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Cederj - Aula 11 - Física Estatística

Aula do CEDERJ sobre Física Estatística

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Aula 11 - Aplica¸c˜ao: Calor espec´ıfico de s´ olidos ´ MODULO 1 - AULA 11 Aula 11 - Aplica¸ c˜ ao: Calor espec´ıfico de s´ olidos Meta Estudar as propriedades termodinˆamicas de sistemas formados por osciladores quˆanticos. Objetivos Ao final desta aula, vocˆe dever´a ser capaz de: 1. entender a aproxima¸c˜ao harmˆonica para o movimento de a´tomos num s´olido; 2. calcular o calor espec´ıfico de s´olidos pelos modelos de Einstein e Debye; 3. obter o resultado cl´assico para o calor espec´ıfico de s´olidos como um limite de alta temperatura dos modelos de Einstein e Debye. Pr´ e-requisitos Esta aula requer que vocˆe esteja familiarizado com os conceitos de osciladores acoplados e modos normais, vistos na Aula 4 de Mecˆanica. Introdu¸ c˜ ao A intera¸c˜ao entre ´atomos num s´olido se d´a atrav´es de um potencial como o mostrado na figura 11.1(a). Nesse gr´afico ρ ´e uma vari´avel adimensional proporcional `a distˆancia entre dois ´atomos. A fun¸c˜ao u(ρ) ´e repulsiva para valores pequenos de ρ (regi˜ao u > 0), e atrativa para valores intermedi´arios, indo a zero quando os ´atomos est˜ao infinitamente separados. Na segunda parte desta disciplina vocˆe ver´a mais sobre este tipo de intera¸c˜ao, o importante agora ´e que u(ρ) tem um m´ınimo. A forma assim´etrica dessa intera¸c˜ao torna dif´ıcil o tratamento anal´ıtico do problema, por isso muitas vezes procura-se aproximar u(ρ) por uma par´abola, na regi˜ao pr´oxima ao m´ınimo. Nesta aproxima¸c˜ao podemos usar o hamiltoniano do oscilador harmˆonico para descrever o sistema, caindo no mesmo caso da Aula 10. Usaremos esse modelo para descrever a intera¸c˜ao 135 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 11 - Aplica¸c˜ao: Calor espec´ıfico de s´ olidos entre ´atomos numa rede cristalina. Primeiro vamos considerar que os osciladores s˜ao independentes, no modelo de Einstein, depois consideraremos que s˜ao acoplados, no modelo de Debye. Atividade 1 (Objetivo 1) O potencial de Lennard-Jones ´e muito usado para descrever a intera¸c˜ao entre ´atomos neutros. Sua forma ´e    σ 12  σ 6 U(r) = 4ε − , (11.1) r r sendo ε e σ parˆametros ajust´aveis que caracterizam um material espec´ıfico. Definindo as vari´aveis adimensionais ρ ≡ r/σ e u ≡ U/4ε, ele pode ser reescrito como   1 1 u= − . (11.2) ρ12 ρ6 Exatamente esta fun¸c˜ao foi usada na figura 11.1. Encontre a aproxima¸c˜ao harmˆonica para este potencial. Resposta comentada A aproxima¸c˜ao harmˆonica consiste em expandir o potencial at´e o termo quadr´atico, em torno do ponto de m´ınimo. Se (ρ0 , u0) s˜ao as coordenadas do m´ınimo, temos 2 du 1 2 d u u(ρ) ≈ u0 + (ρ − ρ0 ) + (ρ − ρ0) dρ ρ0 2 dρ2 ρ0 Para o potencial em quest˜ao, temos que u0 = −0, 25 e ρ0 = 21/6 ≈ 1, 12. O termo linear por defini¸c˜ao ´e nulo, logo ficamos com u(ρ) ≈ −0, 25 + 7, 15(ρ − 1, 12)2 . Esta curva est´a mostrada na figura 11.1(b). Fim da Atividade Modelo de Einstein Se usamos a aproxima¸c˜ao harmˆonica num sistema de osciladores cl´assicos desacoplados, teremos que a energia de cada oscilador ´e 1 1 Eint = mv 2 + kr2 , 2 2 (11.3) onde m e v s˜ao a massa e a velocidade de cada oscilador, respectivamente, r o afastamento com rela¸c˜ao ao ponto de equil´ıbrio e k, a constante el´astica, CEDERJ 136 Aula 11 - Aplica¸c˜ao: Calor espec´ıfico de s´ olidos ´ MODULO 1 - AULA 11 Figura 11.1: Esta figura mostra a curva para o potencial de Lennard-Jones na forma adimensional dada pela equa¸c˜ao (11.2, em fun¸c˜ao da distˆancia entre part´ıculas. Em (b) aparece tamb´em a curva para a aproxima¸c˜ao harmˆonica. dada pela concavidade do potencial, calculada no ponto de m´ınimo. Aqui estamos supondo um sistema isotr´opico, ou seja, com a mesma constante el´astica em todas as dire¸c˜oes. Num sistema tridimensional, o princ´ıpio da equiparti¸c˜ao levaria a uma energia interna   1 1 (11.4) Eint = N 3 × κT + 3 × κT = 3NκT . 2 2 O calor espec´ıfico desse s´olido cl´assico ´e cV = 1 ∂Eint = 3κ . N ∂T (11.5) Em geral o calor espec´ıfico molar ´e mais utilizado no contexto termodinˆamico. Se Nm ´e o n´ umero de moles, temos que Nκ = Nm R. Assim, o calor espec´ıfico molar de um s´olido, de acordo com o princ´ıpio da equiparti¸c˜ao ´e cV = 3R ≈ 24, 9 J/mol · K. (11.6) O resultado (11.6) leva o nome de lei de Dulong-Petit, e tem uma s´erie de problemas. A concordˆancia com resultados experimentais para temperaturas elevadas (da temperatura ambiente para cima) ´e razo´avel para a maioria dos materiais, mas falha para alguns como o carbono. De uma forma geral, o calor espec´ıfico dos s´olidos diminui com a temperatura (veja a figura 11.2 ) 137 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 11 - Aplica¸c˜ao: Calor espec´ıfico de s´ olidos Figura 11.2: Esta figura mostra o resultado experimental do calor espec´ıfico molar para trˆes materiais, chumbo, alum´ınio e carbono, assim como o resultado previsto pelo princ´ıpio da equiparti¸c˜ao, em fun¸c˜ao da temperatura. Para a temperatura ambiente, o valor medido para o chumbo ´e bem pr´oximo do valor cl´assico. Para o alum´ınio j´a vemos uma discrepˆancia maior, e o valor ` medida que medido para o carbono difere muito do previsto classicamente. A consideramos temperaturas mais baixas, a discrepˆancia aumenta.(Figura extra´ıda da Aula 9 de F´ısica 2A) e, quando T → 0, devemos ter c → 0 tamb´em, pela Terceira Lei da Termodinˆamica. Einstein foi o primeiro a propor uma solu¸c˜ao para essas quest˜oes, ao aplicar o conceito de quantiza¸c˜ao da energia `a teoria dos s´olidos e mostrar que assim seria poss´ıvel explicar porque o calor espec´ıfico molar de um s´olido depende da temperatura, no trabalho “Teoria de Planck da radia¸c˜ao e a teoria do calor espec´ıfico”, publicado em 1907. No modelo de Einstein temos N osciladores de frequˆencia ω, com energias dadas pela forma quantizada, equa¸c˜ao (10.1). Neste caso, a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao de cada oscilador ´e a pr´opria Z1 (equa¸c˜ao (10.2)). A energia m´edia por oscilador, ou energia interna por oscilador pode ser calculada usando a express˜ao (6.15). Obtemos hεi = 1 3~ω 3~ω Eint = + . N 2 exp (β~ω) − 1 (11.7) O calor espec´ıfico por part´ıcula pode ser calculado pela derivada da energia m´edia com rela¸c˜ao `a temperatura. Obtemos   2 exp θTE θE c = 3κ (11.8)   2 , T exp θE − 1 T CEDERJ 138 Aula 11 - Aplica¸c˜ao: Calor espec´ıfico de s´ olidos ´ MODULO 1 - AULA 11 onde θE ≡ ~ω/κ ´e uma grandeza com dimens˜ao de temperatura, que caracteriza o s´olido atrav´es do valor de ω (n˜ao ´e a temperatura do s´olido), denominada temperatura de Einstein. Os regimes de temperatura alta e baixa s˜ao definidos com rela¸c˜ao a θE . Em princ´ıpio deveria ser poss´ıvel ajustar a express˜ao (11.8) a dados experimentais com a escolha de um valor conveniente para θE . Na pr´atica verifica-se que o ajuste n˜ao ´e poss´ıvel com um u ´nico valor de θE . Numa tentativa de melhorar o modelo de Einstein outros foram propostos, com mais de um valor de frequˆencia, at´e que surge o modelo de Debye, que leva em conta todas as frequˆencias dos modos normais. Modelo de Debye A grande diferen¸ca entre os modelos de Debye e Einstein ´e que o primeiro considera que os osciladores est˜ao acoplados, o movimento de um afetando o dos outros. Como vocˆe viu na Aula 4 de Mecˆanica, as equa¸c˜oes de movimento de N osciladores idˆenticos acoplados podem ser escritas como N equa¸c˜oes independentes, para osciladores com determinadas frequˆencias, as frequˆencias dos modos normais. Isso significa que o movimento coletivo de um conjunto de N osiciladores acoplados pode ser escrito como uma combina¸c˜ao linear desses modos. Essa ´e a id´eia deste modelo: quando T > 0 os ´atomos da rede cristalina tem um movimento complicado de oscila¸c˜ao em torno das suas posi¸c˜oes de equil´ıbrio, que pode ser escrito como a superposi¸c˜ao de movimentos mais simples, os modos normais. Assim, abstra´ımos dos ´atomos e passamos a pensar apenas na superposi¸c˜ao de modos, queremos saber qual a quantidade m´edia de cada modo na vibra¸c˜ao coletiva da rede, observada para um dado valor de temperatura. Neste contexto os modos normais s˜ao tratados como part´ıculas, e ganham o nome de f ˆonons. Ficamos com uma situa¸c˜ao muito parecida com a da cavidade cheia de radia¸c˜ao t´ermica vista na Aula 10, s´o que agora temos um volume V (o volume do s´olido) preenchido por um g´as de fˆonons, que s˜ao quanta de oscila¸c˜oes el´asticas, e n˜ao eletromagn´eticas, sendo o n´ umero total de deles independente da temperatura, ao contr´ario do caso dos f´otons. Outra diferen¸ca ´e o n´ umero de polariza¸c˜oes. Aqui temos oscila¸c˜oes el´asticas, por isso 3 polariza¸c˜oes s˜ao poss´ıveis: duas longitudinais e uma transversal. Por simplicidade consideramos volume c´ ubico, V = L3 , e supomos que a velocidade de propaga¸c˜ao para qualquer polariza¸c˜ao ´e a mesma. Assim, as frequˆencias continuam sendo dadas pela express˜ao (10.8), ωn = nπc , com c sendo a velocidade do som. L 139 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 11 - Aplica¸c˜ao: Calor espec´ıfico de s´ olidos Com essas observa¸c˜oes, e j´a supondo um valor de L macrosc´opico, podemos escrever a soma sobre os modos de qualquer quantidade como Z Z X 3 f(n) = 3 × f(n)D(n)dn = f(n)4πn2 dn . (11.9) 8 n Num s´olido tridimensional com N ´atomos h´a 3N modos normais (s˜ao 3N equa¸c˜oes de movimento). Isso define o maior valor de frequˆencia, ou maior valor de n, que chamaremos de nD :  1/3 Z 3 nD 6N 2 4πn dn = 3N ⇒ nD = (11.10) 8 0 π A energia total dos fˆonons pode ser calculada exatamente como foi feito com os f´otons, apenas limitando a integral no valor nD . Temos Z 3π nD ~ωn Eint = dn n2 . (11.11) 2 0 exp(β~ωn ) − 1 Novamente definimos a vari´avel adimensional q ≡ β~nπ/L, qD ≡ β~nD π/L, e escrevemos a energia como Z qD q3 3L3 4 (κT ) dq . (11.12) Eint = 2 2π (~c)3 eq − 1 0 Os regimes de temperatura alta e baixa agora s˜ao relativos a` temperatura de Debye definida como    2 1/3 ~nD π ~c 6π N θD = ⇒ θD = (11.13) κL κ V Por causa do limite superior, a integral em (11.12) n˜ao pode ser calculada exatamente, mas podemos verificar seu comportamento para temperaturas altas e baixas. Antes de seguir com essas aproxima¸c˜oes, vamos ver quais s˜ao os valores de θD para alguns materiais. A tabela 11.7 mostra diversos valores de θD obtidos por ajuste da express˜ao dada pelo modelo de Debye a dados experimentais, `a temperatura ambiente. Para que um material tenha um calor espec´ıfico pr´oximo ao previsto pela Lei de Dulong-Petit `a temperatura ambiente, ele deve ter uma temperatura de Debye menor que 300 K, e quanto menor for esse valor, melhor ser´a a previs˜ao do modelo cl´assico. Assim, claramente o modelo cl´assico se aplica perfeitamente ao pot´assio, mas n˜ao ao carbono, nessa temperatura. A figura 11.3 mostra medidas experimentais para o claor espec´ıfico de alguns materiais, em fun¸c˜ao de T /θD . Os valores de θD s˜ao obtidos previamente pelo ajuste da curva prevista pelo modelo de Debye. Com a temperatura escrita nessa escala, as curvas apra todos os s´olidos colapsam numa u ´nica curva universal. CEDERJ 140 Aula 11 - Aplica¸c˜ao: Calor espec´ıfico de s´ olidos ´ MODULO 1 - AULA 11 material θD (K) pot´assio chumbo s´odio c´alcio zinco alum´ınio ferro sil´ıcio carbono 91 105 158 230 327 428 470 645 2230 Tabela 11.7: Valores da temperatura de Debye para diversos materiais. Figura 11.3: Valores experimentais do calor espec´ıfico de diversos materiais, e o calculado pelo modelo de Debye, em fun¸c˜ao de T /θD . (Figura extra´ıda da Aula 9 de F´ısica 2A) Temperaturas baixas: T  θD , ou qD  1 A figura 11.4 mostra o comportamento do integrando em (11.12). Note que quando q > 10 o valor do integrando ´e muito pequeno, assim, podemos considerar qD → ∞ sem correr o risco de estar aumentando muito o valor da integral. Neste limite, o valor da integral ´e π 4 /15, como no caso da radia¸c˜ao t´ermica. Nesta aproxima¸c˜ao,  3 3 T 4 E = NκT π . (11.14) 5 θD 141 CEDERJ Aula 11 - Aplica¸c˜ao: Calor espec´ıfico de s´ olidos Física Estatística e Matéria Condensada Figura 11.4: Comportamento do integrando f(q) = q 3/(eq − 1). e 12π 4 N CV = 15  T θD 3 (11.15) O resultado (11.15) recebe o nome de Lei T 3 de Debye. Temperaturas altas: T  θD , ou qD  1 Neste caso, para todo q ≤ qD , eq − 1 ≈ q + q 2/2 + q 3 /6 + . . . = q(1 + r), onde definimos r ≡ q/2 + q 2/6 + . . ., portanto r  1. Com isso q3 q3 q2 = = ≈ q 2(1 − r + r2 − r3 + . . .) eq − 1 q(1 + r) 1+r Vamos manter termos at´e q 2. Nesta aproxima¸c˜ao temos: r = q/2 + q 2/6 r2 = q 2/4 r3 = 0. (11.16) Finalmente,     q3 q q2 q2 q q2 2 2 = q 1− − + = q 1− + eq − 1 2 6 4 2 12 Usando este resultado na express˜ao (11.12) temos   2 3 θD + . E = 3Nκ T − 8θD 20T (11.17) O calor espec´ıfico fica ent˜ao θ2 cV = 3κ 1 − D 2 20T   . (11.18) Podemos ver imediatamente que o resultado cl´assico pode ser obtido fazendose T → ∞. CEDERJ 142 Aula 11 - Aplica¸c˜ao: Calor espec´ıfico de s´ olidos ´ MODULO 1 - AULA 11 Resumo Nesta aula aprendemos a calcular o calor espec´ıfico de s´olidos pelos modelos cl´assico, de Einstein e de Debye. Verificamos que o limite T → ∞ dos modelos quˆanticos corresponde `a previs˜ao do modelo cl´assico. Aprendemos tamb´em que a a temperatura de Debye define o padr˜ao de referˆencia para o comportamento t´ermico de um s´olido. Informa¸ c˜ oes sobre a pr´ oxima aula Na pr´oxima aula aprenderemos o conceito potencial qu´ımico, essencial para estudarmos os gases quˆanticos nas aulas finais. Leitura complementar S. R. A. Salinas, Introdu¸c˜ao `a F´ısica Estat´ıstica, primeira edi¸c˜ao S˜ao Paulo, EDUSP, cap´ıtulos 4, 5 e 11. 143 CEDERJ