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Cederj - Aula 08 - Física Estatística

CEDERJ - Aula 08 - Física Estatística

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Aula 8 - Aplica¸c˜ao: G´as ideal monoatˆ omico no regime cl´assico ´ MODULO 1 - AULA 8 Aula 8 - Aplica¸ c˜ ao: G´ as ideal monoatˆ omico no regime cl´ assico Meta Apresentar as principais propriedades t´ermicas de um g´as de part´ıculas livres no regime cl´assico. Objetivos Ao final desta aula, vocˆe dever´a ser capaz de: 1. perceber em que situa¸c˜oes podemos aproximar a soma na fun¸c˜ao de parti¸c˜ao para uma integral; 2. verificar como a indistinguibilidade das part´ıculas afeta a contagem de microestados e a extensividade de algumas grandezas termodinˆamicas; 3. calcular a densidade de estados para o g´as ideal; 4. calcular a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao, a entropia e a energia livre de Helmholtz para o g´as ideal no regime cl´assico; 5. estabelecer a equa¸c˜ao de estado para o g´as a partir da fun¸c˜ao de parti¸c˜ao. Pr´ e-requisitos Esta aula requer que vocˆe esteja familiarizado com a fun¸ca˜o de onda e espectro de energia de uma part´ıcula numa caixa tridimensional, assunto coberto pelas Aulas 17 e 18 de Introdu¸c˜ao `a Mecˆanica Quˆantica. Al´em disso vocˆe deve rever a origem experimental da equa¸c˜ao de estado do g´as ideal e a defini¸c˜ao de calor espec´ıfico nas Aulas 6 e 10 de F´ısica 2A, respectivamente. Usaremos, tamb´em, os resultados para integrais gaussianas expostos na Aula 3. Introdu¸ c˜ ao Na F´ısica 2A vocˆe estudou o g´as ideal do ponto de vista da Termodinˆamica, descrevendo-o atrav´es das vari´aveis macrosc´opicas press˜ao, vo99 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 8 - Aplica¸c˜ao: G´as ideal monoatˆ omico no regime cl´assico lume e temperatura. A fun¸c˜ao que relaciona essas vari´aveis (equa¸c˜ao de estado) ´e obtida, nessa abordagem macrosc´opica, a partir de observa¸c˜oes experimentais. Nesta aula queremos chegar a essa equa¸c˜ao de estado a partir da descri¸c˜ao microsc´opica, usando a distribui¸c˜ao de Boltzmann. O termo cl´assico usado aqui refere-se ao regime de altas temperaturas, ou baixa densidade, no qual a superposi¸c˜ao entre as fun¸co˜es de onda das part´ıculas ´e desprez´ıvel e para o qual vale o princ´ıpio da equiparti¸c˜ao. Os primeiros c´alculos estat´ısticos do g´as ideal foram realizados antes da Mecˆanica Quˆantica; usaram, portanto, a express˜ao cl´assica para a energia cin´etica de cada part´ıcula. Esse c´alculo tem s´erios problemas dimensionais a come¸car pela fun¸c˜ao de parti¸c˜ao que n˜ao ´e adimensional como deveria. Esses problemas s´o puderam ser corrigidos quando a energia do sistema passou a ser dada pela Mecˆanica Quˆantica. Nesta aula iremos direto ao modelo quˆantico. Um c´alculo bastante detalhado usando a energia cl´assica pode ser visto no livro Introdu¸c˜ao `a F´ısica Estat´ıstica indicado como leitura complementar. Part´ıcula livre numa caixa tridimensional Nosso modelo para o g´as ideal consiste de um conjunto de N part´ıculas pontuais e n˜ao interagentes, limitadas a um volume V = Lx Ly Lz . Do ponto de vista da Mecˆanica Quˆantica, o c´alculo da energia ε de uma part´ıcula ´e feito a partir da equa¸c˜ao de Schr¨odinger estacion´aria: ~2 2 − ∇ ψ(~r) + U(~r)ψ(~r) = εψ(~r) . 2m (8.1) O primeiro termo, envolvendo as segundas derivadas da fun¸c˜ao de onda ψ(~r), d´a a energia cin´etica da part´ıcula. U(~r) ´e o potencial a que ela est´a sujeita. O problema que queremos resolver corresponde ao seguinte potencial U(x, y, z) = ∞ = 0 Lx Ly Lz , |y| ≥ , |z| ≥ 2 2 2 Lx Ly Lz |x| < , |y| < , |z| < 2 2 2 |x| ≥ que define a caixa de paredes instranspon´ıveis que cont´em as part´ıculas do g´as. Este problema pode ser resolvido por separa¸c˜ao de vari´aveis porque o movimento em cada dire¸c˜ao ´e completamente independente. A fun¸c˜ao de onda tem a forma ψ(x, y, z) = ψx(x)ψy (y)ψz (z), sendo a fun¸c˜ao de onda relativa a cada dire¸c˜ao uma onda plana, que pode ser escrita como uma combina¸c˜ao linear de senos e cossenos. CEDERJ 100 Aula 8 - Aplica¸c˜ao: G´as ideal monoatˆ omico no regime cl´assico ´ MODULO 1 - AULA 8 A energia da part´ıcula livre ´e dada por ε= (~k)2 . 2m (8.2) Se a part´ıcula est´a numa regi˜ao sem limita¸c˜oes, ~k ´e irrestrito, e os valores de energia tem um espectro cont´ınuo. O fato de a part´ıcula estar confinada a uma caixa, faz com que apenas certos valores de energia sejam poss´ıveis. Esta ´e exatamenta a mesma situa¸c˜ao que encontramos quando analisamos as ondas estacion´arias em uma corda de comprimento finito. Devido `a separa¸c˜ao de vari´aveis, basta resolver o problema unidimensional, que ´e o mesmo para x, y ou z, neste caso. Escolhemos resolver para x, por exemplo. A forma de U requer que a fun¸c˜ao de onda se anule em x = ±Lx /2. Escrevendo ψx(x) = A cos kx x + B sen kx x. Essa condi¸c˜ao de contorno s´o pode ser satisfeita em qualquer instante de tempo se B = 0 e kx Lx /2 = nx π/2, ou kx = nx π/Lx , sendo nx um n´ umero inteiro positivo n˜ao nulo. O mesmo c´alculo pode ser feito para as outras componentes. Finalmente obtemos que a energia da part´ıcula deve ter a forma ~2  πn 2 , ε= 2m V 1/3 (8.3) onde n2 = n2x + n2y + n2z , e nx , ny , nz = 1, 2 . . .. Sem perder a generalidade, podemos escolher Lx = Ly = Lz = L, neste caso V = L3 e ~2  πn 2 ε= . 2m L (8.4) C´ alculo da multiplicidade De acordo com a express˜ao para a energia, equa¸c˜ao (8.4), o valor de n pode ser usado para rotular o macroestado de uma u ´nica part´ıcula. A multiplicidade desse macroestado vem da possibilidade de se obter um mesmo √ n para diferentes escolhas de nx , ny e nz . Por exemplo, n = 27 pode ser obtido de 4 maneiras diferentes, com (nx , ny , nz ) = (5,1,1), (1,5,1), (1,1,5) e (3,3,3). Diferentemente da distribui¸c˜ao binomial, n˜ao podemos encontrar uma express˜ao alg´ebrica que nos dˆe a multiplicidade relativa a cada n. Entretanto, estaremos sempre trabalhando com sistemas macrosc´opicos, o que significa que L tem dimens˜oes macrosc´opicas e que o espa¸camento entre os n´ıveis de energia ´e muito pequeno; t˜ao pequeno, que podemos assumir uma varia¸c˜ao cont´ınua. 101 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 8 - Aplica¸c˜ao: G´as ideal monoatˆ omico no regime cl´assico Atividade 1 (Objetivo 1) Estime a separa¸c˜ao entre n´ıveis de energia consecutivos do g´as h´elio, contido num volume de 1 cm3. Escreva o resultado em eV e em Kelvins. Resposta comentada Partimos da express˜ao para os n´ıveis de energia: ~2  πn 2 ε= . 2m L Vamos calcular o espa¸camento entre os dois primeiros n´ıveis. O estado fundamental tem nx = ny = nz = 1, ou seja, n2 = 3. O pr´oximo n´ıvel ter´a n2 = 1 + 1 + 22 = 6. Assim o espa¸camento entre esses dois n´ıveis ´e 3 ~2  π 2 ∆ε = . 2m L A massa de um ´atomo de h´elio ´e m ≈ 6, 6−27 kg. Vamos tomar um valor macrosc´opico para L, 1 cm por exemplo. Obtemos ∆ε = 2, 48 × 10−37 J = 1, 5 × 10−18 eV . Para obter a separa¸c˜ao em termos de temperatura estabelecemos a igualdade ∆ε = κT . O valor de T resultante ´e a separa¸c˜ao em Kelvins. Neste caso resultado ´e T = 1, 8 × 10−14 K fim da atividade Isso significa que nx , ny e nz podem ser consideradas vari´aveis reais e que a multiplicidade deve ser calculada considerando que a energia da part´ıcula est´a no intervalo entre ε e ε + dε, ou que n est´a entre n e n + dn. A rela¸c˜ao entre n e nx , ny e nz ´e a mesma do raio de uma esfera centrada na origem dos eixos (nx , ny , nz ). Assim, temos que o n´ umero de estados com n menor ou igual a n ´e 1/8 do volume da esfera de raio n (veja a figura 8.1), ou N (n) = 1 4πn3 . 8 3 (8.5) A fra¸c˜ao 1/8 aparece porque queremos apenas nx , ny e nz > 0. Agora, o n´ umero de estados com n entre n e n + dn ´e dado pelo volume de 1/8 da casca esf´erica de raio n e espessura dn, ou seja, 1 dN (n) = 4πn2dn . (8.6) 8 As express˜oes acima podem ser escritas em termos de ε se usamos (8.4). Identificando V = L3 , obtemos  3/2 V 2m N (ε) = 2 ε3/2 , (8.7) 6π ~2 CEDERJ 102 Aula 8 - Aplica¸c˜ao: G´as ideal monoatˆ omico no regime cl´assico ´ MODULO 1 - AULA 8 n dn (b) (a) Figura 8.1: Ilustra¸c˜ao da contagem de estados num g´as em (a) trˆes e (b) duas dimens˜oes. : figura (a) para ser feita pelo desenhista e V N (ε) = 2 dN (ε) = ε 4π  2m ~2 3/2 ε1/2dε . (8.8) Definimos agora a densidade de estados D(ε) como 3N (ε) V dN D(ε) ≡ = = 2 dε 2ε 4π  2m ~2 3/2 ε1/2 . (8.9) D(ε)dε ´e a multiplicidade do estado com energia entre ε e ε+dε. Assim, num g´as tridimensional, a multiplicidade aumenta com o aumento da energia. Boxe de aten¸c˜ ao O termo densidade de estados ´e o adotado na f´ısica da mat´eria condensada, mas traz alguma ambiguidade no contexto da f´ısica estat´ıstica porque n˜ao fica claro se estamos tratando de micro ou macroestados. Por isso costuma-se usar o termo densidade de orbitais em textos de f´ısica estat´ıstica. Por orbital entende-se uma solu¸c˜ao da equa¸c˜ao de Sch¨odinger para uma part´ıcula, n˜ao tendo rela¸c˜ao com a id´eia de ´orbita. Assim, cada fun¸c˜ao de onda resultante de se resolver o problema de uma part´ıcula livre numa caixa corresponde a um orbital. fim do boxe de aten¸c˜ ao Atividade 2 (Objetivo 3) Uma realiza¸c˜ao bidimensional do g´as ideal pode ser obtida se examinamos os ´atomos de g´as que s˜ao adsorvidos por uma superf´ıcie. Adsor¸c˜ao (que n˜ao deve ser confundida com absor¸c˜ao) ´e o processo que ocorre quando mol´eculas de um g´as ou l´ıquido se acumulam na superf´ıcie de um s´olido, formando um 103 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 8 - Aplica¸c˜ao: G´as ideal monoatˆ omico no regime cl´assico filme muito fino. No processo de absor¸c˜ao, as mol´eculas se difudem dentro do s´olido. O filme adsorvido pode ser considerado um g´as bidimensional j´a que as mol´eculas est˜ao confinadas a uma superf´ıcie. Qual a densidade de estados nesse caso? Resposta comentada A express˜ao (8.4) para a energia continua v´alida, s´o que agora n2 = n2x + n2y , supondo que o g´as esteja confinado a uma superf´ıcie paralela ao pla xy. A figura 8.1(b)d mostra como a contagem da multiplicidade deve ser feita num sistema bidimensional. Cada ponto corresponde a dados valores de nx e ny . No limite cont´ınuo, o n´ umero de pontos numa dada regi˜ao pode ser aproximado pela ´area da mesma. Temos assim: 1 N (n) = πn2 4 e 1 dN (n) = πndn . 2 (8.10) O fator 1/4 aparece porque queremos apenas valores positivos para nx e ny . Escrevendo em termos da energia, temos: dN (ε) = V 2/3m dε 2π~2 logo D(ε) = V 2/3m . 2π~2 (8.11) Diferentemente do g´as em trˆes dimens˜oes, no g´as bidimensional a multiplicidade n˜ao depende da energia. fim da atividade A contagem de estados num sistema de part´ıculas indistingu´ıveis Na Aula 7 calculamos a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao para o paramagneto uniaxial de duas maneiras. Na primeira usamos a soma sobre os microestados, que acabou por relacionar ZN , a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao para as N part´ıculas, com Z1 , a relativa a uma part´ıcula, como ZN = (Z1 )N . (8.12) A rela¸c˜ao (8.12) simplifica enormemente o c´alculo da fun¸c˜ao de parti¸c˜ao, porque em Z1 temos apenas que levar em conta a multiplicidade relativa `a forma da energia, e n˜ao a relativa `a divis˜ao da energia total entre as part´ıculas. Vejamos porque essa express˜ao implica na distinguibilidade das part´ıculas. Considere o caso N = 3 para um sistema de dois estados (como o do paramagneto uniaxial), com energias εx e εy . Definindo x ≡ exp(−βεx) CEDERJ 104 Aula 8 - Aplica¸c˜ao: G´as ideal monoatˆ omico no regime cl´assico ´ MODULO 1 - AULA 8 e y ≡ exp(−βεy ) e usando os r´otulos a, b e c para designar as part´ıculas, temos Z3 = (Za )(Zb )(Zc ) = (xa + ya )(xb + yb )(xc + yc ) = xa xb xc + xa xb yc + xa yb xc + xa yb yc + ya xb xc + ya xb yc + ya yb xc + ya yb yc . (8.13) Os termos correspondem a ter cada part´ıcula em um dos n´ıveis de energia. Por exemplo, yaxb xc corresponde `a part´ıcula a com energia εy , e as b e c com energia εx. Assim, estamos assumindo que ´e poss´ıvel distinguir qual ´e a part´ıcula a, ou a b ou a c, o que pode ocorrer se as part´ıculas tiverem posi¸c˜oes fixas, como numa rede cristalina, que ´e em geral o caso dos materiais com esse tipo de magnetismo. Vemos tamb´em que os estados xa xb yc xaxb yc e xa yb xc tˆem a mesma energia, igual a 2εx + εy , e por isso pertencem ao mesmo macroestado. O mesmo acontece com os termos ya xb xc , ya xb yc e ya yb xc , que tem energia 2εy + εx. A express˜ao (7.9) mostra como calcular ZN agrupando os termos por macroestados. Neste caso espec´ıfico, ter´ıamos Z3 = x3+3x2 y+3xy 2+y 3 = (Z1 )3 para part´ıculas distingu´ıveis . (8.14) Mas, e se as part´ıculas forem indistingu´ıveis? Esse ´e o caso dos ´atomos livres num volume, como num g´as. Nesse caso xaxb yc e xa yb xc n˜ao s˜ao microestados do mesmo macroestato, eles s˜ao o mesmo microestado, e g(E) = 1. A fun¸c˜ao de parti¸c˜ao para as trˆes part´ıculas seria Z3 = x3 +x2y +xy 2 +y 3 6= (Z1 )3 para part´ıculas indistingu´ıveis . (8.15) Considere agora um sistema com N part´ıculas e M n´ıveis de energia. Neste caso a energia total ´e escrita como E = η1 ε1 + η2 ε2 . . . ηM εM , (8.16) onde os ηi s˜ao as ocupa¸c˜oes dos estados de energia εi , devendo obedecer ao P v´ınculo i ηi = N. Se as part´ıculas forem distingu´ıveis, a multiplicidade do macroestado com energia E ´e dada por g(η1, η2 , . . . ηM ) = N! , η1!η2 ! . . . ηM ! (8.17) mas se forem indistingu´ıveis, g(η1 , η2, . . . ηM ) = 1. Assim, se usarmos a forma (8.12) para calcular ZN num sistema de part´ıculas indistingu´ıveis, estaremos com muitos termos sendo contados a mais. A proposta de Boltzmann para 105 CEDERJ Aula 8 - Aplica¸c˜ao: G´as ideal monoatˆ omico no regime cl´assico Física Estatística e Matéria Condensada corrigir essa contagem excessiva foi dividir o produto (Z1 )N pelo n´ umero de permuta¸c˜oes poss´ıveis com N part´ıculas, ou seja, 1 N (Z1 ) , (8.18) N! para part´ıculas indistingu´ıveis. Esta corre¸c˜ao s´o ´e exata nos termos em que cada part´ıcula est´a num n´ıvel de energia, ou seja, se os ηi forem todos iguais a 1 em (8.17), j´a que g = N! nesse caso. Todos os outros termos ser˜ao divididos por um valor maior que g. Em outras palavras, os termos referentes a configura¸c˜oes em que mais de uma part´ıcula tem a mesma energia ser˜ao penalizados e contribuir˜ao menos para o c´alculo de ZN . As configura¸c˜oes com uma part´ıcula em cada n´ıvel, por outro lado, ser˜ao favorecidas. Veremos mais `a frente que o uso dessa corre¸c˜ao leva necessariamente ao g´as no regime cl´assico. ZN = O g´ as monoatˆ omico Usaremos a express˜ao (8.18) para calcular a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao para um g´as ideal monoatˆomico, admitindo a indistinguibilidade das part´ıculas. Para calcular Z1 precisamos dos poss´ıveis valores de energia para uma part´ıcula de massa m confinada num volume V = L3 . Eles s˜ao, de acordo com a (8.4), (~k)2 nπ , k= , n2 = n2x + n2y + n2z (8.19) 2m L Um microestado do sistema completo ´e rotulado pelos valores de (nx , ny , nz ) para cada part´ıcula. Se examinamos apenas uma part´ıcula, o microestado ser´a rotulado pelos valores de (nx , ny , nz ) dessa part´ıcula. Somando sobre os microestados de uma part´ıcula, temos ε= Z1 = ∞ X ∞ X ∞ X nx =1 ny =1 nz =1 = ∞ X ∞ X ∞ X nx =1 ny =1 nz =1 = " = " ∞ X nx =1 ∞ X nx =1 CEDERJ 106   exp −βα n2x + n2y + n2z (8.20)    exp −βαn2x exp −βαn2y exp −βαn2z " # ∞ # ∞ X X    2 2 2 exp −βαnx  exp −βαny  exp −βαnz ny =1 exp −βαn2x  #3 , nz =1 Aula 8 - Aplica¸c˜ao: G´as ideal monoatˆ omico no regime cl´assico ´ MODULO 1 - AULA 8 onde α = ~2π 2/2mV 2/3. Como V ´e um volume macrosc´opico, a separa¸c˜ao entre os valores de energia ´e muito pequena, e a soma em nx pode ser aproximada por uma integral. Assim, Z ∞ 3  2 Z1 = exp −βαnx dnx . (8.21) 0 Usando a express˜ao () para a integral gaussiana, temos  r 3  3/2 1 π κT m Z1 = = V = φq V . 2 αβ ~22π (8.22) O resultado (8.22) define uma grandeza importante, a concentra¸c˜ao quˆantica: φq =  κT m ~22π 3/2 . (8.23) Veremos adiante o seu significado. Podemos tamb´em calcular Z1 fazendo a soma sobre os macroestados, que neste caso pode ser a soma sobre os valores de ε ou n. J´a utilizando a aproxima¸c˜ao de espectro de energia cont´ınuo, temos Z ∞ X Z1 = g(ε) exp(−βε) → exp(−βε)D(ε)dε (8.24) 0 ε ∞  1 4π exp −βαn2 n2 dn 8 0 3/2 π = (αβ)−3/2 8  3/2 κT m V = φq V . = ~22π = Z Concentra¸ c˜ ao quˆ antica Uma part´ıcula quˆantica tem seu momento linear definido como p = h/λ, sendo λ o comprimento de onda. Num sistema cl´assico, uma part´ıcula de massa m e velocidade v tem seu momento linear definido como p = mv. Num g´as t´ıpico, com apenas um tipo de mol´ecula, todas as part´ıculas tem o mesmo valor de massa mas cada uma tem um valor de velocidade, sendo estes distribu´ıdos de acordo com uma distribui¸c˜ao dependente da temperatura. O momento linear m´edio, neste caso, ´e hpi = mhvi. O princ´ıpio da equiparti¸c˜ao nos d´a o valor m´edio de v 2, j´a que 1 3 3κT hεi = mhv 2i = κT ⇒ hv 2 i = . 2 2 m 107 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 8 - Aplica¸c˜ao: G´as ideal monoatˆ omico no regime cl´assico Vamos considerar que σv2 = hv 2i − hvi2 ≈ 0, ou seja, hvi2 ≈ hv 2i ≈ κT /m. Igualando as defini¸c˜oes quˆantica e cl´assica temos  1/2  2 1/2 h κT h ≈m ⇒ λT ≈ . (8.25) λT m mκT λT ´e o que chamamos comprimento de onda t´ermico. Podemos associar a cada part´ıcula quˆantica um volume definido por λ3T , com isso, a concentra¸c˜ao quˆantica fica definida como  3/2 mκT 1 φq ∼ 3 = . (8.26) λT h2 Dizemos que um g´as est´a no regime cl´assico quando sua concentra¸c˜ao φ = N/V ´e muito menor que φq . Na Aula 1 calculamos as concentra¸c˜oes do h´elio nas CNPT e dos el´etrons de condu¸c˜ao no l´ıtio na temperatura ambiente. Podemos compar´a-las com as concentra¸c˜oes quˆanticas para essas part´ıculas na mesma temperatura. Obtemos para o h´elio φHe = 3 × 10−6  1 . φqHe (8.27) Conclu´ımos, ent˜ao, que a aproxima¸c˜ao cl´assica ´e boa para o h´elio `a temperatura ambiente. Para os el´etrons encontramos uma concentra¸c˜ao φel´etrons ≈ 104 φHe , mas como a massa de um ´atomo de h´elio ´e 104 maior que a de um el´etron, e φq ∝ m3/2, temos que φel´etrons = 0, 66 × 102 . φqel´etrons (8.28) Assim, no caso dos el´etrons, trat´a-los como um g´as cl´assico n˜ao ´e uma boa aproxima¸c˜ao. Na Aula 13 vocˆe vai aprender como lidar com esse sistema. Ver´a tamb´em que a aproxima¸c˜ao cl´assica n˜ao ´e adequada para o h´elio abaixo de 4 K. Atividade 3 (Objetivo 4) Calcule a energia interna e o calor espec´ıfico a V constante do g´as ideal cl´assico a partir de sua fun¸c˜ao de parti¸c˜ao. Verifique se os resultados est˜ao de acordo com o princ´ıpio da equiparti¸c˜ao da energia. Resposta comentada Come¸camos pela energia interna. Vamos usar a express˜ao para a energia m´edia dada pela equa¸c˜ao (6.15): hEi = − CEDERJ 108 1 ∂Z = Eint . Z ∂β (8.29) Aula 8 - Aplica¸c˜ao: G´as ideal monoatˆ omico no regime cl´assico Usando a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao (8.22) ) em (8.18) temos  3 1 1 m N ZN = (Z1 ) = N/2 N! N! β~22π ´ MODULO 1 - AULA 8 (8.30) Assim, 3 Eint = NκT . 2 Para calcular o calor espec´ıfico usamos a defini¸c˜ao (9.11) apresentada na Aula 9 de F´ısica 2A. Temos cV = 3N 1 ∂Eint =⇒ cV = . N ∂T 2 (8.31) Os resultados para Eint e cV s˜ao idˆenticos aos previstos pelo princ´ıpio da equiparti¸c˜ao. fim da atividade Energia livre de Helmholtz O c´alculo das grandezas termodinˆamicas exige que o limite N → ∞ seja tomado. Assim, calculamos a energia livre por part´ıcula como 1 (−κT ln ZN ) N →∞ N   1 1 N = −κT lim ln (Z1 ) N →∞ N N! = κT [ln N − 1 − ln φq V ]     φ = κT ln −1 φq f = lim (8.32) Neste c´alculo usamos a aproxima¸c˜ao de Stirling para N!. Para o sistema todo,     φ F = NκT ln −1 . (8.33) φq Como vimos na Aula 5, a energia livre de Helmholtz combina os princ´ıpios de minimiza¸c˜ao de energia e maximiza¸c˜ao de entropia e ´e definida como F = Eint − T S. Vamos calcular a varia¸c˜ao de energia livre, dF : dF = dEint − d(T S) = T dS − p dV − SdT − T dS = −p dV − SdT , (8.34) onde usamos que a troca infinitesimal de calor foi revers´ıvel, podendo ser escrita como d0 Q = T dS. Se escrevemos F como uma fun¸c˜ao de V e T , temos que     ∂F ∂F dF = dV + dT . (8.35) ∂V T ∂T V 109 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 8 - Aplica¸c˜ao: G´as ideal monoatˆ omico no regime cl´assico Comparando as express˜oes (8.34) e (8.35) podemos imediatamente identificar   ∂F p=− , (8.36) ∂V T levando `a conhecida rela¸c˜ao p = NκT /V . Atividade 4 (Objetivo 4) Encontre uma express˜ao para a entropia S(N, V, T ) do g´as ideal cl´assico a partir da forma diferencial da energia livre de Helmholtz, equa¸c˜ao (8.35). Resposta comentada Comparando as express˜oes (8.35) e (8.34) podemos identificar:       ∂F φq 5 S=− = Nκ ln + (8.37) ∂T φ 2 Esta express˜ao para a entropia recebe o nome de f´ormula de Sackur-Tetrode e concorda com resultados experimentais. Note que, mesmo para o regime cl´assico, S guarda sua origem quˆantica atrav´es da presen¸ca de ~ na concentra¸c˜ao quˆantica, ressaltando a impossibilidade de se obter o mesmo resultado a partir de um modelo puramente cl´assico. fim da atividade Atividade 5 (Objetivos 2 e 4) A energia livre de Helmholtz deve ser uma quantidade extensiva. Mostre que, se a divis˜ao por N! n˜ao for feita, isso n˜ao ocorre para o g´as ideal cl´assico. Resposta comentada Se calculamos ZN como Z1N e calculamos F a partir da express˜ao (8.33) obtemos: Ferrada = −NκT (ln φq + ln V ) (8.38) Verificamos a extensividade: 1 ferrada = lim Ferrada N →∞ N κT = − lim ln Z1N N →∞ N    1 3 m 3 = − lim NκT ln + ln κT + ln V N →∞ N 2 2π~2 2   3 m 3 = κT ln + ln κT + ln N + ln v , 2 2π~2 2 (8.39) onde usamos a substitui¸c˜ao V = Nv. Assim, vemos que a express˜ao (8.39) depende de N, consequentemente Ferrada n˜ao ´e uma grandeza extensiva. fim da atividade CEDERJ 110 Aula 8 - Aplica¸c˜ao: G´as ideal monoatˆ omico no regime cl´assico ´ MODULO 1 - AULA 8 Conclus˜ ao As principais conclus˜oes desta aula s˜ao relativas `a indistinguibilidade das part´ıculas e ao uso da Mecˆanica Quˆantica para o c´alculo das propriedades termodinˆamicas do g´as ideal. Com rela¸c˜ao ao primeiro ponto, pudemos ver que sem a divis˜ao por N!, introduzida para corrigir a m´ ultipla contagem no caso de part´ıculas indistingu´ıveis, permite que a extensividade seja preservada quando necess´ario e tamb´em reduz a probabilidade de m´ ultipla ocupa¸c˜ao de n´ıveis de energia. A validade do modelo resultante dessa corre¸c˜ao de contagem restringe-se a gases com baixa concentra¸c˜ao, num regime designado como cl´assico. Mesmo nesse regime a utiliza¸c˜ao da express˜ao quˆantica para as energias permite o c´alculo correto das grandezas termodinˆamicas do sistema. A concordˆancia entre resultados experimentais e express˜ao calculada para a entropia mostra claramente que, mesmo no regime cl´assico, temos que usar a express˜ao quˆantica para a energia. Atividade Final (Objetivos 1 a 5) Para o g´as ideal bidimensional, calcule: (a) Z1 e ZN (b) a energia interna (c) a energia livre de Helmholtz (d) a entropia Resposta comentada (a) Supondo que o g´as esteja confinado numa regi˜ao quadrada de ´area A = L2 no plano xy, temos: Z1 = ∞ X ∞ X nx =1 ny =1 = ∞ X ∞ X nx =1 ny =1 = " = " ∞ X nx =1 ∞ X nx =1   exp −βα n2x + n2y (8.40)   exp −βαn2x exp −βαn2y  # ∞ X   exp −βαn2y  exp −βαn2x  ny =1 exp −βαn2x  #2 . 111 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 8 - Aplica¸c˜ao: G´as ideal monoatˆ omico no regime cl´assico Usando a defini¸c˜ao α ≡ ~2π 2 /2mL2 temos que   κT m Z1 = A. 2π~2 (8.41) Podemos definir a concetra¸c˜ao quˆantica em duas dimens˜oes como φ2d q = 2 κT m/2π~ . Assim, a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao fica com a mesma forma da calculada para o g´as tridimensional, ou seja, Z1 = φ2d q A . (8.42) A fun¸c˜ao de parti¸c˜ao para N part´ıculas tamb´em ´e dada por ZN = Z1N /N!. (b)A energia interna pode ser calculada diretamente da fun¸c˜ao de parti¸c˜ao: hEi = − 1 ∂ZN = Eint . ZN ∂β (8.43) Calculando a derivada obtemos Eint = NκT . (c) A energia livre de Helmholtz pode ser calculada a partir da express˜ao F = limN →∞ (−κT ln ZN ). Obtemos:   N  Z1 F = lim −κT ln N →∞ N! = κT (N ln N − N − N ln Z1 )  = NκT ln N − ln A − 1 − ln φ2d q   2d   φ = NκT ln −1 (8.44) φ2d q A concentra¸c˜ao do g´as adsorvido foi definida como φ2d = N/A. (d) Usamos a defini¸c˜ao de energia livre de Helmholtz: F = Eint − T S ⇒ S = Eint − F T Usando as express˜oes j´a calculadas para F e Eint obtemos ! # " φ2d q S = Nκ ln +2 φ2d (8.45) (8.46) Resumo Nesta aula revisamos a equa¸c˜ao de Schr¨odinger estacion´aria para uma part´ıcula livre em uma caixa tridimensional. A partir dos n´ıveis de energia dessas part´ıculas calculamos a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao de uma part´ıcula e usamos a corre¸c˜ao de Boltzmann para calcular a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao para N part´ıculas CEDERJ 112 Aula 8 - Aplica¸c˜ao: G´as ideal monoatˆ omico no regime cl´assico ´ MODULO 1 - AULA 8 indistingu´ıveis. Essa corre¸c˜ao gerou um modelo de g´as no qual a probabilidade de m´ ultipla ocupa¸c˜ao de n´ıveis de energia ´e desprez´ıvel e cuja validade est´a restrita a gases em regime de baixa concentra¸c˜ao, ou regime cl´assico. Para melhor definir esse regime usamos a compara¸c˜ao com uma grandeza denominada concentra¸c˜ao quˆantica. A partir da fun¸c˜ao de parti¸c˜ao calculamos a energia interna, a energia livre de Helmholtz, a entropia e obtivemos a equa¸c˜ao de estado para o g´as ideal cl´assico. O c´alculo da fun¸c˜ao de parti¸c˜ao foi feito considerando-se um espectro cont´ınuo de energia, uma aproxima¸c˜ao v´alida quando tratamos de volumes macrosc´opicos. Nessa aproxima¸c˜ao foi necess´ario definir a densidade de estados, ou densidade de orbitais, que d´a o n´ umero de microestados por intervalo de temperatura. Informa¸ c˜ oes sobre a pr´ oxima aula Na pr´oxima aula vamos estudar o g´as ideal de mol´eculas diatˆomicas incluindo a energia de rota¸c˜ao. Leitura complementar S. R. A. Salinas, Introdu¸c˜ao `a F´ısica Estat´ıstica, primeira edi¸c˜ao S˜ao Paulo, EDUSP, cap´ıtulos 4 e 6. 113 CEDERJ