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Nas construções feitas sem arquiteto nem engenheiro, a perda de materiais é
duas vezes maior que em obras regulares.
Ele marca presença desde a concepção da casa. Depois, instala-se
sorrateiro. No final das contas, eleva os custos de qualquer obra às
alturas. Conhecido como desperdício, esse fenômeno, que os engenheiros
preferem chamar perda de materiais, age com discrição, mas pode ser
rastreado. Um estudo feito nos anos 1990 por pesquisadores de 16
universidades de 12 estados do país em 100 canteiros de obras de edifícios
em construção ainda hoje é o mais abrangente sobre o tema. Os dados valem
para obras residenciais, segundo um dos coordenadores do trabalho, o
engenheiro Ubiraci Espinelli Lemes de Souza, da Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo (Poli-USP), que é um dos grandes especialistas da
área no Brasil. As conclusões giram em torno de alguns pontos críticos.
Projeto e planejamento. "A fase de projeto [do arquitetônico aos
complementares, como elétrica e estrutura] é a mais importante para reduzir
desperdícios e gastos desnecessários - desde que redunde em soluções
técnicas apropriadas, gerenciadas e executadas por mão-de-obra capacitada",
alerta a engenheira Sílvia Maria de Souza Selmo. A lógica é simples. Quanto
mais detalhes antes, menos perda depois. Acostumado a gerenciar canteiros,
o arquiteto paulista Ararê Sennes lembra que a falta de projeto adequado
resulta no "cálculo incorreto de materiais e mão-de-obra, gerando
distorções de custos e cronogramas". E mais. Para Ararê, "os materiais
empregados devem ser especificados e quantificados para que a aquisição do
lote seja feita de uma única vez, garantindo sua homogeneidade e exata
quantidade". A compra pode ser programada de acordo com o cronograma de
trabalho, até mesmo vir em etapas; o fundamental é não ter gente parada por
falta de material nem criar novos gastos com frete. "O operário não quer
ter sua produtividade prejudicada e, usualmente, pede a mais... assim vai",
fala a engenheira Mércia Maria Semensato Bottura de Barros, também da
Escola Politécnica. Não ter um projeto acarreta ainda erros de execução de
medidas e detalhes. "Isso gera quebras e remendos não planejados e custos
indiretos", diz Ararê.
Canteiro organizado. Um local de trabalho bagunçado é parceiro fiel do
desperdício. Os blocos começam a ser despejados na calçada, alguns se
quebram. São depois transportados a uma área de armazenamento e então
seguem para a obra. Isso ajuda a explicar por que há uma perda média de 13%
de blocos e tijolos (chegando a incríveis 48%). "Quanto mais se mexe, mais
quebras ocorrem", diz o engenheiro Ubiraci. Duas lições valem sempre:
limpeza e arrumação. Quanto mais organizado o canteiro, menor a chance de
perda de material. O básico é mantê-lo preservado de furtos, intempéries,
riscos de acidentes, e em local de fácil acesso. Se vários profissionais
trabalham ao mesmo tempo - pedreiro, encanador, assentador -, a obra tem de
oferecer meios físicos para um não atrapalhar o outro.
Furto. Essa maneira desagradável de perder material ocorre em obras
pequenas e até em grandes construções. Canteiros reduzidos, onde nem sempre
há espaço para guardar as compras, sofrem mais com isso. Deixar os produtos
na rua pode provocar furtos, além de multas da prefeitura (caso atravanquem
a passagem). O ideal é ter o muro pronto o mais cedo possível - ou então
uma estrutura temporária, mas resistente, como um pequeno galpão trancado a
cadeado. Se a empreitada é de grande dimensão e há materiais nobres,
contrate um zelador ou um segurança para tomar conta do lugar.
Transporte inadequado. Trata-se de qualquer forma de entrega dos materiais
que os danifique ou os inutilize. Por exemplo, quebra de blocos e tijolos
pelo caminho, areia e pedras espalhadas pela rua. A providência é simples:
prefira um fornecedor de confiança, confira se utiliza caminhão apropriado
e avalie o estado do material na hora da entrega. Cuidado também com o
carrinho de pedreiro: mal preparado, pode criar uma trilha de blocos
quebrados do local até a obra.
Perdas de tijolos vão de 1% a inacreditáveis 48%.
Inimigo oculto. Invisível e pouco conhecido, o desperdício de materiais
incorporados à obra é duas vezes maior do que a perda comum, materializada,
por exemplo, no entulho gerado. A proporção é dois terços no primeiro
contra um terço no segundo, de acordo com estudo* coordenado pelo
engenheiro Ubiraci Espinelli Lemes de Souza. Onde ele se esconde? Em
pilares, lajes, emboços e rebocos maiores e mais grossos do que o
necessário - pontos nos quais vale a pena prestar atenção. O resultado
numérico é relevante: a "sobreespessura" representou cerca de 80% da perda
encontrada, conforme dados da pesquisa. Essa perda, ou o consumo excessivo,
de material tem raiz em diferentes fases da obra: concepção, execução ou
utilização. "Uma construção que começa com erros básicos de níveis e prumos
acarreta desperdício de contrapisos e rebocos para correção dos pisos e
paredes", diz o arquiteto Ararê.
Estimado como razoável entre 5 e 10%, o desperdício de revestimento
cerâmico chega a 50%.
Materiais. Após os básicos, que chegam prontos (caso dos blocos), os
campeões são os moldados na obra - argamassa e gesso. Essa dupla responde
por grandes perdas no canteiro e requer uma instrução: orientar a mão-de-
obra a só produzir aquilo que de fato será utilizado no mesmo dia. Areia,
cimento e cal parecem escoar pelos dedos se forem armazenados de modo
incorreto (levados pela chuva, danificados pela umidade) ou se usados
incorretamente. Somados a tijolos e blocos, respondem por boa parte das
perdas físicas, do entulho e do gasto incorporado (veja no quadro da página
anterior). Devido ao preço menor, porém, dão menos ônus financeiro do que
materiais mais nobres. Cerâmica costuma ser outra fonte de desperdício, e
uma tendência atual aumenta o problema - as placas estão maiores. Dos
tradicionais azulejos de 15 x 15 cm chegamos aos de 60 x 60 cm. Ter de
recortar peças é uma fonte potencial de perda - ainda mais quando elas
cresceram e encareceram. Sem planejamento, a perda por cortes chega a 50%.
Vale lembrar ainda que há itens sujeitos a perdas simplesmente por serem
empregados sem observar seu tamanho-padrão. É o caso do ferro, disponível
em barras de 12 m de comprimento. Se a obra prevê pilares de 3 m, não gera
sobra.
Mão-de-obra. A engenheira Cleide Santos, da CVS Projetos e Obras, de
Barueri, SP, acha que o desperdício resulta em grande parte da formação
ruim da mão-de-obra e de maus hábitos. "Um exemplo é o pedreiro que assenta
blocos e não usa a argamassa que cai no chão - ela fica ali, seca e vai
para o entulho." E sugere: "O ideal seria o treinamento e a educação dos
profissionais, que muitas vezes aprendem nas próprias obras com outros
profissionais, já viciados nos costumes". Um dos trunfos para diminuir a
perda de material é empregar trabalhadores conscienciosos. Procure
referências sobre o desempenho de cada um em obras anteriores. Deixavam a
obra limpa? Desperdiçavam material? Mantinham tudo organizado? E, se
possível, procure pessoal capacitado, que passou por algum centro de
treinamento. Ali, a cultura do desperdício encontra um forte oponente. Veja
a pesquisa completa em
http://infolab.org.br/pdf/publicacoes/arquivos/104.pdf.
"Meu gasto foi bem acima do esperado. Isso foi causado no momento que as
paredes foram levantadas. Como estavam bastante irregulares, houve locais
em que o reboco chegou a 50 mm. Consumi cerca de 50 sacos de cimento a mais
do que o necessário. Infelizmente, nesse caso não tive como contornar a
situação. Ao menos as paredes estão aparentemente regulares." Camila di
Loreto Lace, São Leopoldo, RS