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Entrelaçamento quântico triplo é demonstrado com luzes coloridas
Fábio de Castro - 24/09/2009
Descoberta de pesquisadores brasileiros deverá ajudar a compreender as
características do entrelaçamento quântico, a base para futuras tecnologias
como computação quântica e teletransporte. [Imagem: Coelho et al.]
Entrelaçamento quântico
Um grupo de cientistas brasileiros conseguiu gerar um entrelaçamento
quântico de três feixes de luz de cores diferentes. O feito deverá ajudar a
compreender as características desse fenômeno que é considerado pelos
cientistas como a base para futuras tecnologias como computação quântica,
criptografia quântica e teletransporte.
Fenômeno intrínseco da mecânica quântica, o entrelaçamento permite que duas
ou mais partículas compartilhem suas propriedades mesmo sem a existência de
qualquer ligação física entre elas e independentemente da distância que as
separa - veja Átomos assombrados de Einstein abrem caminho para computação
quântica.
A possibilidade de alternar o entrelaçamento quântico entre as diferentes
frequências de luz poderá ser útil para a criação de protocolos avançados
de troca de informações.
Entrelaçamento triplo
De acordo com o autor principal do estudo, Paulo Nussenzveig, do Instituto
de Física da USP, a possibilidade de gerar o entrelaçamento de três feixes
de luz diferentes havia sido prevista pela mesma equipe há três anos, mas
ainda não havia sido demonstrada experimentalmente. Dos três feixes, apenas
um estava na porção visível do espectro e dois no infravermelho.
"Em 2005, medimos pela primeira vez o entrelaçamento em dois feixes,
comprovando uma previsão teórica feita por outros grupos em 1988. A partir
daí, percebemos que a informação presente no sistema era mais complexa do
que imaginávamos e, em 2006, escrevemos um artigo teórico prevendo o
entrelaçamento de três feixes, que conseguimos demonstrar agora", disse
Nussenzveig à Agência FAPESP.
O cientista explica que, para realizar o estudo, o grupo utilizou um
experimento conhecido como oscilador paramétrico óptico (OPO), que consiste
em um cristal especial disposto entre dois espelhos, sobre o qual é
bombeada uma fonte de luz.
"O que esse cristal tem de especial é sua resposta à luz, que é não-linear.
Com isso, podemos introduzir no sistema uma luz verde e ter como resultado
uma luz infravermelha, por exemplo", explicou. Segundo ele, os OPO com onda
contínua, empregados no estudo, são utilizados desde a década de 1980.
Dissolução do elo quântico
Enfrentando diversas dificuldades e surpresas, ao lidar com fenômenos até
então desconhecidos, os cientistas conseguiram "domar" o sistema para
observar o entrelaçamento de três feixes com comprimentos de onda
diferentes. Durante o experimento, descobriram ainda um efeito importante:
a chamada morte súbita do entrelaçamento também ocorria no caso estudado.
Segundo Nussenzveig, um estudo coordenado por Luiz Davidovich, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicado na Science em
2007, mostrou que o entrelaçamento quântico podia desaparecer
repentinamente, "dissolvendo" o elo quântico entre as partículas - o que
poderia comprometer a aplicação do fenômeno no futuro desenvolvimento de
computadores quânticos.
O efeito, batizado como morte súbita do entrelaçamento, já havia sido
previsto anteriormente por físicos teóricos e foi observado pela primeira
vez pelo grupo da UFRJ em sistemas discretos - isto é, sistemas que têm um
conjunto finito de resultados possíveis.
"Para sistemas macroscópicos de variáveis contínuas existem relativamente
poucos trabalhos e previsões teóricas. E não existia absolutamente nenhum
trabalho experimental. Observamos pela primeira vez algo que não havia sido
previsto: a morte súbita em variáveis contínuas. Isso significa que trata-
se de um efeito global coletivo", disse.
Além da física clássica
De acordo com outro autor do estudo, Marcelo Martinelli, também professor
do Instituto de Física da USP, o entrelaçamento quântico é a propriedade
que distingue as situações quânticas das situações nas quais os eventos
obedecem às leis da física clássica.
"Essa propriedade é verificada por meio de correlações que são diferentes
das que ocorrem no mundo da física clássica. Quando jogamos uma moeda no
chão, na física clássica, se temos a coroa voltada para cima, temos a cara
voltada para baixo. No mundo quântico, esse resultado tem diferentes graus
de liberdade e ângulos de correlação", explicou.
Teletransporte quântico
Segundo Martinelli, o entrelaçamento já havia sido muitas vezes verificado
em sistemas discretos, ou entre dois ou mais sistemas no domínio de
variáveis contínuas. Mas, quando havia três ou mais subsistemas, o
entrelaçamento gerado era sempre de feixes de luz da mesma cor.
"Isso é interessante, porque abre caminho para que possamos, a partir de um
sistema que interage com uma certa frequência do espectro eletromagnético,
transferir suas propriedades quânticas para outro sistema - seria o chamado
teletransporte quântico", disse o cientista.
De acordo com Martinelli, seria possível fazer isso utilizando feixes de
entrelaçamento como veículo para transformar a informação. "Mas, se só
pudermos lidar com variáveis da mesma cor, a informação quântica do
primeiro só passaria para um segundo e um terceiro sistema se todos eles
atuarem na mesma frequência. O nosso modelo permitiria fazer a
transferência de informação quântica entre diferentes faixas do espectro
eletromagnético", explicou.
Ao observar pela primeira vez a morte súbita de entrelaçamento em um
sistema de variáveis contínuas, o grupo conseguiu novas informações sobre a
natureza do fenômeno.
Morte súbita do entrelaçamento
Martinelli explica que todo sistema que interage com a natureza apresenta
perdas, gradualmente. Uma chaleira em contato com o ambiente esfria
continuamente até atingir o equilíbrio térmico com a temperatura externa.
Mas esse processo se dá de forma exponencial e só estaria completo em um
período de tempo infinito. Na prática, a chaleira sempre estará um pouco
mais quente que o ambiente.
"No entanto, no caso do entrelaçamento, a sua interação com o ambiente nem
sempre segue esse decaimento exponencial. Eventualmente ele desaparece em
um tempo finito - o que caracteriza a chamada morte súbita. Vimos que isso
também ocorre para variáveis contínuas e, ajustando os parâmetros de
operação do nosso OPO, conseguimos controlar essa morte súbita", disse.
Segundo ele, essa descoberta é importante para que um dia se faça
transporte de informação quântica. "Se enviarmos essa informação por fibra
óptica, por exemplo, não podemos perder o entrelaçamento no sistema
mediante perdas na propagação. Se a informação quântica passar a ter um
papel central na tecnologia da informação, a compreensão da dinâmica da
morte súbita e do entrelaçamento serão ainda mais fundamentais", disse.
Bibliografia:
Three-Color Entanglement
A. S. Coelho, F. A. S. Barbosa, K. N. Cassemiro, A. S. Villar, M.
Martinelli, P. Nussenzveig
Science
September 17, 2009
Vol.: Published Online
DOI: 10.1126/science.1178683