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Cederj - Aula 06 - Física Estatística

CEDERJ - Aula 06 - Física Estatística

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Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸c˜ao de Boltzmann ´ MODULO 1 - AULA 6 Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸ c˜ ao de Boltzmann Meta Descrever estatiscamente o equil´ıbrio t´ermico com um reservat´orio a temperatura constante e estabeler a conex˜ao com a Termodinˆamica atrav´es da defini¸c˜ao da fun¸c˜ao de parti¸c˜ao. Objetivos Ao fim desta Aula vocˆe dever´a ser capaz de: 1. calcular a probabilidade de ocorrˆencia de um determinado micro ou macroestado, quando a temperatura ´e mantida constante; 2. calcular a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao; 3. utilizar a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao para obter informa¸c˜oes sobre a termodinˆamica do sistema e 4. demonstrar o princ´ıpio da equiparti¸c˜ao da energia. Pr´ e-requisitos Para o melhor entendimento desta aula vocˆe deve rever algumas aulas de F´ısica 2A revisando os conceitos de energia interna (Aula 8), calor espec´ıfico (Aula 9) e Primeira Lei da Termodinˆamica (Aula 10). Introdu¸ c˜ ao O equil´ıbrio t´ermico tratado at´e agora considerava que a energia total ficava constante. Como no caso da troca de calor entre corpos dentro de um calor´ımetro, neste caso n˜ao temos controle sobre a temperatura final de equil´ıbrio, ela ´e uma consequˆencia da escolha feita para os materiais que comp˜oem os corpos envolvidos, suas massas e temperaturas iniciais. Atrav´es 75 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸c˜ao de Boltzmann da descri¸c˜ao microsc´opica, vimos que a temperatura de equil´ıbrio, ou a energia final de cada corpo, pode ser determinada pelo c´alculo da multiplicidade da configura¸c˜ao de troca de energia mais prov´avel. Vimos tamb´em que, no limite termodinˆamico, a configura¸c˜ao mais prov´avel domina completamente, sendo desprez´ıvel a probabilidade de encontrar o sistema em qualquer outra configura¸c˜ao. Dizemos, neste caso, que observamos o equil´ıbrio num sistema em que a energia foi controlada e a temperatura foi deixada livre para flutuar. Verificamos que essas flutua¸c˜oes tornam-se muito pequenas `a medida que o tamanho do sistema aumenta, fazendo com que a temperatura de equil´ıbrio seja bem definida. Do ponto de vista experimental o controle da temperatura ´e mais conveniente em in´ umeras situa¸c˜oes. Mesmo em nossa vida do dia a dia temos f´acil acesso `a temperatura de uma forma geral, seja a temperatura do ambiente ou a de algu´em com suspeita de febre. O comportamento de sistemas em fun¸c˜ao da temperatura ´e algo que sempre se deseja conhecer, por isso existem equipamentos projetados para o controle da temperatura de um sistema, permitindo um estudo de suas propriedades em fun¸c˜ao da temperatura. Assim, vamos buscar uma descri¸c˜ao estat´ıstica sob esse ponto de vista. Repetimos o procedimento da Aula 4, ou seja, consideramos um sistema combinado, com duas partes identific´aveis, isolado do meio externo. A diferen¸ca agora ´e que uma das partes ´e muito maior que a outra, e ser´a chamada reservat´ orio. A figura 6.1 mostra uma representa¸c˜ao dessa configura¸c˜ao. A parte menor receber´a o nome de sistema simplesmente, e ´e nela que estamos interessados. A energia total, E0, ´e mantida constante, e depois que o equil´ıbrio t´ermico foi atingido, temos que a energia do sistema ´e ε e a do reservat´orio, E0 − ε. As perguntas agora s˜ao: Como determinar a energia do sistema depois que o equil´ıbrio t´ermico for atingido? J´a que estamos controlando a temperatura, em que condi¸c˜oes a energia ser´a uma grandeza bem definida, ou seja, em que circunstˆancias as flutua¸c˜oes de energia ser˜ao desprez´ıveis? A distribui¸ c˜ ao de Boltzmann Assim como no caso do equil´ıbrio t´ermico descrito na Aula 4, devemos admitir todos os poss´ıveis valores para a energia do sistema. Um deles ser´a mais prov´avel e, no limite termodinˆamico, esperamos que corresponda ao estado de equil´ıbrio. Come¸camos calculando a probabilidade Pj de que o sistema esteja num determinado microestado dentro de todos os poss´ıveis, CEDERJ 76 Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸c˜ao de Boltzmann R ´ MODULO 1 - AULA 6 S e E0- e Figura 6.1: Um sistema S em contato com um reservat´orio t´ermico R. A fronteira de S permite que haja troca de energia com o reservat´orio, e o sistema combinado S + R est´a isolado do meio externo, sendo a energia total, E0 , constante. considerando todos os macroestados. Se o sistema est´a num microestado j de energia ε, o reservat´orio estar´a no macroestado de energia E0 − ε e multiplicidade gR (E0 − ε). Note que o microestado j pode ocorrer estando R em qualquer um de seus microestados de energia E0 − ε. Seguindo a hip´otese fundamental de Boltzmann, de que no equil´ıbrio o sistema passeia por todos os seu estados acess´ıveis, passando o mesmo tempo em cada um deles, temos que o tempo em que ele estar´a no microestado j ser´a proporcional a gR , ou seja, a probabilidade Pj ser´a proporcional a gR . Se j ´e um microestado do macroestado de energia ε, temos ent˜ao Pj (ε) = c gR (E0 − ε) , (6.1) onde c ´e uma constante de proporcionalidade, a ser determinada por normaliza¸c˜ao. Como estamos interessados no limite termodinˆamico, estaremos lidando com valores de Pj que variam muito rapidamente dependendo do valor de ε escolhido. Por isso ´e mais conveniente trabalhar com ln Pj = ln c + ln gR . Continuamos, usando o fato do reservat´orio ser muito maior que o sistema, significando que E0  ε, e de podemos expandir ln Pj em s´erie, na forma ln Pj (ε) = ln c + ln gR (E0 − ε) ∂ln gR = ln c + ln gR (E0 ) − ε + O(ε2) . ∂E E=E0 (6.2) Vamos considerar apenas at´e o termo linear da expans˜ao em s´erie. Podemos identificar SR = κ ln gR como a entropia do reservat´orio. Neste caso, usando a defini¸c˜ao (4.6) de temperatura, temos que   ε ε ln Pj (ε) = ln C − ou Pj (ε) = C exp − , (6.3) κTR κTR 77 CEDERJ Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸c˜ao de Boltzmann Física Estatística e Matéria Condensada sendo TR a temperatura do reservat´orio, e C uma constante. Em princ´ıpio c 6= C porque ao truncarmos a s´erie, a normaliza¸c˜ao de Pj pode mudar. Como no equil´ıbrio as temperaturas do sistema e do reservat´orio ser˜ao iguais, podemos abolir o ´ındice R adotado para a temperatura. A constante de proporcionalidade deve ser determinada por normaliza¸c˜ao, somando-se as probabilidades referentes a todos os microestados poss´ıveis para S, X Pj (εj ) = C j X j  ε  exp − =1 κT Definimos ent˜ao Z≡ X j ⇒ C=P 1 . ε j exp − κT  εj  exp − κT (6.4) (6.5) o que leva `a defini¸c˜ao de probabilidade para um dado microestado como ε  exp − κTj . (6.6) Pj (ε) ≡ Z A fun¸c˜ao Z ´e chamada fun¸c˜ao de parti¸c˜ao. As probabilidades definidas em (6.6) comp˜oem o que chamamos de distribui¸c˜ao de Boltzmann. Chamamos ε  de fator de Boltzmann a exp − κTj . A soma em (6.5) ´e sobre todos os microestados dos sistema, portanto teremos v´arios termos iguais (os g(ε) termos que pertencem ao mesmo macroestado). Podemos agrup´a-los e escrever Z em termos de uma soma sobre os macroestados como  ε  X Z≡ g(ε) exp − . (6.7) κT ε Com isso, a probabilidade de um determinado macroestado ´e  ε g(ε) exp − κT P (ε) ≡ Z (6.8) A Figura 6.2 mostra o comportamento do fator de Boltzmann em fun¸c˜ao da energia e da temperatura, separadamente. No primeiro caso vemos que, quanto mais baixa a temperatura, menor ´e a probabilidade de ocupa¸c˜ao de microestados de energia elevada. Se agora fixamos a energia do microestado, vemos que microestados de energia elevada tem uma chance razo´avel de ocupa¸c˜ao apenas se aumentamos a temperatura. Atividade 1 (Objetivo 1) A diferen¸ca de energia entre estados eletrˆonicos ´e medida em eV, entre estados nucleares, em MeV= 106 eV, e entre estados subnucleares, em GeV= 109 CEDERJ 78 Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸c˜ao de Boltzmann ´ MODULO 1 - AULA 6 Figura 6.2: Comportamento do fator de Boltzmann em fun¸c˜ao da (a) energia, em meV e (b) temperatura em K. eV. A que temperaturas as excita¸c˜oes eletrˆonicas, nucleares e subnucleares ser˜ao relevantes? Resposta comentada Se temos dois microestados com energias ε e ε + ∆, a distribui¸c˜ao de Boltzmann nos diz que a probabilidade relativa de ocupa¸c˜ao deles ´e dada por P (ε + ∆ε) exp[−β(ε + ∆ε)] = = exp(−β∆ε) . P (ε) exp(−βε) (6.9) Assim, para um dado valor de ∆ε, quanto maior for a temperatura (menor β), maior a probabilidade da part´ıcula ocupar o microestado com energia ε + ∆ε. De uma forma geral, dizemos que quando κT > ∆ε a ocupa¸c˜ao do microestado de energia ε + ∆ε torna-se relevante. Vamos, ent˜ao, calcular a temperatura T = ∆ε/κ acima da qual as excita¸c˜oes com energia ∆ε tem chance razo´avel de ocorrer, para os processos dados. estados eletrˆonicos: ∆ε = 1 eV → Te ≈ 1,6×10−19 J 1,4×10−23 J/K ≈ 104 K estados nucleares: ∆ε = 106 eV → TN ≈ 1010 K estados subnucleares (quarks): ∆ε = 106 eV → TQ ≈ 1013 K Fim da atividade 79 CEDERJ Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸c˜ao de Boltzmann Física Estatística e Matéria Condensada A express˜ao (6.8) ´e especialmente u ´til quando a energia ´e uma vari´avel cont´ınua. Esse ´e o caso de sistemas cl´assicos, e de alguns sistemas quˆanticos, no limite termodinˆamico. Se ε ´e uma vari´avel cont´ınua, a soma ´e substitu´ıda por uma integral na forma Z  ε  Z = exp − D(ε)dε , (6.10) κT onde D(ε) ´e o que chamamos densidade de estados, e D(ε)dε ´e a multiplicidade referente ao intervalo de energia ε → ε + dε. Podemos usar (6.6) ou (6.8) para calcular os valores m´edios de grandezas. Por exemplo, seja uma grandeza definida pela fun¸c˜ao f(ε), seu valor m´edio ´e dado por P εj  f(ε ) exp − j j κT hfi ≡ , (6.11) Z ou  P ε ε f(ε)g(ε) exp − κT hfi ≡ . (6.12) Z O efeito das flutua¸c˜ oes O efeito das flutua¸c˜oes de energia pode ser estudado pelo c´alculo da variˆancia da distribui¸c˜ao de Boltzmann. Usando a defini¸c˜ao (6.11) de valor m´edio temos   P   2 P 2 Ej Ej E exp − E exp − j j j j κT κT  . (6.13) σE2 ≡ hE 2 i − hEi2 = − Z Z A combina¸c˜ao 1/κT aparece tantas vezes nos c´alculos de f´ısica estat´ıstica, que torna-se conveniente defini-la como uma vari´avel. Usualmente usamos a letra β para isso. Com essa defini¸c˜ao, a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao fica escrita como P Z = j exp(−βE). Agora, note a seguinte igualdade: X ∂Z =− E exp(−βE) . ∂β j (6.14) Com ela podemos reescrever hEi e hE 2 i como hEi = − 1 ∂Z 1 ∂ 2Z = Eint e hE 2 i = . Z ∂β Z ∂β 2 (6.15) Assim, σE2 CEDERJ 80 1 ∂ 2Z = − Z ∂β 2  1 ∂Z Z ∂β 2 ∂ = ∂β  1 ∂Z Z ∂β  =− ∂hEi ∂hEi = κT 2 . ∂β ∂T (6.16) Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸c˜ao de Boltzmann ´ MODULO 1 - AULA 6 hEi ´e o valor de energia observado macroscopicamente, chamado de energia interna na Termodinˆamica, ou Eint, se usamos a nota¸c˜ao da disciplina F´ısica 2A. Se medimos v´arias vezes a energia interna de um sistema macrosc´opico em equil´ıbrio, mantido a uma temperatura constante, obtemos sempre o mesmo valor. No entanto, ao associarmos a energia interna ao valor m´edio da energia de um sistema, estamos admitindo que ele possa ter v´arios valores de energia, tendo cada um a probabilidade P (E) de ocorrer, de acordo com a express˜ao (6.8). Para que o valor observado de energia seja bem definido, ´e necess´ario que σE /N seja um valor muito pequeno. Normalmente a energia ´e escrita em fun¸c˜ao das vari´aveis extensivas, como por exemplo o volume. Chamando de X a vari´avel extensiva que foi mantida constante, temos que a derivada da energia interna com rela¸c˜ao `a temperatura ´e CX (capacidade t´ermica a X constante). Definindo o calor espec´ıfico cX como CX /N, temos que σE2 = κT 2 NcX , (6.17) ou seja, a flutua¸c˜ao relativa dos valores de energia ´e √ σE κT 2cX = √ , N N (6.18) o que significa que, sendo cX finito, σE /N → 0 quando N → ∞, quer dizer, a energia se torna bem definida no limite termodinˆamico, embora tenha sido permitido que assumisse qualquer valor. Atividade 2 (Objetivos 1 e 2) Um ziper tem N elos, cada um pode estar no estado fechado com energia 0, e aberto com energia . O ziper s´o pode ser aberto a partir do extremo esquerdo, e o i-´esimo elo s´o pode estar aberto se os elos a sua esquerda est˜ao abertos. (a) Mostre que a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao deste sistema pode ser somada para dar: Z= 1 − exp[−β(N + 1)] 1 − exp(−β) (6.19) PN N +1 Dica: Mostre que n=0 xn = 1−x para x < 1. 1−x (b) No limite   κT , calcule o n´ umero m´edio de elos abertos `a temperatura T. Resposta comentada (a) Os poss´ıveis valores de energia s˜ao: E = 0, ε, 2ε . . . Nε, ou seja, E = nε, n = 0, 1 . . . N. Como o z´ıper s´o pode ser aberto a partir do extremo 81 CEDERJ Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸c˜ao de Boltzmann Física Estatística e Matéria Condensada esquerdo e o i-´esimo elo s´o pode estar aberto se os elos `a sua esquerda tamb´em estiverem, a multiplicidade do macroestado de energia E ´e g(E, N) = 1. Escrevemos a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao: N X N h  ε in  nε  X Z= exp − = exp − . κT κT n=0 n=0 Para realizar a soma, vamos seguir a dica. Come¸camos por mostrar que P∞ n n=0 x = 1/(1 − x) para x < 1. Note que ∞ X xn = 1 + x + x2 + x3 + . . . (6.20) n=0 e x ∞ X xn = x + x2 + x3 + . . . (6.21) n=0 Subtraindo (6.21) de (6.20) temos ∞ X ∞ X 1 1−x n=0 n=0 (6.22) Queremos uma express˜ao para a soma at´e N. Podemos obte-la se observamos que (1 − x) xn = 1 + x + x2 + x3 + . . . − x − x2 − x3 . . . = 1 ⇒ N X xn = n=0 ∞ X n=0 = xn − 1−x ∞ X n=N +1 ∞ X N +1 n=0 xn = ∞ X n=0 xn = xn − xN +1 N +1 1−x 1−x ∞ X xn = xn n=0 (6.23)  ε temos Assim, identificando x ≡ exp − κT h i +1)ε 1 − exp − (NκT  Z= ε 1 − exp − κT (6.24) (b) Usamos a defini¸c˜ao de m´edia para um sistema `a temperatura constante:  P∞ nε n exp − κT hni = n=0 (6.25) Z  ε Quando ε  κT temos que x ≡ exp − κT ´e um n´ umero muito pequeno, tal 2 3 que x  x  x e assim por diante. Nesta aproxima¸c˜ao temos ∞ X n=0 CEDERJ 82 nxn = 0 + x + 2x2 + 3x3 + . . . ≈ x (6.26) Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸c˜ao de Boltzmann ´ MODULO 1 - AULA 6 e 1 − xN +1 1 ≈ ≈ (1 + x) , (6.27) 1−x 1−x onde usamos a aproxima¸c˜ao (1 + x)m ≈ 1 + mx v´alida para x  1. Logo  ε exp − κT x  hni ≈ = ε 1+x 1 + exp − κT Z= Conex˜ ao com a Termodinˆ amica Assim como na discuss˜ao do equil´ıbrio t´ermico feita na Aula 5, o fato de termos a vari´avel livre assumindo valores termodinˆamicos bem definidos quando N → ∞, est´a relacionado com a existˆencia de um termo predominante em (6.7). A multiplicidade ´e sempre uma fun¸c˜ao crescente da energia, e o fator de Boltzmann decresce com o aumento da energia, o produto de fun¸c˜oes com esses comportamentos acaba gerando uma fun¸c˜ao que apresenta um pico. Assim, quando escrevemos Z na forma (6.7) temos a certeza de que existe um termo m´aximo, ou dominante. Este comportamento ser´a acentuado quando fizermos N → ∞. Vamos considerar que, nesse limite, a soma em Z possa ser substitu´ıda pelo maior termo apenas. Se usamos a defini¸c˜ao de entropia em fun¸c˜ao da multiplicidade, podemos escrever g(E) = exp(S/κ) e X Z= exp [−β(E − T S)] . (6.28) E Para um dado valor de temperatura, o maior termo do somat´orio (termo dominante) corresponde ao que tem o menor valor de E − T S. Considerando que quando N → ∞ este `e o u `nico termo importante, temos lim Z = exp [−β min(E − T S)] . N →∞ (6.29) Definimos a fun¸c˜ao F tal que F ≡ lim −κT ln Z = min(E − T S) . N →∞ (6.30) Com essa defini¸c˜ao a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao, no limite termodinˆamico, pode ser escrita como Z = exp(−βF ) . (6.31) Aqui podemos fazer as seguintes identifica¸c˜oes, v´alidas apenas no limite termodinˆamico: E → hEi = Eint. Esse procedimento ´e poss´ıvel pelo fato de σE /N → 0 no limite termodinˆamico, como acabamos de ver. Com essa substitui¸c˜ao conclu´ımos que, no limite termodinˆamico, a configura¸c˜ao de 83 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸c˜ao de Boltzmann troca de energia mais prov´avel, que corresponde ao termo dominante da fun¸c˜ao de parti¸c˜ao, ´e aquela que minimiza a quantidade F = Eint −T S. Note que `a medida que T ´e fixa, F ´e diminu´ıdo se Eint diminui, ou se S aumenta. A grosso modo, quando T for baixa, o termo T S ´e pouco importante, e o crit´erio de diminui¸c˜ao de energia ser´a predominante. Um caso extremo ´e o em que T = 0, onde apenas a minimiza¸c˜ao da energia define o equil´ıbrio. Esta ´e exatamente a situa¸c˜ao dos sistemas regidos pela Mecˆanica (cl´assica ou quˆantica). Por outro lado, se a temperatura ´e alta o suficiente, a maximiza¸c˜ao da entropia ser´a o principal crit´erio. De uma forma geral, o comportamento t´ermico dos sistemas ´e regido pela competi¸c˜ao entre miniza¸c˜ao de energia e maximiza¸c˜ao de entropia. A fun¸c˜ao F (X, T, N) define o que chamamos energia livre de Helmholtz. A estrutura da Termodinˆamica est´a baseada na defini¸c˜ao de energias livres, ou potenciais termodinˆamicos, adequados a situa¸c˜oes que refletem a realidade experimental. Existem outras energias livres definidas para os casos em que outras vari´aveis de estado s˜ao mantidas sob controle. O estudo dessa interessant´ıssima estrutura matem´atica est´a fora do escopo desta disciplina. Se vocˆe tem interesse, sugiro que consulte a leitura complementar indicada no final desta aula. Interpreta¸c˜ ao estat´ıstica da Primeira Lei da Termodinˆ amica Vamos considerar um sistema hipot´etico, bem simples. Temos N = 10 part´ıculas que podem ocupar 4 n´ıveis de energia n˜ao degenerados, com energias ε1 . . . ε4, como indicado na figura 6.3. Se T = 0, n˜ao havendo restri¸c˜ao para a ocupa¸c˜ao dos n´ıveis, o crit´erio de minimiza¸c˜ao de energia leva ao estado fundamental onde E = Nε1 . Para T 6= 0 a probabilidade de ocupa¸c˜ao dos n´ıveis superiores aumenta. Observando a express˜oes (6.6) e (6.8) e a figura 6.2 vemos que o aumento da temperatura faz com que a probabilidade de ocupa¸c˜ao dos n´ıveis de energia mais elevada aumente. Numa dada temP peratura, podemos escrever a energia total do sistema como E = 4i=1 ηi εi . As vari´aveis ηi definem o que chamamos de ocupa¸c˜oes, elas d˜ao o n´ umero de part´ıculas em cada n´ıvel de energia. No caso da figura 6.3(b) temos η1 = 5, η2 = 3, η3 = 0, η4 = 2. Podemos obter valores diferentes de E se variamos as ocupa¸c˜oes ηi , ou se variamos os valores dos εi . O primeiro caso est´a ilustrado nas figuras 6.3(b) e (c). Em geral teremos os n´ıveis de energia dependendo de uma vari´avel extensiva X, como o volume. Se X ´e variado, mantendo fixas as ocupa¸c˜oes, os valores dos εi mudam e a energia total do sistema varia CEDERJ 84 Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸c˜ao de Boltzmann (a) T=0 (b) T1 > 0 e4 e3 e2 e1 e4 e3 e2 e1 (d) (c) ´ MODULO 1 - AULA 6 T2 > T1 T3 e4 e3 e4 e3 e2 e1 e2 e1 Figura 6.3: Representa¸c˜ao gr´afica da ocupa¸c˜ao de n´ıveis de energia. (a)T = 0, prevalece o crit´erio energ´etico, todas as part´ıculas tem a menor energia poss´ıvel. (b) Numa temperatura T1 > 0 n´ıveis de energia mais elevada passam a ser ocupados. (c) O sistema recebeu calor, com rela¸c˜ao `a configura¸c˜ao (b). A energia aumenta porque algumas part´ıculas foram promovidas a n´ıveis mais elevados. (d) Com rela¸c˜ao a (b), esta configura¸c˜ao teve a energia aumentada pelo aumento de ocupa¸c˜ao de n´ıveis mais elevados e pelo aumento no valor das energias dos n´ıveis. Com rela¸c˜ao a (c), o aumento de energia se deveu apenas ao aumento dos valores de εi , j´a que as ocupa¸c˜oes permaneceram constantes. (veja a figura 6.3(d)). Essas duas contribui¸c˜oes podem ser identificadas se calculamos a varia¸c˜ao total de energia. Temos E= 4 X i=1 ηi εi ⇒ dE = 4 X (εi dηi + ηi dεi ) (6.32) i=1 No primeiro termo de dE a varia¸c˜ao das ocupa¸c˜oes leva a um aumento na multiplicidade do macroestado ou, do ponto de vista termodinˆamico, um aumento de entropia, causado por troca de calor. O segundo termo resultou da varia¸c˜ao de X, ou seja, corresponde `a realiza¸c˜ao de trabalho. Assim no limite termodinˆamico, temos dE = d0 Q + d0W , que nada mais ´e que a Primeira Lei da Termodinˆamica. 85 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸c˜ao de Boltzmann O princ´ıpio da equiparti¸c˜ ao de energia Um dos resultados mais interessantes da distribui¸c˜ao de Boltzmann ´e sem d´ uvida o princ´ıpio da equiparti¸c˜ao de energia. Embora seja v´alido apenas nos regimes de temperatura alta, sua simplicidade reflete exatamente o esp´ırito que permeia a f´ısica de um modo geral, de isolar apenas o que ´e fundamental em um sistema. Como visto na Aula 8 de F´ısica 2A, no limite termodinˆamico, em sistemas regidos pela Mecˆanica Cl´assica, cada termo quadr´atico de energia contribui com κT /2 para a energia interna do sistema. Agora podemos calcular esse resultado. Suponha um sistema com N part´ıculas, cuja energia seja dada por E= N X ` X ai,j α2i,j . (6.33) i=1 j=1 Definimos ` como o n´ umero de termos independentes, ou n´ umero de graus de liberdade. Os ai,j s˜ao coeficientes, e αi,j s˜ao vari´aveis que definem o microestado do sistema. Por exemplo, num g´as com N mol´eculas de massa m, a energia cin´etica total ´e E= N  X 1 i=1 2 2 mvi,x 1 2 1 2 + mvi,y + mvi,z 2 2  (6.34) sendo a velocidade da i-´esima mol´ecula dada por ~vi = vi,x xˆ + vi,y yˆ + vi,z zˆ. Neste caso identificamos ` = 3 (temos 3 termos de energia cin´etica, referentes ao movimento ao longo dos 3 eixos), α1 = vx, α2 = vy , α3 = vz e a = m/2 para todas as part´ıculas e graus de liberdade. Sendo um sistema cl´assico, as vari´aveis αi,j s˜ao cont´ınuas, portanto, a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao ´e dada por " !# Z Z Z N ` X X ZN = dα1,1 dα1,2 . . . dαN,` exp −β ai,j α2i,j (6.35) i=1 ZN pode ser escrita como  j=1  ! N Z ` X Y   2  dαi,1 . . . dαi,` exp −β  = (Z1 )N . ZN = a α i,j i,j    j=1 i=1  | {z } (6.36) ≡Z1 Na equa¸c˜ao acima escrevemos a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao de N part´ıculas (ZN ) em termos da fun¸c˜ao de parti¸c˜ao para uma part´ıcula (Z1 ). Isso foi poss´ıvel CEDERJ 86 Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸c˜ao de Boltzmann ´ MODULO 1 - AULA 6 porque a energia total pode ser escrita como a soma das energias de cada part´ıcula individual. Assim, ficamos reduzidos ao c´alculo de Z1 . Podemos simplificar ainda mais o problema se notamos que  `/2 ` Z +∞ ` r Y  Y π π 2 Z1 = dαj exp −βaj αj = = . (6.37) βaj βaj j=1 −∞ j=1 Assim, obtemos ZN =  π βaj N `/2 , (6.38) onde usamos a equa¸c˜ao (). Usando a equa¸c˜ao (6.15) podemos calcular a energia interna 1 ∂Z N` κT Eint = − = = N` . (6.39) Z ∂β 2β 2 Atividade 3 (Objetivo 4) Examine as express˜oes para as contribui¸c˜oes de rota¸c˜ao e vibra¸c˜ao da mol´ecula diatˆomica, na Aula 8 de F´ısica 2A, compare-as com a express˜ao (6.33) identificando o valor de `, coeficientes ai,j e vari´aveis αi,j . Resposta comentada A energia interna referente apenas `a rota¸c˜ao da mol´ecula diatˆomica ´e Erot = = N X 1 1 Ixiωx2 + Iyi ωy2 2 2 i=1 2 N X X i=1 j=1 1 Iji ωj2 2 j = x, y , onde Ixi e Iyi s˜ao os momentos de in´ercia com rela¸c˜ao a dois eixos perpendiculares ao eixo molecular, e ωx e ωy s˜ao as velocidades angulares referentes `a rota¸c˜ao em torno desses eixos. Imediatamente identificamos: ` = 2 e αij = Ii,j /2, levando a Erot = NκT . Quanto `a vibra¸c˜ao temos duas contribui¸c˜oes: uma da energia el´astica e outra de energia cin´etica de vibra¸c˜ao. Sendo x0 a separa¸c˜ao de equil´ıbrio entre os dois ´atomos na mol´ecula, e vR a velocidade relativa entre eles ao longo do eixo interatˆomico, temos Evib = N X 1 i=1 1 mω 2(x − x0)2 + mvR2 . 2 2 Temos assim dois graus de liberdade (` = 2) e os coeficientes relacionados a eles s˜ao α1 = 12 ω 2 e α2 = 12 m. Finalmente, Evib = NκT . 87 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸c˜ao de Boltzmann Conclus˜ ao Tendo a temperatura regulada por um reservat´orio t´ermico, um sistema macrosc´opico encontra seu equil´ıbrio na configura¸c˜ao que minimiza F = Eint − T S. Essa configura¸c˜ao representa a competi¸c˜ao entre duas tendˆencias: maximizar a entropia e minimizar a energia, a primeira sendo mais importante no regime de temperatura alta e a segundo no de temperatura baixa. O conhecimento do comportamento t´ermico de um sistema com a temperatura controlada pode ser feito a partir da fun¸c˜ao de parti¸c˜ao, que ´e uma soma sobre todos os poss´ıveis microestados do sistema. Nesse procedimento admitimos que os sistema esteja em qualquer microestado, atribuindo a ele uma probabilidade que depende da temperatura e da energia do microes´ fundamental que fique claro que, s´o depois de aplicado o limite tado. E termodinˆamico, poderemos realizar a conex˜ao com a termodinˆamica, j´a que, apenas nesse caso, o estado final de energia fica bem definido. Um ponto muito importante, e que nem sempre fica claro, ´e que podemos escolher fixar a energia ou a temperatura. O comportamento observado macroscopicamente n˜ao depende de que abordagem estat´ıstica usamos. Podemos escolher a que for mais conveniente em cada problema que fomos resolver. O que garante a equivalˆencia entre as diferentes abordagens ´e o limite termodinˆamico. Resumo Nesta aula vocˆe aprendeu a trabalhar com sistemas mantidos a uma temperatura fixa a partir da probabilidade de ocorrˆencia de micro e macroestados, conhecida como distribui¸c˜ao de Boltzmann. O ponto de partida ´e a express˜ao da energia total das N part´ıculas, em geral, vinda da Mecˆanica Quˆantica. A normaliza¸c˜ao dessa distribui¸c˜ao leva `a defini¸c˜ao de uma grandeza de extrema importaˆancia na F´ısica Estat´stica, a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao Z (vejas as equa¸c˜oes (6.6) e (6.8). , A partir de derivadas de Z toda a Termodinˆamica do sistema pode ser derivada, se tomamos o limite termodinˆamico. Nesta abordagem admitimos que o sistema visite todos os seus microestados que agora pertencem a diferentes macroestados. No limite termodinˆamico, o macroestado mais prov´avel tamb´em ´e aquele que minimiza a energia livre de Helmholtz, definida como F = E − T S. A minimiza¸c˜ao de F envolve tanto a minimiza¸c˜ao da energia como a maximiza¸ca˜o da entropia, CEDERJ 88 Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸c˜ao de Boltzmann ´ MODULO 1 - AULA 6 podendo um efeito ser dominante em rela¸c˜ao ao outro, dependendo da temperatura. Como aplica¸c˜ao da distribui¸c˜ao de Boltzmann calculamos o valor m´edio da energia num sistema gen´erico, com graus de liberdade quadr´aticos e verificamos o princ´ıpio da equiparti¸c˜ao de energia. A partir da defini¸c˜ao estat´ıstica da entropia pudemos calcular a probabilidade de que um de terminado microestado ocorra, dado um certo valor de temperatura. Da normaliza¸c˜ao dessa probabilidade vem a defini¸c˜ao da grandeza central da F´ısica Estat´ıstica: a fun¸c˜ao parti¸c˜ao. Nela est´a toda a informa¸c˜ao estat´ıstica do sistema e ´e o ponto de partida para todas as rela¸c˜oes termodinˆamicas do sistema. Informa¸ c˜ oes sobre a pr´ oxima aula Na pr´oxima aula vocˆe vai estudar a termodinˆamica do sistema paramagn´etico uniaxial, do pontro de vista da distribui¸c˜ao de Boltzmann. Leitura complementar S. R. A. Salinas, Introdu¸c˜ao `a F´ısica Estat´ıstica, primeira edi¸c˜ao S˜ao Paulo, EDUSP, 1997, cap´ıtulo 5. Atividade Final (Objetivos 1-3) Considere um sistema que pode ser encontrado em dois estados, um com energia 0 e outro com energia ε. A energia total de N part´ıculas pode ser escrita em termos das ocupa¸c˜oes ηi como E= N X ηi ε , i=1 onde ηi = 0, 1. (a). Como podem ser identificados os macro e microestados das N part´ıculas? (b). Calcule a fun¸c˜ao de parti¸c˜ao do sistema. (c). Calcule a energia interna a partir da fun¸c˜ao de parti¸c˜ao. (d). Escreva a express˜ao para a energia livre de Helmoltz total. (e). A partir da energia livre, calcule a entropia do sistema. 89 CEDERJ Física Estatística e Matéria Condensada Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribui¸c˜ao de Boltzmann Resposta comentada (a). Um macroestado de N part´ıculas corresponde a um dado valor de E. Para cada E temos v´arias possibilidades de escolha para os valores de η. Cada conjunto{η1, η2 , . . . ηN } define um microestado. (b). Somar sobre os microestados significa somar sobre todas as possibilidades de escolha para os valores dos ηi . Formalmente temos ! N X XX X ... exp −β ηi ε ZN = η1 = η2 XX η1 = η2 X ηN ... X i=1 exp (−βη1ε) exp (−βη2ε) . . . exp (−βηN ε) ηN exp (−βη1ε) η1 = " X X η2 #N exp (−βη2ε) . . . X exp (−βηN ε) ηN exp (−βηε) η = [1 + exp(−βε)]N (c). Podemos usar a express˜ao (6.15) para calcular a energia interna 1 ∂Z 1 = − N [1 + exp(−βε)]N −1 (−ε) exp(−βε) Z ∂β Z Nε exp(−βε) = . [1 + exp(−βε)] Eint = − (d). A energia livre de Helmholtz ´e dada por F = −κT ln ZN . Assim, F = −NκT ln [1 + exp(−βε)] (e). Sabemos que F = Eint − T S, ou S = (Eint − F )/T . Assim, basta substituir as express˜oes para Eint e F . CEDERJ 90