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Fisica Experimental 1

TRATAMENTO DE DADOS E ANÁLISE DE ERROS

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FÍSICA EXPERIMENTAL I Texto adaptado de: TRATAMENTO DE DADOS E ANÁLISE DE ERROS W. Prado, L. Mundim, J. U. Cinelli, J. R. Mahon, A. Santoro e V. Oguri IF - UERJ RESUMO 1.0 Introdução Todo experimento em Física envolve a medição de uma ou várias grandezas. Mesmo que as medições tenham sido feitas com todo o cuidado, os valores encontrados estão sujeitos, inevitavelmente, a incertezas. Ao caracterizarmos um conjunto de dados, utilizaremos esses conceitos para uma estimativa dos erros associados às medidas das grandezas físicas oriundos do processo de aquisição. 2.0 Caracterização de Dados Na caracterização de uma coleção de dados referentes a uma série de medições de uma grandeza física, usamos alguns quantificadores para expressarmos o resultado da medição da grandeza por meio de um valor numérico (média) e uma faixa de valores possíveis (dispersão) que expressa o intervalo de incerteza associada às medidas da grandeza física. 2.1 Parâmetros de posição relativos ao conjunto de dados Dada uma coleção de N dados: X = { x1 , x2 , x3 ,..., xN } , definimos: • Média Aritmética ( x ) : valor médio representativo dos dados de uma coleção. x= • N ∑x i =1 i ( ) Média Quadrática x 2 : valor médio dos quadrados dos dados de uma coleção. x2 = • x1 + x2 + ... + xN 1 = N N x12 + x22 + ... + xN2 1 = N N N ∑x i =1 2 i Raiz da Média Quadrática (root mean square – rms) ( xrms ) : também chamada de valor eficaz. xrms = x 2 • Moda ( xmod ) : o valor mais freqüente em uma coleção de dados. 1 • Mediana ( xmed ) : o valor que divide uma distribuição ordenada de dados, tal que metade dos dados está acima e metade abaixo desse valor. N (ímpar) → xmed = x( N +1) / 2 → xmed = N (par) xN / 2 + x( N / 2)+1 2 2.2 Parâmetros de dispersão relativos ao conjunto de dados São medidas da variabilidade de um conjunto de N dados e são expressos por: • Amplitude ( A) : diferença entre os valores máximo e mínimo do conjunto de dados. A = max( X ) − min( X ) • Desvio Médio Absoluto ( δ x ) : média dos módulos dos desvios em relação à média. δx = x1 − x + x2 − x + ... + xN − x N N xi − x i =1 N =∑ = 1 N N ∑δx i i =1 onde δ xi = ( xi − x ) é o desvio de cada xi em relação à média x . • Variância (σ x2 ) : média quadrática dos desvios em relação à média. ( x − x ) + ( x2 − x ) σ = 1 2 2 x + ... + ( xN − x ) N N =∑ i =1 • 2 2 = 1 N N ∑ (δ x ) 2 i i =1 2 ( xi − x ) = x2 − x N 2 Desvio Padrão (σ x ) : raiz quadrada (positiva) da variância. É um dos parâmetros de dispersão mais utilizados na Física. ( x1 − x ) + ( x2 − x ) 2 σx = = • 2 + ... + ( xN − x ) N 2 = 1 N N ∑ (δ x ) i =1 2 i ( xi − x )2 = x 2 − x 2 = σ x2 ∑ N i =1 N Desvio Padrão Experimental ou Amostral ( sx ) : para pequenas amostras (para N < 30 ) ( xi − x ) 2 ∑ N −1 i =1 N sx = 2 • Erro da Média (σ ) : desvio das médias de vários conjuntos de N medidas σ = • σx N = 1 N N ∑ ( xi − x )2 i=1 Erro da Média Experimental ou Amostral (σ ) : para pequenas amostras ( N < 30 ) σ = • sx N (x i − x ) 2 ∑ N (N −1) i =1 N = Erro relativo associado ao resultado de uma amostra de N medidas é definido como εx = σ x ou ε % = 100 σ x (%) onde σ é a incerteza considerada para a amostra, e x ≠ 0 é a estimativa considerada para o valor esperado de x . 2.3 Correlação entre duas variáveis Em algumas situações, a variação dos dados associados a uma grandeza parece acompanhar a variação dos dados correspondentes a uma outra grandeza. Nesses casos diz-se que existe uma forte correlação entre as grandezas ou variáveis comparadas. • A covariância (σ xy ) entre pares ( xi , yi ) de N medidas das grandezas x e y correspondentes ao mesmo elemento de um conjunto ou sistema físico é definida como a média dos produtos dos respectivos desvios ( δ xi e δ yi ), isto é, σ xy = 1 N N ∑ ( xi − x )( yi − y ) = i =1 1 N N ∑ δ xiδ yi = δ xiδ yi i =1 Se as grandezas são estatisticamente independentes a covariância resultante será nula, ou seja, as grandezas são não-correlatas. 3 Exercícios da Seção 2 1) Calcule explicitamente a média, a moda, a mediana e o desvio padrão para cada conjunto numérico abaixo usando a calculadora. Em seguida coloque os dados numa planilha eletrônica e usando diretamente as funções estatísticas do programa (Excel, OpenOffice, etc), ou outras montadas por você, reobtenha os mesmos parâmetros. Obs.: O Desvio Padrão deve ficar com apenas um único algarismo significativo. Todos os resultados devem ser escritos até a casa decimal do Desvio Padrão. a) 34 29 26 37 31 b) 5 8 12 3 9 c) 3 6 4 7 9 8 d) 500 600 800 800 500 900 900 900 900 1000 1100 Obs: No Excel as funções DesvpadP (Desvio Padrão), VarP (Variância), etc, com P no final (de População) usam N nas fórmulas estatísticas, enquanto as funções Desvpad, Var, etc, usam o valor (N-1) correspondendo a uma amostra da população, ou seja é o correspondente experimental, onde N<30. 2) Com relação aos 80 números dados a seguir, coloque-os numa planilha eletrônica e obtenha a média, a moda, a mediana, e o desvio padrão. 90 90 79 84 78 91 88 90 85 80 88 55 73 79 78 79 67 83 68 60 73 79 69 74 76 68 72 72 75 60 61 66 66 54 71 67 75 49 51 57 62 64 68 58 56 79 63 68 64 51 58 53 65 57 59 65 48 54 55 40 49 42 36 46 40 37 53 48 44 43 35 39 30 41 41 22 28 36 39 51 3) A tabela abaixo apresenta as idades (em anos) de 24 alunos de uma turma. Colocando estes dados numa planilha eletrônica faça o que se pede: 19,0 18,7 19,3 18,9 19,0 20,2 19,9 18,6 19,4 19,3 18,8 19,3 19,2 18,7 18,5 18,6 19,7 19,9 20,0 19,5 19,4 19,6 20,0 18,9 a) Calcule a média e o desvio padrão experimental. b) Inclua a idade idade do P. V., de 49,6 anos, e recalcule os parâmetros. 4 3.0 Estimativas em Medidas Diretas Em qualquer processo de medição ou de determinação do valor esperado de uma grandeza associada a um fenômeno físico, estão presentes os erros que caracterizam as incertezas inevitáveis que são devidas ao caráter aleatório do processo ou fenômeno envolvido, a imperfeições instrumentais, a procedimentos observacionais, a condições ambientais ou a hipóteses teóricas (modelos teóricos). O valor esperado de uma grandeza qualquer é um conceito hipotético. Mas mesmo sendo hipotético, o valor esperado de uma grandeza pode ser estimado a partir de um conjunto finito de medidas da grandeza que constitui os possíveis valores para estas medidas. Deste modo, como dissemos na seção 2.0, ao fazermos uma medição de uma grandeza física, o resultado da medição é uma estimativa numérica que indica o valor esperado e a incerteza associada a essa estimativa, e esse resultado é escrito como: Resultado da Medição de uma Grandeza = Estimativa do Valor Esperado Por exemplo, uma medida do período de um pêndulo simples ± Incerteza é escrita como: T = (1, 72 ± 0, 07) s ⇒ (1, 65 ≤T ≤ 1, 79) s . Essa representação significa que temos uma confiança de que a repetição da experiência fornecerá resultados entre 1, 65s e 1, 79s , com grande probabilidade. 3.1 Valor Esperado (Média) A melhor estimativa para o valor esperado de uma grandeza a partir de um conjunto de medidas diretas e cuidadosas é a média. 3.2 Incerteza É um parâmetro associado ao processo de medição que caracteriza a variação dos valores obtidos. A quantificação da incerteza é feita através dos parâmetros de dispersão (desvio padrão, por exemplo) da distribuição do conjunto de valores obtidos conforme mencionado na seção 2.2. As incertezas são classificadas conforme abaixo: Aleatórias (estatísticas) São reduzidas ao se aumentar o número de medições. Em geral associadas a efeitos aleatórios resultantes de flutuações inevitáveis no processo de medição. Em geral são devidas à má calibração ou imperfeição dos instrumentos, vícios na leitura (paralaxe do ponteiro) de uma escala ou mesmo numa montagem e manuseio Sistemáticas inadequados dos dispositivos experimentais, interferência do ambiente sobre a experiência como: temperatura, pressão, umidade, campo magnético terrestre, e também, em uma medida indireta, devido ao uso de fórmulas teóricas aproximadas ou de valores aproximados de constantes físicas nas mesmas. 5 Na determinação do valor esperado de uma grandeza são definidos os seguintes conceitos relacionados à incerteza. • Exatidão ou acurácia: é o afastamento (diferença) entre uma estimativa final e o valor esperado de uma grandeza. Em geral associada a efeitos sistemáticos resultantes de imperfeições instrumentais, observacionais ou teóricas. • Precisão: caracteriza a dispersão das medidas de uma grandeza em torno da média. Em geral associada a efeitos aleatórios. • Erro relativo associado ao resultado de uma amostra de N medidas é definido como εx = σ x ou ε % = 100 σ x (%) onde σ é a incerteza considerada para a amostra, e x ≠ 0 é a estimativa considerada para o valor esperado de x . O erro relativo permite avaliar se o resultado de uma medição é mais preciso que o de outra, independentemente de se tratar da mesma ou de outra grandeza. Um exemplo, que ilustra claramente a diferença entre incertezas aleatórias e sistemáticas, pode ser visualizado a partir da analogia de um experimento com uma sucessão de tiros a um alvo, como vemos na figura abaixo: Tiros certeiros, ou medidas acuradas, são marcas (pontos) próximas ao centro do alvo. Erros aleatórios (dispersão dos pontos) são causados por condições ambientais ou descontrole involuntário do atirador. Em (a) e (c), os erros aleatórios são “pequenos” (menor dispersão ⇒ maior precisão), enquanto que em (b) e (d), os erros aleatórios são “grandes” (maior dispersão ⇒ menor precisão). Quanto aos erros sistemáticos, enquanto em (a) e (b) são “pequenos” (menor afastamento entre a estimativa final e o valor esperado ⇒ maior exatidão), em (c) e (d) são “grandes” (maior afastamento entre a estimativa final e o valor esperado ⇒ menor exatidão). O exemplo acima ilustra o caso no qual, além da precisão (dispersão – erros aleatórios), a exatidão (afastamento entre a estimativa final e o valor esperado – erros sistemáticos) pode ser também avaliada, uma vez que o alvo ou um valor de referência é conhecido a priori. Entretanto, em um grande número de experimentos, como na determinação de uma nova constante física, ou mesmo, simplesmente, de um valor particular para uma grandeza como a 6 massa de um corpo qualquer, não se conhece o valor de referência. Nestes casos, a analogia com a sucessão de tiros é melhor ilustrada retirando-se o alvo, ou seja: Deste modo, podemos apenas analisar a dispersão dos tiros, e concluir que os erros aleatórios (dispersão) em (a) e (c) são menores do que em (b) e (d), mas não podemos indicar em qual das situações os erros sistemáticos são menores, ou os tiros foram mais certeiros. Na verdade, é neste cenário que ocorre a maioria dos experimentos, ou seja, pelo exame das medidas podemos estimar facilmente os erros aleatórios, mas não os sistemáticos. A classificação ortodoxa das incertezas, enquadradas como aleatórias ou sistemáticas, foi modificada, e atualmente as incertezas são classificadas simplesmente como incertezas do tipo A (aquelas cujas estimativas são avaliadas por métodos estatísticos) e incertezas do tipo B (aquelas avaliadas por outros métodos). 3.3 Avaliação de erros associados a Incertezas do Tipo A (estatísticas ou aleatórias) A determinação do erro associado a incertezas do tipo A é obtida através de uma estimativa a partir dos resultados de uma série de medições diretas da mesma grandeza e esta estimativa se baseia na hipótese ou constatação que, quando o número de medidas cresce progressivamente, a distribuição de freqüências dessas medidas tende a uma distribuição, como por exemplo, a distribuição Normal, f (x ) = 1 σ x 2π e    1 x −x −   2  σx  2       = 1 σ x 2π e    x −x − 2   ωo  2       , onde x é o valor esperado (média) de x , σ x é o desvio padrão de x e ωo = 2σx . A figura a seguir mostra a forma desta distribuição. 7 y/fmáx 1,0 0,8 σ=3 0,6 0,4 0,2 2σ = 6 -2 e 3σ = 9 0,0 -4 -2 0 2 4 x=5 6 Fig. Curva de distribuição Normal, onde y = A característica fundamental de um conjunto { xi } 10 ω0 12 8 14 x 2   ( x−5)  −   2(32 )    1 e 3 2π . de N medidas de uma grandeza x cuja distribuição de freqüências é uma distribuição Normal com média x e desvio padrão σ x , é que: • 68,3% das medidas estão entre x − σ x • 95,5% das medidas estão entre x − 2σ x e x + 2σ x • 99,7% das medidas estão entre x − 3σ x e x + 3σ x e x +σx Deste modo, se caracterizássemos o resultado da medição por uma das medidas da amostra, o desvio padrão fixaria um intervalo de variação ou incerteza para essa medida escolhida. Esse parâmetro de dispersão é interpretado como uma estimativa para o erro associado a cada medida, ou seja: Uma estimativa para o erro em cada medida de uma grandeza medidas diretas definida por { xi } , é o desvio padrão x , a partir de um conjunto de σ x , já que quase 70% das medidas estão dentro da faixa σ x em torno da média x . 3.3.1 Erro da Média Ao se repetir várias vezes o processo de medição, obtendo-se vários conjuntos amostrais (baterias) cada um com N medidas de uma grandeza x , resultam várias distribuições amostrais com médias distintas, mas bem próximas e praticamente com o mesmo desvio padrão σ x em torno da média de cada bateria. A distribuição das várias médias amostrais (das várias baterias) (x ) , quando o número N de medidas for suficientemente grande (valores de N ≥ 30 ), pode ser aproximada por uma distribuição Normal com média x (média das médias de cada bateria) e 8 desvio padrão muito menor dado por σ = σx N . Esta é uma boa estimativa para o erro associado a cada média amostral, ou seja: Uma estimativa para o erro na estimativa do valor esperado, ou seja, para o erro da média, a partir de um conjunto de N ( N grandeza ≥ 30 ) medidas diretas { x1 , x2 , x3 ,..., xN } de uma mesma N σx 1 = N N x , com desvio padrão σ x é dada por σ = ∑ i =1 2 ( xi − x ) N (desvio padrão amostral). 3.3.2 Pequenas Amostras É muito comum a situação em que o conjunto obtido das N medidas em uma medição é pequeno, tipicamente N < 30 . Neste caso, uma melhor estimativa para o desvio padrão da distribuição parental e, portanto, a melhor estimativa para o erro de cada medida, a partir de uma pequena amostra de N medidas de uma grandeza x , é dada por, sx = ( x1 − x )2 + ( x2 − x ) 2 + ... + ( xN − x ) 2 = N −1 ( xi − x )2 ∑ N −1 i =1 N e sx é chamado de desvio padrão experimental. A melhor estimativa para o valor esperado e a incerteza associados a uma grandeza uma pequena amostra de N onde x = 1 N ( N < 30) medidas diretas x , extraída de { x1 , x2 ,..., xN } é dada por x ± σ < x > , N ∑x i =1 i , é a média das medidas ( xi − x ) 2 sx = ∑ , é o erro de cada medida N −1 i =1 N σ ε= s = x = N σ x ( xi − x )2 , é o erro da média. ∑ i =1 N ( N − 1) N , é o erro relativo da média. 3.4 Nível de Confiança Numa distribuição estatística o erro associado a uma estimativa define um intervalo de variação ou incerteza em torno da média ao qual se pode atribuir um nível probabilístico (percentual) de confiança, e que também pode caracterizar a incerteza em substituição ao erro (por exemplo, os estatísticos preferem dar o resultado na forma x ± 5% ou x com intervalo de 9 confiança de 90%, do que como os físicos que costumam escrever diretamente em termos do erro, x ± ε ). Conforme dissemos na seção 3.3 que, se considerarmos que as medidas de uma grandeza x têm, por exemplo, uma distribuição Normal e caracterizarmos o erro em uma estimativa para o valor esperado ( x ) da grandeza como sendo σ (desvio padrão da distribuição das médias), isso significa que o intervalo ( x − σ< x> , x + σ ) garante um nível de confiança de 68,3% de que realmente o valor esperado para a grandeza esteja neste intervalo, pois 68,3% das medidas estão entre x − σ e x + σ . A tabela abaixo mostra alguns intervalos de confiança típicos para uma grandeza x com distribuição normal e seus níveis de confiança correspondentes. INTERVALO DE CONFIANÇA NÍVEL DE CONFIANÇA ( x − 1σ < x > , x + 1σ < x > ) 68,3% ( x − 2σ < x > , x + 2σ < x > ) 95,5% ( x − 3σ < x > , x + 3σ < x > ) 99,7% A partir de uma amostra { x1 , x2 ... xN } nível de confiança de que o intervalo 68,3%, onde x = 1 N i =1 x, o ( x − σ< x> , x + σ ) contenha o seu valor esperado é de ( xi − x ) 2 ∑ i =1 N ( N −1) N N ∑ xi de medidas, diretas e independentes, de uma grandeza e σ = 3.5 Avaliação de erros associados a incertezas do tipo B (sistemáticas ou instrumentais) Em alguns casos, o valor de uma grandeza não é estimado a partir de observações repetidas e diretas da grandeza. Por exemplo, se as flutuações das medidas forem menores que a sensibilidade do instrumento de medição utilizado, os erros aleatórios (ou seja, do Tipo A) serão menores que os erros instrumentais (ou seja, do Tipo B) resultantes. O efeito de uma limitação instrumental pode ser avaliado a partir de um caso extremo, no qual o resultado é dado por uma única medida. Como caracterizar o resultado devido a uma única medida? Qual o nível de confiança que se deve atribuir a esse resultado? A avaliação do erro associado a incertezas do Tipo B é baseada em toda a informação disponível sobre a variabilidade da estimativa do valor esperado, como propriedade dos materiais envolvidos ou especificações do fabricante do instrumento utilizado. O procedimento, de certo modo semelhante à avaliação dos erros associados a incertezas do Tipo A, consiste em admitir que os valores possíveis para as medidas, devido a incertezas do Tipo B, obedecem a uma distribuição 10 hipotética, de acordo com o conhecimento e informação disponíveis sobre a variabilidade das medidas. Como regra geral o resultado da leitura de uma medição deve incluir todos os dígitos que o instrumento de medição permite ler diretamente mais um dígito que deve ser estimado pelo observador. Por exemplo, quando se mede a dimensão de um objeto com uma régua milimetrada (instrumento analógico), a medida (leitura) deve incluir um dígito correspondendo à casa do décimo de milímetro, e que será estimado pelo observador (experimentador). Outro exemplo, quando se lê a tensão da rede através de um voltímetro digital (instrumento digital), desde que a escala do instrumento tenha sido escolhida de forma apropriada, é observada uma flutuação apenas no último dígito, e o observador deverá estimar este último dígito com base na flutuação observada. Assim, como o resultado da leitura de uma medida é da forma x ± σ então o valor de x deve seguir a recomendação geral acima e o valor de σ deve ser estimado conforme a seguir, dependendo do instrumento utilizado ser analógico ou digital. 3.5.1 Instrumentos Analógicos Os instrumentos ou aparelhos de leitura direta em escala, tais como uma régua metálica, multímetros, cronômetros, termômetros ou osciloscópios analógicos, apresentam uma resolução ou limite de erro ( L ) , para leitura, que é igual à menor divisão da escala do instrumento. O limite de erro ( L ) tem a mesma dimensão da grandeza medida. Por exemplo, no caso do termômetro clínico de mercúrio, o comprimento da menor divisão visual da escala é da ordem de 1 mm e corresponde a 0,1 o C , de modo que o limite de erro desta escala é L = 0,1 oC . A resolução de instrumentos elétricos, como multímetros e osciloscópios, depende, não só da leitura, como também da sensibilidade do aparelho em relação às variações de tensão ou corrente. Neste caso, a menor divisão da escala só é adotada como limite de erro, se a sensibilidade for menor do que a menor divisão, ou seja, o limite de erro é o maior valor entre a sensibilidade do aparelho e a menor divisão da escala. No caso de cronômetros acionados manualmente, a resolução depende também do intervalo de tempo entre um estímulo sensorial e o acionamento do aparelho, ou seja, do tempo de reação humano, que é da ordem de 0,1 s , ou seja, o maior deles será o limite de erro. Geralmente, caracteriza-se o erro associado a uma única medida ( x) de uma grandeza, através de um instrumento de leitura em escala, cujo comprimento da menor divisão seja da ordem de 1 mm , como sendo ½ do limite de erro. Com isso podemos apresentar o resultado da medida na forma usual (com nível de confiança de 68,3%) como: 11 x±σ = x± L 2 ( para 1 mm div ) Por exemplo, voltando ao caso do termômetro clínico citado acima, cujo limite de erro seja L = 0,1 o C , e que fornecesse uma leitura mostrada na figura ao lado, então a temperatura medida seria dada como: T = 38, 46 oC ± 0,1 o C = (38, 46 ± 0, 05) o C 2 Note que estes são erros sistemáticos quando se efetua uma série de medidas de uma grandeza com um instrumento de leitura direta em escala. Em geral, medidas resultantes de leitura em escala direta que não dependem da reação do observador sendo dominadas pela resolução do instrumento (quando esta é suficientemente pequena, como em escalas cujo comprimento da menor divisão seja da ordem de 1mm ), necessitam apenas de uma única leitura (numa medida cuidadosa) para a estimativa do valor da grandeza. Mas se a leitura da medida de uma grandeza depender da reação do observador e a resolução do instrumento for muito menor que essa reação, então é melhor realizar várias leituras, nas quais o tempo de observação seja muito maior que o de reação, para se diminuir a incerteza. Por exemplo, no caso da medição do período de um pêndulo por um cronômetro de resolução da ordem de centésimo de segundo, pode-se medir, diversas vezes, o tempo de várias dezenas de períodos (dividindo depois pelo número de períodos) e tomar o valor esperado como sendo o valor médio dos períodos obtidos e a incerteza como sendo do tipo A dada pelo desvio padrão dos resultados. 3.5.2 Instrumentos digitais No caso de instrumentos digitais de leitura direta não existem erros de leitura, pois estes mostram todos os algarismos da leitura correspondente à medida, mas podem ocorrer flutuações no último dígito de ( x ) mostrado de acordo com a escala utilizada. Neste caso, costuma-se adotar o limite de erro de flutuação Lf = (Lf ) , como sendo a metade da variação, ou seja, xmax − xmin L , de modo que o erro associado seja 1/3 do limite de erro, ou seja, σ f = f . 3 2 Assim o resultado final é escrito com o último algarismo significativo estimado como X = X max + X min . 2 Mesmo quando não há flutuação no último algarismo do mostrador, o fabricante do instrumento fornece no seu manual um limite de erro de calibração em termos de dois parâmetros a e b da seguinte forma: Lc = a % (leitura) + b dígito (último algarismo). Em 12 geral se atribui um nível de confiança de 95% a esta possível variação, de modo que se considera σc = Lc . 2 Entretanto, algumas vezes, especialmente no caso de instrumentos mais simples, o limite de erro de calibração (Lc ) não é fornecido, e neste caso, ele deve ser estimado como igual à menor divisão da escala e o erro de calibração como: σc = Lc . 2 Portanto, se uma medida com um instrumento de leitura digital de leitura direta está sujeita aos dois tipos de erro, o erro final devido aos dois fatores será L σ = σf2 + σc2 =  f  3 2 2  +  Lc  .   2  3.6 Erro Padrão Uma vez determinados os erros do tipo A e do tipo B, ou seja, σ A e σ B , com nível de confiança de 68%, então o chamado erro padrão da estimativa do valor esperado de uma grandeza é dado pela combinação σ = σ A2 + σ B2 , de acordo com a resolução do GUM (Guia para Expressão da Incerteza de Medição). Mas, apesar desta recomendação formal do GUM, a maioria dos pesquisadores, ainda prefere não combinar os diversos tipos de erro, mantendo-os separados, apresentando o resultado de uma medição na forma x ± σestat ± σ sist ou x ± σ A ± σB . Em experimentos realizados em laboratórios de ensino se costuma usar um dos seguintes procedimentos: • As incertezas do tipo B (instrumentais) são dominantes e a estimativa do valor de uma grandeza é feita com uma única medida. • As incertezas do tipo A (aleatórias) são avaliadas e efeitos sistemáticos são procurados somente quando houver discrepâncias significativas. Assim, apenas quando houver uma diferença significativa entre uma estimativa e o valor de referência, ou entre duas estimativas distintas, é que se examinam possíveis efeitos sistemáticos que possam causar tal discrepância. 3.7 Algarismos significativos, arredondamento e modos de expressar medidas. Ao se apresentar um resultado numérico para o valor esperado de alguma grandeza surge a questão prática de saber com quantos algarismos deve-se expressar o resultado de modo a evitar o uso de casas decimais que representem valores menores que o erro padrão bem como a 13 omissão de algarismos que representem valores acima do erro. Assim o número de algarismos depende do erro padrão o qual deve ser estimado antecipadamente e os algarismos usados para expressar o resultado são chamados de algarismos significativos. Em geral se expressa o próprio erro padrão por um único algarismo significativo (fazendo um arredondamento, se necessário) e a estimativa do valor médio da grandeza com algarismos até a mesma casa decimal correspondente do erro. Por exemplo, se na estimativa da média e do erro padrão de uma grandeza a calculadora apresentou os valores x = 73, 428 mm e σ = 0, 247 mm , então devemos expressar o erro como σ = 0, 2 mm com um único algarismo significativo (pois se o erro já aparece na primeira casa decimal não faz sentido manter algarismos além desta casa) e também devemos expressar a média como x = 73, 4 mm com os três algarismos significativos indo somente até a casa do erro, descartando os algarismos da segunda e terceira casas decimais que não são significativos, fazendo um arredondamento se necessário. O último algarismo significativo da média, no caso o dígito 4, é chamado de algarismo duvidoso pois é da mesma ordem de grandeza do erro. Esta terminologia reflete o conceito de que os algarismos à direita do algarismo duvidoso não transmitem informação a respeito da magnitude da grandeza, sendo ao contrário ilusórios, e devem, portanto, ser abandonados de acordo com a regra de arredondamento dada adiante. Assim o resultado final deve ser expresso como (73, 4 ± 0, 2) mm ou na forma alternativa 73, 4(2) mm . Os algarismos situados à direita do algarismo duvidoso (no caso acima, os algarismos 2 e 8) devem ser abandonados, após se fazer uso da seguinte regra de arredondamento: se o algarismo da casa decimal seguinte à do algarismo duvidoso for maior ou igual a 5, ele é descartado depois de se aumentar de uma unidade o algarismo anterior (o algarismo duvidoso); se for menor que 5, ele é descartado sem alterar o precedente. No caso de leitura de um instrumento de medida conforme dissemos anteriormente, o resultado deve incluir todos os dígitos que o instrumento de medição permite ler diretamente mais um dígito que deve ser estimado pelo observador o qual será o último algarismo significativo, o algarismo duvidoso. Por exemplo, no caso do termômetro clínico citado anteriormente, o dígito 6 foi obtido por uma avaliação particular do experimentador, sendo assim o algarismo duvidoso. 3.8 Operações com Medidas sem Indicação Explícita do Erro Uma vez que a análise de erros pode exigir um grande esforço de cálculo e, portanto, um longo período de tempo para a sua realização, freqüentemente, na prática de laboratório, a análise é adiada para uma ocasião mais propícia, e, para isso, utilizamos algumas regras que permitem a realização de operações rápidas com medidas. 14 Toda grandeza experimental deve, em princípio, ser acompanhada de uma indicação da incerteza ( x ± Incerteza) . Entretanto, em alguns casos, a própria incerteza não está explícita e, essas convenções podem ser utilizadas para resolver o problema. Para estabelecer essas regras pode-se adotar como incerteza de uma medida a variação de um dígito em seu último algarismo significativo (o algarismo duvidoso). Por exemplo, a operação 0,91 x 1,23 poderia resultar em 1,1193 (conforme o resultado da calculadora) ou arredondando para 1,12 ou 1,1. O resultado 1,1 acentua demais o erro devido ao arredondamento, pois cada um dos fatores (0,91 e 1,23) é conhecido com incerteza máxima de cerca de 1%, enquanto ao resultado de 1,1 é atribuída uma incerteza máxima de cerca de 10%. O resultado 1,1193 é de uma pretensa exatidão absurda, pois nem todos os números são realmente significativos. O melhor valor que mantém a margem de incerteza em 1% para o resultado é 1,12. Assim, como regra prática, na multiplicação ou divisão, cada fator pode ser aproximado para ter a mesma precisão que a do fator menos preciso. Por exemplo, 2, 8× 29, 4 = 82,32 = 82 5, 3 ÷ 748 = 0, 007088 = 0, 0071 Na adição ou subtração, como os maiores valores dominam o erro total, o resultado em geral contém, na parte inteira, o mesmo número de algarismos significativos que a maior parcela e, na parte decimal, o mesmo número de algarismos significativos que a parcela com menor parte decimal. Exemplos: 28, 5 7146 +1,87 30,37 − 12,8 7133, 2 ⇒ 30, 4 ⇒ 7133 3.9 Compatibilidade e Significância 3.9.1 Comparação entre uma estimativa e um valor de referência Apesar de o valor esperado de uma grandeza ser “hipotético”, as tabelas de constantes físicas apresentam um valor de referência (por ex.: o valor da velocidade da luz no vácuo, a carga do elétron, etc.) para cada constante física fundamental, tomado como valor esperado e que, geralmente, é um valor teórico adotado por convenção ou provém de um experimento padrão o qual se acredita mais acurado do que qualquer outro. A análise da discrepância entre uma estimativa do valor de uma grandeza x , ou seja, entre uma média experimental x , e um valor de referência xref , isto é, x − xref , ou da compatibilidade desse valor de referência com os dados, requer avaliação, tanto das 15 incertezas estatísticas (aleatórias), quanto das sistemáticas associadas à medição ou experimento. Para isso, comparamos a discrepância, x − xref , com o erro padrão, σ , da estimativa. Se: • x − xref menor ou até ligeiramente maior do que σ ⇒ discrepância não significante, a estimativa é compatível com o valor de referência; • σ < x − xref < 2σ< x> ⇒ discrepância nem tão grande nem desprezível e o resultado pode ou não ser aceitável, ficando a critério de cada um. Neste caso, o melhor é dar o resultado estimado com seu nível de significância numérico. • 2σ< x> < x − xref < 3σ ⇒ discrepância significante, a estimativa é incompatível com o valor de referência e o experimento é inconclusivo; • 3σ < x − xref ⇒ discrepância “estatisticamente significante” e é inaceitável. 3.9.2 Comparação entre duas estimativas O mesmo procedimento pode ser utilizado para compararmos duas estimativas x1 e x2 do valor de uma mesma grandeza x , caracterizadas pelos erros padrões σ e σ . • ( ) Se os intervalos de confiança das estimativas, x i − σ , x i + σ , interceptam-se no nível de confiança de 68,3% , a compatibilidade está assegurada. • Se os intervalos de confiança forem disjuntos, aumenta-se o nível de confiança até que haja interseção. De tal forma que, para interseções até o nível de 95,5%, ou seja de 2 σ , a compatibilidade é julgada aceitável, e acima de 3 σ , inaceitável. De maneira mais rigorosa, pode-se tentar a compatibilidade com o zero, ou seja, compara-se a discrepância x1 − x2 entre as estimativas com o valor zero, com erro dado pela composição σ = σ<2 x1> + σ<2 x2 > . Por exemplo, suponha que a densidade do ferro, cujo valor de referência seja ρref = 7,86 g cm3 , tenha sido estimada num experimento como ρ1 ± σ<ρ1> = (8,1 ± 0, 2) g cm3 , onde σ<ρ1> é o erro padrão. 16 A discrepância ρ1 − ρref = 8,1− 7,86 = 0, 24 ≅ 1σ<ρ1> (= 0, 2) , não é significativa e, portanto, a estimativa é compatível com esse valor de referência. Se a estimativa de um segundo experimento é ρ2 ± σ<ρ2 > = (8, 4 ± 0,1) g cm3 , vemos que a discrepância ρ2 − ρref = 8, 4 − 7,86 = 0,54 > 3σ<ρ2 > (= 0, 3) , é estatisticamente significante, de modo que a estimativa é incompatível com o valor de referência. Na falta de maiores informações sobre os procedimentos experimentais e as análises de erros, podemos concluir sobre a discrepância significante do segundo experimento que, provavelmente, algum efeito sistemático não identificado ocorreu durante as medições. No entanto, comparando as duas estimativas entre si, precisamos aumentar o nível de confiança até o nível de 95% (ou 2σ ) para haver interseção, de modo que a compatibilidade é aceitável. Do mesmo modo, podemos verificar a compatibilidade com o zero, ou seja, comparamos a discrepância entre as estimativas, ρ1 − ρ2 = 8,1− 8, 4 = 0,3 , com o valor zero, e usamos o erro dado pela composição σ = σ<2 ρ1> + σ<2 ρ2 > = 0, 22 + 0,12 = 0, 2 , ou seja, são compatíveis no nível de 95%. 17 Exercícios da Seção 3 1) O conjunto abaixo representa 5 medidas da aceleração da gravidade g (em m / s 2 ). {9,9; 9,6; 9,5; 9,7; 9,8} Qual a melhor estimativa e a respectiva incerteza para o valor esperado? 2) O conjunto abaixo representa 5 medidas da carga do elétron (e) em unidade de 10−19 C . {1,5; 1,7; 1,8; 1,4; 1,6} Qual a melhor estimativa e a respectiva incerteza para o valor esperado? 3) Após determinar a velocidade do som em várias baterias de medidas, a dispersão em cada uma das baterias, caracterizada pelo desvio padrão, foi da ordem de σv = 10 m / s . Quantas medidas são necessárias, numa bateria, para que a incerteza na estimativa seja da ordem de 3m / s ? 4) De um conjunto de medidas de uma grandeza, a média e o desvio padrão são, respectivamente, 23 e 1. Que frações percentuais de leitura são esperadas nos seguintes intervalos: a) (22, 24) b) (21, 23) c) (24, 25) 5) As medidas da densidade de um líquido (em kg / m3 ) são: {1,8; 2,0; 2,0; 1,9; 1,8} a) Qual a melhor estimativa para a densidade do líquido? b) Se o valor de referência para a densidade do líquido é 1,85 kg / m3 , analise a discrepância entre a melhor estimativa e esse valor de referência. 6) Dois experimentos em Física de Altas Energias anunciam a descoberta de uma nova partícula. As massas apresentadas, com nível de confiança de 68%, são: m1 = (7,8 ± 0, 2)×10−27 kg m2 = (7, 0 ± 0, 3)×10−27 kg Esses valores podem representar a massa de uma mesma partícula? Argumente estatisticamente. 7) Três grupos de estudantes determinam a carga do elétron, com nível de confiança de 68%, como 18 e1 = (1, 72 ± 0, 04)×10−19 C e2 = (1, 75 ± 0, 07)×10−19 C e3 = (1, 62 ± 0, 04)×10−19 C Se o valor de referência para a carga do elétron é 1, 60×10−19 C , quais das estimativas são satisfatórias? 8) Um físico ao estudar uma reação nuclear encontra que, as energias e os respectivos erros padrões, no início ( Ei ) e ao final ( E f ) do processo são: Ei = 75 ± 3 MeV e E f = 60 ± 9 MeV A discrepância é significativa ao nível de 5%? 9) Um estudante apresenta como estimativa da aceleração da gravidade o resultado (9,5 ± 0,1) m / s 2 . Se o valor de referência é 9,81 m / s 2 , analise esse resultado estatisticamente. 10) Em um experimento para verificar a lei de conservação do momento angular ( L ), um estudante obtém os seguintes resultados: Linicial ( kg m 2 / s ) L final ( kg m 2 / s ) 3, 0 ± 0,3 2, 7 ± 0, 6 7, 4 ± 0,5 8 ±1 16,5 ± 0, 6 14,3 ± 1 25 ± 2 22 ± 2 24 ± 2 31 ± 2 37 ± 2 41 ± 2 São esses resultados consistentes com a lei de conservação? 19 4.0 Estimativas em Medidas Indiretas A estimativa do valor esperado e incerteza de uma grandeza z em que as medidas zi são obtidas indiretamente através da medida direta de outra grandeza x da qual z depende através de uma relação conhecida a priori z = g ( x) , de modo que, para cada resultado de uma medida xi , teremos zi = g ( xi ) é chamado de propagação de erros. O interesse é desenvolver relações teóricas que nos permitam obter o valor esperado e a incerteza da grandeza de medida indireta a partir do valor médio e do desvio padrão da grandeza de medida direta da qual depende a grandeza de medida indireta. Um outro caso é quando duas grandezas x e y são medidas diretamente resultando numa amostra de N pares ( xi , yi ) de medidas que podem estar relacionadas por uma relação funcional conhecida a priori ou postulada, de modo que parâmetros ajustáveis fixam a dependência entre as grandezas x e y diretamente medidas. O problema então consiste em determinar os parâmetros que melhor ajustam os valores de x e y dados pela expressão funcional conhecida, com os valores ( xi , yi ) dos dados experimentais. Este tipo de problema se chama ajuste de funções. 4.1 Propagação de Erros Se uma grandeza de medida indireta w é uma função dada do par ( x, y ) de grandezas diretamente mesuráveis de modo que w = f ( x, y ) , então para cada medida índice i dentre as N medidas diretas de x, y teremos wi = f ( xi , yi ) com o valor esperado de w sendo w = 1 N N ∑w i = i =1 N 1 N ∑ f (x i ,yi ) i =1 e com uma incerteza dada por σw = w 2 − (w )2 = 1 N N 2 ∑ [f (x i , y i ) ] − i =1 1 N2 N N ∑∑ f (x i , y i ) f (x j , y j ) i =1 j =1 Expressões aproximadas para w e σw em termos de x , y , σ x , σ y , σ xy são dadas conforme a seguir. Considerando uma série de Taylor até primeira ordem em torno dos valores médios (x, y ) , wi = f ( xi , yi ) ≅ f ( x , y ) + ( xi − x ) ∂f ∂f + ( yi − y ) , ∂x ∂y onde usamos a notação 20  ∂  ∂f = f ( x , y )  ∂x  x =x ∂x y =y  ∂  ∂f f ( x , y ) =  x =x ∂y  ∂y y =y e de modo que w= 1 N N N 1 N 1 ∂f N 1 ∂f ∑ w ≅ N ∑ f ( x , y ) + N ∑ ( x − x ) ∂x + N ∑ ( y − y ) ∂y . i i i =1 i =1 i i =1 i =1 Mas, como 1 N N ∑ xi = x N 1 N e i =1 ∑y i =y , i =1 então obtemos o resultado aproximado: w = f (x , y ) que é a melhor estimativa para o valor esperado de w . Assim podemos escrever: w i = w + (x i − x ) ∂f ∂f +( y i − y ) ∂x ∂y . Para obtermos σw precisamos de w2= 1 N N ∑w 2 i . i =1 Mas como  ∂f ∂f  w ≅  w + ( xi − x ) + ( yi − y )   ∂x ∂y  2 2 i 2 2  ∂f   ∂f  ∂f ∂f 2 ≅ w + 2 w( xi − x ) + 2 w( yi − y ) + ( xi − x )   + ( yi − y ) 2   +  ∂y   ∂x  ∂x ∂y 2  ∂f  ∂f  + 2( xi − x )( yi − y )     ∂x  ∂y  então fazendo a somatória em i , dividindo tudo por N e usando o resultado para w , obtemos  ∂f w = w + σ   ∂x 2 2 2 x 2   + σ 2  ∂f y  ∂y  2   ∂f  + 2σx y   ∂x    ∂f  ∂y   ,  de modo que, nesta aproximação de primeira ordem, teremos: 2 σw2 = w 2 −(w ) , de modo que:  ∂f σw = w − (w ) = σ   ∂x 2 2 2 x 2   + σ 2  ∂f y  ∂y  2   ∂f  + 2σ x y   ∂x   ∂f   ∂y    onde lembramos que a covariância entre x e y é dada por 21 σx y = Como σ = σw N 1 N N ∑ (x i − x )( y i − y ) i =1 , então, dividindo tudo por N , podemos obter o resultado aproximado para o erro padrão da estimativa (a chamada equação da propagação de erros ou Teorema de Superposição dos Erros): σ =  ∂f 2 2  + σ< y >   ∂x   ∂y  ∂f σ<2 x >   2 σx y  + 2 N   ∂f   ∂x  ∂f   ∂y    Em muitos casos as grandezas x e y medidas diretamente não têm correlação entre si (são variáveis estatisticamente independentes), de modo que σx y = 0 , e assim a expressão se reduz a: σ =  ∂f 2 2  + σ   ∂y  ∂x   ∂f σ<2 x >   2  , σx y = 0  Como um exemplo de aplicação da propagação de erros podemos determinar o erro padrão da estimativa do valor do ângulo de refração (θt ) da luz em termos do erro padrão e da melhor estimativa do valor esperado do ângulo de incidência (θinc ) da luz num meio de índice de refração n. ninc sen (θinc ) = nt sen (θt ) ⇒ sen (θt ) = 1 sen (θinc ) n como θt = θt (θinc ) então temos que σ<θt > = σ<θinc > d θt d θinc derivando sen (θt ) em relação a θinc temos dsen(θt ) dθ 1 = cos(θt ) t = cos(θinc ) d θinc d θinc n de modo que σ<θt > = σ<θinc > d θt cos(θinc ) cos(θinc ) 1 cos(θinc ) = = = e assim teremos d θinc n cos(θt ) n 1− sen 2 (θt ) n 2 − sen 2 (θinc ) cos (θinc ) n cos (θt ) = σ<θinc > cos (θinc ) n 2 − sen 2 (θinc ) 22 4.2 Ajuste de Funções Quando temos duas grandezas x e y medidas diretamente e que podem estar relacionadas por uma forma funcional conhecida a priori ou postulada, tal que, y = f ( x; a1 , a2 ...an ) , e onde os ai são os n parâmetros ajustáveis que determinam a relação entre as grandezas x e y , então precisamos encontrar os parâmetros ai que melhor ajustem os valores de x e y dados pela função, com os valores xi , yi dos dados experimentais, ou seja precisamos fazer um ajuste de funções. A situação mais simples é quando o coeficiente de correlação linear entre o par de grandezas ( x, y ) é bem próximo da unidade e, portanto, a variação de y em função de x pode ser expressa por uma relação linear, y = a x+b onde os parâmetros da reta, os coeficientes angular, a , e linear, b , são estimados por: a= σ xy σ x2 b = y −a x , e os erros (incertezas) no ajuste linear:  yi − y ( xi ) 2  = εy = ∑  N − 2 i=1 N σa = N ∑ i=1 2 ( yi − axi − b) N −2 (erro em cada medida de y) 1 εy (incerteza associada ao coeficiente angular) σx N σb = σa x 2 (incerteza associada ao coeficiente linear) onde: σx = σy = σx y = 1 N 1 N 1 N N 2 ∑(x j − x ) (desvio padrão das medidas de x) (desvio padrão das medidas de y) j =1 N 2 ∑( y j − y) j =1 N ∑ (x i − x )( y i − y ) (covariância) i =1 Vale salientar que a relação entre as grandezas não precisa ser necessariamente linear, uma vez que várias relações podem ser transformadas em relações lineares. 23 Exercícios da Seção 4 1) Os dados abaixo representam a posição d e o instante de tempo t do deslocamento de um objeto em movimento retilíneo uniforme em um trilho de ar, ou seja, sem atrito. Determine a velocidade do objeto. t (s) 4 6 8 10 12 d (cm) 13 25 34 42 56 2) Se o volume (V ) de uma amostra de gás é mantido constante, enquanto sua pressão ( P) varia, a temperatura (T ) em graus Celsius obedece a relação T = aP + b onde a e b são constantes e b é denominada temperatura do zero absoluto cujo valor de referência é -274,15 oC. a) Verifique a compatibilidade desse valor de referência com o seguinte conjunto de dados: P (mm de Hg) T (oC) 65 -20 75 17 85 42 95 84 105 127 b) Qual a temperatura que corresponde a 80 mm de Hg? 3. Em um experimento sobre o efeito fotoelétrico realizado no laboratório de Estrutura da Matéria, a partir de fontes de luz de freqüências (ν ) conhecidas, foram medidas tensões (Vo ) de corte da corrente em uma fotocélula, mostradas na tabela abaixo. ν (1014 Hz) Vo (volts) 5,19 0,75 5,49 0,84 6,88 1,41 7,41 1,61 8,22 1,95 Essas tensões e freqüências estão relacionadas, segundo a teoria de Einstein, por: h Vo =   ν + b  e  24 onde h é a constante de Planck, e é a carga do elétron, e b é um parâmetro característico do material fotossensível. Verifique a compatibilidade dos dados com o valor de referência aref = (4,1356692 ± 0, 0000012)×10−15V s para a = h , o que implica h = ( a ) e ⇒ h = ( 4,1356692 ± 0, 0000012 ) ×10 −15  eV s . e 5.0 Conclusão Uma vez apresentados alguns métodos estatísticos necessários à análise das medidas resultantes de um experimento, como utilizá-los no estudo ou no trabalho de pesquisa em física? O exemplo dado a seguir ilustra de maneira simples como podemos aplicar esta análise para relacionar os experimentos com as leis e teorias físicas. Considere uma esfera que, após rolar sem deslizar sobre uma calha de uma altura h , é lançada horizontalmente no espaço, caindo de uma altura h0 até um plano horizontal, conforme o esquema mostrado na figura ao lado. Fig.: Rolamento e queda de uma esfera. Qual é o alcance A da esfera após abandonar a calha em termos de h , tendo h0 como uma parâmetro fixo? Este problema pode ser abordado de duas maneiras: uma experimental e outra teórica. Do ponto de vista experimental deve-se fazer a montagem do experimento de acordo com a figura mostrada e em seguida deixar a esfera rolar de várias alturas medindo os alcances correspondentes, obtendo-se N pares de medidas h e A arranjados numa tabela, como por exemplo mostrada a seguir. h (cm) A (cm) h1 A1 h2 A2 M M hN AN Tabela: Medidas dos alcances e alturas 25 No experimento deve-se ter o cuidado de evitar que a esfera deslize sem rolar. Por outro lado, deve-se escrever os resultados das medidas, tanto de h como de A , com o número correto de algarismos significativos que suas medidas permitem e a incerteza associada. A partir da tabela dos resultados pode-se fazer um diagrama x - y dos pontos obtidos, onde, por exemplo, os valores de h estariam no eixo x e os valores de A no eixo y ( y = A e x = h ). Um resultado típico seria conforme mostrado ao lado, onde se notaria uma forte correlação entre A A e h , que poderia ser descrita por uma curva que passa pela origem seguindo, talvez, alguma lei de potência do tipo A(h) = c h n , onde c é uma constante e n < 1 já que a inclinação da curva seria decrescente. Uma vez que observaríamos pelo gráfico h que existe uma lei de potência relacionando A e h , poderíamos verificar esse comportamento ampliando a tabela de resultados, incluindo novas colunas com valores dos logaritmos de A e de h ,ou seja, de Ln( A) e Ln(h) para obtermos o coeficiente de correlação linear de Pearson, r. O resultado para (r) , não mostrado aqui, seria próximo da unidade, indicando uma forte relação linear entre Ln( A) e Ln(h) , o que realmente confirmaria uma lei de potência entre A e h . Assim, restaria o problema de se determinar qual seria a potência n e o valor do coeficiente c . Para isso poderíamos inicialmente fazer um ajuste linear no gráfico dos valores tabelados de Ln( A) e Ln(h) de modo que obteríamos um coeficiente angular de valor próximo a ½ que seria o valor da potência n , pois Ln( A) = n Ln(h) + Ln(c) , de modo que obteríamos A(h) = c h1/ 2 . Finalmente, considerando n = ½ , poderíamos incluir na tabela mais uma coluna com os valores de h1/ 2 e fazer um gráfico dos pontos (h1/ 2 , A) e, através do ajuste linear destes pontos, obter o valor da constante c , confirmando também a potência n =½ . Do ponto de vista teórico, a partir das leis da Mecânica, usando a conservação da energia para este caso da esfera rolando sem deslizar e levando em conta o momento de inércia da esfera 2 I = mR 2 , obtemos a fórmula teórica que relaciona essas grandezas: 5  20h  0  1/ 2 A(h) =  h ,  7  26 de modo que, teoricamente, pode-se prever a existência de uma interdependência linear entre o alcance A e a raiz quadrada da altura h do ponto de partida na calha. Assim, a partir da medida da altura h0 ,de onde a esfera cai em queda livre, é possível  20h  o  e verificar a 7   comparar o resultado experimental (constante c ) com a expressão teórica   compatibilidade entre as duas estimativas através da comparação do parâmetro (c ± σc ) com  20h   o  7  .   O exemplo apresentado é suficientemente trivial para que todo estudante de um curso de Física possa, facilmente, desenvolver e realizar tanto a abordagem experimental como a teórica. Em geral, os problemas enfrentados em trabalhos de pesquisa requerem a utilização de métodos experimentais e teóricos tão complexos e distintos que as duas abordagens acabam sendo realizadas de forma mais ou menos independente e complementar, por pesquisadores com a mesma formação básica, mas com treinamentos profissionais distintos, os Físicos Teóricos e os Experimentais. 27