que, a 42 bar, T1 = 253.2 °C (saturado seco) e a 0.035 bar, T2 =
26.7 °C.
°C.
Nas tabelas de vapor, encontramos dados para 3.5 bar o que equivale a uma
temperatura de 138.9 °C. Portanto, usaremos este valor para a temperatura
de sangria do vapor.
A fração de vapor (y) que deve ser retirada deve suprir exatamente a
quantidade de vapor para aquecer a água de alimentação da caldeira (1-y) de
T4 para T7. Portanto, calcula-se esta quantidade de calor e em seguida
determina-se o fluxo de sangria necessário.
Desta forma,
Portanto,
.
Na expressão acima desprezou-se o trabalho de bombeamento.
Conhecidos,
kJ / kg; kJ / kg e s1 = s6 = s2 = 6.049 kJ / kg. Inferindo-se os
respectivos títulos, determinamos
kJ / kg e
kJ / kg.
Portanto,
kg.
Desprezando-se o trabalho de bombeamento entre 7 e 8.
kJ / kg.
O trabalho líquido é dado por
Isto é,
kJ / kg.
A eficiência do ciclo é
%
O consumo específico de vapor será
kg / k W s. Isto é
kg / k W h.
Comparando-se estes resultados com os do Exemplo VIII-1, verifica-se que a
eficiência aumentou de 36.8 % para 39.6 %. Contudo, o consumo específico
de vapor aumentou de 3.64 kg / k W h para 4.11 kg / k W h. A eficiência do
ciclo pode ainda ser aumentada com a adição de outros regeneradores (maior
número de extrações) mas, por outro lado, necessita-se comprar mais
equipamentos, aumentando, portanto, o capital investido na planta.