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Aborto Manual

Manual de saúde, ações no caso de aborto concentido por Lei.

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Abortamento Seguro: Orientação Técnica e de Políticas para os Sistemas de Saúde International Women´s Health Coalition Nova Iorque, NY, EUA Organização Mundial da Saúde Genebra, Suíça 1 Agradecimentos A Organização Mundial da Saúde agradece muito a contribuição de todos aqueles que colaboraram na elaboração desta publicação, e em particular os participantes do Consultoria Técnica da Organização Mundial da Saúde sobre Abortamento Seguro realizada em Genebra, Setembro, 2000, por suas contribuições e revisões posteriores. A preparação e impressão da publicação, e a consultoria técnica, foram possíveis através das contribuições financeiras da Fundação David and Lucille Packard, Fundação Ford e Agência Sueca de Cooperação e Desenvolvimento Internacional e o Departamento para Desenvolvimento Internacional do Reino Unido. Organização Mundial da Saúde 20 Avenue Appia 1211 Geneva 27 Switzerland Fax: +44-22-791-4171 E-mail: [email protected] Website: http//www.int/reproductive-health/ Este livro foi publicado pela Organização Mundial da Saúde em 2003 sob o título “Safe abortion: technical and policy guidance for health systems” ® Organização Mundial da Saúde, 2003 O Diretor Geral da Organização Mundial da Saúde autorizou os direitos para edição em português ao International Women´s Health Coalition, o qual é responsável apenas pela edição em português. Tradução: Centro de Pesquisas e Controle das Doenças Materno-Infantis de Campinas – Cemicamp Responsável: Prof. Dr. Aníbal Faúndes Colaboração: Vilma Maria Zotareli Revisão português: Dra. Maria José Duarte Osis Revisão tradução: Dra. Carmen Simone G. Diniz Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Unicamp Abortamento Seguro: orientação técnica e política para os sistemas da saúde / Organização Mundial da Saúde, International Women´s Health Coalition – Campinas, SP: Cemicamp, 2004. 1. Abortamento induzido 2. Abortamento terapêutico 3. Aborto – normas 4. Cuidado pré-natal – organização e administração 5. Cuidado pré-natal – normas 6. Política de saúde. I. Organização Mundial de Saúde. II. Internacional Women´s Health Coalition. III. Centro de Pesquisas e Controle das Doenças Materno-Infantis de Campinas. IV. Título CDD – 618.88 618.24 614 ISBN (Esperando código) © Organização Mundial da Saúde 2002 Todos os direitos reservados. Publicações da Organização Mundial da Saúde podem ser obtidas através do “Marketing and Dissemination, World Health Organization, 20 Avenue Appia, 1211, Geneva 27, Switzerland (Tel: _41-22-791-2476, fax: +41-22791-4857), e-mail: [email protected]). Solicitações de autorização para reproduzir ou traduzir as publicações da OMS – tanto para venda quanto para distribuição não-comercial – deve ser endereçada para Publication, no mesmo endereço (fax: +41-22-7914806), e-mail [email protected]). As designações empregadas e a apresentação do material nesta publicação não implicam a expressão de alguma opinião, qualquer que seja, da parte da Organização Mundial da Saúde referente ao estatus legal de qualquer país, território, cidade ou área, suas autoridades, ou à delimitação de suas fronteiras ou limites. Linhas pontuadas no mapa representam aproximadamente limites para os quais ainda não existe ainda um acordo completo. A menção de empresas específicas ou de certos produtos manufaturados não implica que eles são endossados ou recomendados pela Organização Mundial da Saúde em detrimento de outros de uma natureza similar que não estão mencionados. Exceto o caso de erros e omissões, os nomes de produtos comerciais se destacam em letras maiúsculas. A Organização Mundial da Saúde não garante que a informação contida nesta publicação é completa e correta e não deve ser penalizada por qualquer dano ocorrido em resultado de seu uso. Desenhado por Clarus Design 020-76929801 2 Conteúdo Introdução Capítulo 1: Serviços de abortamento seguro: desafio para a saúde pública Resumo 1. Antecedentes 2. Abortamento induzido 3. Abortamento inseguro 4. Abortamento seguro 5. Cnsiderações legais, políticas e contextuais 6. O desafio – tornar disponíveis serviços de abortamento seguro Referências Capítulo 2: Cuidados clínicos das mulheres que solicitam abortamento Resumo 1. Cuidados pré-abortamento 1.1. História da mulher 1.2. Exame físico 1.3. Testes de laboratórios 1.4. Ultrasom 1.5. Condições pré-existentes 1.6. Infecções do Trato Reprodutivo (ITR) 1.7. Gravidez ectópica 1.8. Isoimunização - Rh 3 1.9. Citologia cervical 1.10. Informação e orientação 1.10.1. Orientação para tomada de decisão 1.10.2. Informação sobre procedimentos do abortamento 1.10.3. Informação e serviços de anticoncepção 2. Métodos de abortamento Resumo 2.1. Preparação cervical 2.2. Alívio da dor 2.2.1. Medicação para a dor 2.2.2. Anestesia 2.3. Abortamento cirúrgico 2.3.1. Aspiração a vácuo 2.3.2. Dilatação e curetagem 2.3.3. Dilatação e evacuação 2.3.4. Outros métodos cirúrgicos de abortamento para uso em gravidez tardia 2.3.5. Exame do tecido obtido no abortamento cirúrgico 2.4.Métodos de abortamento médico 2.4.1. Mifepristone e prostaglandina 2.4.1.1. Até nove semanas completas desde a data da última menstruação 2.4.1.2. De nove a 12 semanas completas desde a data da última menstruação 2.4.1.3. Após 12 semanas completas desde a data da última menstruação 4 2.4.2. Misoprostol ou gemeproste sozinho 2.4.2.1.Até 12 semanas completas desde a data da última menstruação 2.4.2.2.Após 12 semanas completas desde a data da última menstruação 2.4.3. Outros agentes de abortamento médico 2.5.Outras questões relacionadas aos procedimentos de abortamento 2.5.1. Prevenção e controle de infecção 2.5.1.1.Lavagem de mãos e uso de barreiras protetoras 2.5.1.2.Limpeza 2.5.1.3.Eliminação segura de material contaminado com fluídos corporais 2.5.1.4.Manuseio seguro e eliminação de objetos perfuro-cortantes 2.5.1.5.Limpeza segura de equipamentos após o uso 2.5.2. Manejo das complicações do abortamento 2.5.2.1.Abortamento incompleto 2.5.2.2.Falha no procedimento 2.5.2.3.Hemorragia 2.5.2.4.Infecção 2.5.2.5.Perfuração uterina 2.5.2.6. Complicações relacionadas com anestesia 2.5.2.7.Seqüelas a longo prazo 3. Seguimento 3.1.Período de recuperação 3.1.1 Métodos cirúrgicos de abortamento 3.1.2 Métodos médicos de abortamento 5 3.2. Prescrição e entrega de métodos anticoncepcionais e orientação sobre infecções de transmissão sexual 3.3. Instruções sobre cuidados depois do abortamento Referências Capítulo 3: Colocando serviços em funcionamento Resumo 1. Avaliando a situação atual 2. Estabelecendo normas e padrões nacionais 2.1. Tipos de serviços de abortamento e onde eles podem ser oferecidos 2.1.1 Nível da comunidade 2.1.2 Nível de atendimento primário 2.1.3. Hospital distrital (primeiro nível de referência) 2.1.4. Hospitais de referência secundária e terciária 2.2. Equipamentos, suprimentos, medicamentos e facilidades de infra-estrutura essenciais 2.2.1 Normas que regulam o uso de drogas e dispositivos 2.3. Mecanismos de referência 2.4. Respeito pela decisão livre e informada das mulheres, autonomia, confidencialidade e privacidade, com atenção especial às necessidades das adolescentes 2.4.1. Decisão livre e informada 2.4.2. Autonomia no processo de decisão (autorização de terceiros) 2.4.3. Confidencialidade 2.4.4. Privacidade 6 2.5. Cuidados especiais para mulheres que sofreram estupro 3. Assegurando as habilidades e desempenho dos provedores 3.1. Habilidades e treinamento dos provedores 3.2. Supervisão 3.3. Certificação e credenciamento de profissionais de estabelecimentos de saúde 4. Monitoramento e avaliação de serviços 4.1. Monitoramento 4.2. Avaliação 5. Financiamento 5.1. Custo para os serviços ou para o sistema de saúde 5.2. Tornando os serviços economicamente acessíveis às mulheres Referências Capítulo 4: Considerações legais e políticas Resumo 1. A saúde da mulher e acordos internacionais 2. As leis e sua implementação 3. Entendendo as condições legais para abortamento 3.1. Quando a gravidez é uma ameaça para a vida da mulher 3.2. Quando a gravidez é uma ameaça para a saúde física ou mental da mulher 3.3. Quando a gravidez é resultado de estupro ou incesto 3.4. Quando há mal-formação fetal grave 3.5. Por razões econômicas e sociais 3.6. Quando é solicitado 7 3.7. Limite de idade gestacional 3.8. Outros limites 4. Criando um ambiente político favorável 4.1. Metas 4.2. Leque de serviços 4.3. Métodos de abortamento 4.4. Diversidade de provedores 4.5. Preço dos serviços 4.6. Requisitos do sistema de saúde / qualidade de atendimento 4.7. Informação ao público 5. Removendo barreiras administrativas e regulatórias Referências Anexo 1: Fontes complementares de leitura Anexo 2: Documentos de consensos internacionais sobre abortamento seguro Anexo 3: Instrumentos e suprimentos para aspiração manual intra-uterina (AMIU) Anexo 4: Contracepção após-abortamento Introdução Em outubro de 2000, na Cúpula do Milênio das Nações Unidas (United Nations Milennium Summit), todos os países concordaram sobre o imperativo de promover a redução global da pobreza e das iniqüidades. A necessidade de melhorar a saúde materna foi identificada como um dos componentes chave das metas de 8 desenvolvimento do milênio, visando a reduzir os níveis de mortalidade materna em três quartos entre 1990 e 2015. As causas de morte materna são múltiplas. Mulheres morrem devido a complicações ou manejos inadequados durante o parto. Elas morrem de doenças tais como malária, que se agravam com a gravidez. Elas morrem devido a complicações que aparecem no início da gravidez, às vezes, mesmo antes delas saberem que estão grávidas, tais como gravidez ectópica. E elas morrem por procurarem por fim a uma gravidez indesejada ainda que não tenham falta de acesso a serviços apropriados. Para atingir as Metas de Desenvolvimento do Milênio de melhorar na saúde materna e reduzir a mortalidade materna é preciso atuar sobre todas essas frontes. Apesar do dramático aumento do uso de contracepção nas últimas três décadas, estimase que de 40-50 milhões de abortamentos ocorram anualmente, cerca da metade deles em condições inseguras. Globalmente, aproximadamente 13% de todas as mortes maternas são devidas às complicações do abortamento. Além das 70.000 mulheres que morrem a cada ano, dezenas de milhares sofrem conseqüências a longo prazo, incluindo infertilidade. Mesmo quando o planejamento familiar é amplamente acessível, gravidezes ocorrem devido a falha contraceptiva, dificuldade com o uso, não uso de anticoncepcionais ou como resultado de incesto ou estupro. A gravidez pode representar uma ameaça à vida da mulher ou à sua saúde física e mental. Em reconhecimento a estas circunstâncias, quase todos os países do mundo têm aprovado leis que permitem a interrupção da gravidez sob condições específicas. Em alguns lugares o abortamento é legal apenas para salvar a vida da mãe, em outros, o abortamento é permitido sempre 9 que solicitado pela mulher. Os sistemas de saúde precisam responder de acordo com cada realidade. O papel da Organização Mundial da Saúde é desenvolver normas e padrões e providenciar assessoria aos países membros para fortalecer a capacidade dos sistemas de saúde. Por mais de três décadas a Organização Mundial da Saúde tem fornecido assistência aos governos, agências internacionais e organizações não-governamentais para planejar e prover serviços de saúde materna, incluindo o manejo de complicações de abortamento inseguro e providenciando serviços de planejamento familiar de alta qualidade. Na Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas em Junho de 1999, governantes concordaram que “em circunstâncias onde o abortamento não é proibido por lei, os sistemas de saúde devem treinar e equipar os provedores de serviços de saúde e devem tomar outras medidas para assegurar que o abortamento seja seguro e acessível. Medidas adicionais devem ser tomadas para salvaguardar a saúde da mulher”. Este documento fornece orientação sobre como transformar este acordo em realidade. 10 Capítulo 1 – Serviços de abortamento seguro: desafio para a saúde pública CAPÍTULO 1 Resumo • Estima-se que 46 milhões de gravidezes terminam em abortamento induzido a cada ano. Estima-se que perto de 20 milhões destes abortamentos são realizados em condições inseguras. • Cerca de 13% das mortes relacionadas à gravidez têm sido atribuídas a complicações de abortamento inseguro, provavelmente 67.000 mortes anuais. • Em países em desenvolvimento, o risco de morte como resultado de complicações dos procedimentos de abortamento inseguro é várias centenas de vezes maior do que o risco quando o abortamento é realizado por profissionais em condições seguras. • Complicações resultantes de abortamento inseguro contribuem para seqüelas graves para a saúde da mulher tais como infertilidade. 11 • Considerando que os anticoncepcionais não são 100% eficazes, continuarão ocorrendo gravidezes indesejadas que as mulheres procurarão interromper através do abortamento induzido. • Em quase todos os países a lei permite o abortamento para salvar a vida da mulher, e em muitos países o abortamento é permitido para preservar a sua saúde física e mental. • É preciso, portanto, que existam serviços que façam abortamento seguro, de acordo com a lei, realizado pela equipe de saúde bem treinado e contando com o apoio de políticas, regulamentações e uma infra-estrutura apropriada dos sistemas de saúde, incluindo equipamento e suprimentos, para que a mulher possa ter um rápido acesso a esses serviços. 1. ANTECEDENTES Tanto a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (ICPD) realizada no Cairo em 1994, como a 4ª Conferência Internacional sobre a Mulher (FWCW), ocorrida em Beijing em 1995, afirmaram os direitos humanos das mulheres na área de saúde reprodutiva e sexual. A Conferência do Cairo estabeleceu que “direitos reprodutivos incluem certos direitos humanos que já foram reconhecidos nas leis nacionais, em documentos internacionais sobre direitos humanos e outros documentos de consenso. Esses direitos baseiam-se no reconhecimento dos diretos básicos de todos os casais e indivíduos 12 decidirem livre e responsavelmente o número, espaçamento e momento de terem seus filhos e ter a informação e meios para isso, bem como o direito de alcançarem o mais alto padrão de saúde sexual e reprodutiva (Nações Unidas 1995, parágrafo 7.3)”. Em Beijing, os governos concordaram que “os direitos humanos das mulheres incluem seus direitos a ter controle e a decidir livre e responsavelmente sobre questões relacionadas à sua sexualidade, incluindo saúde sexual e reprodutiva, livres de coerção, discriminação e violência. Relacionamentos igualitários entre mulheres e homens quanto às relações sexuais e reprodutivas, incluindo total respeito à integridade das pessoas, requerem de respeito mútuo, consentimento e compartilhar responsabilidade quanto ao comportamento sexual e suas conseqüências”(Nações Unidas 1996, parágrafo 96). Especialmente sobre a questão do abortamento, os governos do mundo reconheceram, na Conferência do Cairo, que o abortamento inseguro é um dos maiores problemas de saúde pública e asseguraram seu compromisso em reduzir a necessidade de abortamento através da expansão e melhora dos serviços de planejamento familiar, enquanto ao mesmo tempo reconheceram que, nas circunstâncias em que não são contrárias á lei, os abortamentos devem ser seguros (Nações Unidas 1995, parágrafo 8.25). Um ano após, a Conferência de Beijing confirmava esses acordos e também chamava a atenção dos governantes para reverem as leis que contenham medidas punitivas contra mulheres que praticam abortamento ilegal (Nações Unidas 1996, parágrafo 106). A Assembléia Geral das Nações Unidas revisou e aprovou a implementação do ICPD em 1999 (ICPD +5) e concordou ainda que, “em circunstâncias onde o abortamento não é 13 proibido por lei, o sistema de saúde deve treinar e equipar os provedores de serviço de saúde e tomar outras medidas para assegurar que o abortamento seja seguro e acessível. Medidas adicionais devem ser tomadas para salvaguardar a saúde das mulheres.” (Nações Unidas 1999 parágrafo 63. iii). Por muitos anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras organizações têm elaborado normas para a prevenção do abortamento inseguro e o tratamento de suas complicações (ver Anexo 1). Este documento oferece orientação técnica para os governos, os legisladores, administradores de programas e trabalhadores da saúde sobre como implementar o parágrafo 63.iii citado acima. 2. ABORTAMENTO INDUZIDO De 210 milhões de gravidezes que ocorrem a cada ano, cerca de 46 milhões (22%) terminam em abortamento induzido e, globalmente, a grande maioria das mulheres está sujeita a ter pelo menos um abortamento até completarem 45 anos (Alan Guttmacher Institute 1999). A taxa total de abortamento diminui substancialmente nos lugares em que os métodos contraceptivos eficazes estão disponíveis e são amplamente usados (Bongaarts and Westoff 2000), mas em nenhum local diminuíram para zero por diversas razões. Primeiro, milhões de mulheres e homens não têm acesso a métodos contraceptivos apropriados, ou não têm informação adequada nem apoio para o uso efetivo desses métodos. Segundo, nenhum método contraceptivo é 100% eficaz. A Tabela 1.1. ilustra este ponto, usando estimativas baseadas em “uso perfeito” de um método, situação na qual a usuária sempre segue exatamente as instruções para uso, e estimativas calculadas a partir do 14 “uso típico”, que leva em consideração que as pessoas nem sempre conseguem usar o método contraceptivo perfeitamente. Terceiro, altas taxas de violência contra as mulheres, incluindo violência doméstica e as guerras, levam a gravidezes indesejadas. Quarto, mudanças de circunstâncias, na vida, tais como divórcio ou outras crises, pode tornar uma gravidez desejada em indesejada. 3. ABORTAMENTO INSEGURO Mesmo se todas as usuárias e usuários de contraceptivos utilizassem perfeitamente o tempo todo, haveria ainda perto de seis milhões de gravidezes acidentais anualmente. Portanto, mesmo com altas taxas de uso de contraceptivos, sempre ocorrerão gravidezes indesejadas que as mulheres poderão desejar interromper através de abortamento induzido. Um abortamento inseguro é “um procedimento para terminar uma gravidez indesejada realizada por pessoas sem as devidas habilidades ou em um ambiente sem os mínimos padrões médicos, ou ambos” (Organização Mundial da Saúde 1992). Estima-se que cerca de 20 milhões, ou aproximadamente a metade dos abortamentos induzidos anualmente são inseguros. Noventa e cinco porcento desses abortamentos inseguros ocorrem em países em desenvolvimento (Organização Mundial da Saúde 1998). Globalmente, há uma média de um abortamento inseguro para cada sete nascidos vivos (Organização Mundial da Saúde 1998), mas em algumas regiões a razão é muito maior. Por exemplo, na América Latina e Caribe, há mais do que um abortamento inseguro para cada três nascidos vivos (Organização Mundial da Saúde 1998). 15 Tabela 1.1. Taxas estimadas de gravidezes acidentais resultantes da falha de métodos contraceptivos no mundo (estimativa para 1993) Método Contraceptivo Esterilização feminina Esterilização masculina Injetáveis DIU Pílula Condom masculino Barreira vaginal Abstinência periódica Coito interrompido Total Estimativa de taxa de falha (uso perfeito)1 Estimativa de taxa de falha (uso típico)1 Número de usuárias2 Número de gravidezes acidentais (uso típico) 000´s % 201.000 Número de gravidezes acidentais (uso perfeito) 000´s 1.005 % 0,50 % 0,50 0,10 0,15 41,000 41 62 0,30 0,60 0,10 3,00 0,30 0,80 5,00 14,00 26,000 149,000 78,000 51,000 78 894 78 1530 78 1192 3900 7140 6,00 20,00 4,000 240 800 3,00 25,00 26,000 780 6500 4,00 19,00 31,000 1240 5890 607.000 5.886 26.567 1.005 1 Trussel (1998) Estimativa baseada nos dados americanos. Porcentagem na falha expressa como porcentagem de mulheres que ficarão grávidas durante um ano, enquanto estivera usando o método. 2 Nações Unidas Divisão População (2002). Número estimado de mulheres com idade entre 15-49 anos que estão casadas ou em união consensual. 16 3. ABORTAMENTO INSEGURO (continuação) Cerca de 13% das mortes relacionadas com a gravidez são atribuídas a complicações de abortamento inseguro (Organização Mundial da Saúde 1998); quando aplicada as mais recentes estimativas de mortes maternas ao redor do mundo (por exemplo 515.000 no ano 1995; Organização Mundial da Saúde, 2001), esta porcentagem corresponde a cerca de 67.000 mortes anuais. O abortamento inseguro associa-se também a uma morbidade considerável. Por exemplo, estudos indicam que, no mínimo, uma em cada cinco mulheres que têm abortamento inseguro sofre uma infecção do trato reprodutivo. Algumas destas são infecções sérias que levam à infertilidade (Organização Mundial da Saúde 1998). Onde o acesso aos serviços de abortamento é legalmente restrito, ou onde a lei permite o abortamento em diversas circunstâncias mas os serviços não estão totalmente disponíveis ou são de baixa qualidade, as mulheres que têm dinheiro freqüentemente podem pagar por serviços médicos de boa qualidade em uma clínica particular. Porém, muitas outras mulheres que têm gravidez indesejada correm o risco de abortamentos inseguros. Entre elas estão as mulheres pobres, as que vivem em áreas isoladas, as que estão em circunstâncias vulneráveis (como mulheres refugiadas ou migrantes dentro do seu próprio país) ou são adolescentes, especialmente as não casadas. Essas mulheres têm menos acesso à informação e aos serviços de saúde reprodutiva, freqüentemente são altamente vulneráveis 17 a coerção e violência sexual, demoram em procurar serviços de abortamento e são, conseqüentemente, mais suscetíveis de utilizar métodos inseguros de abortamento e praticados por provedores sem habilidade necessária (Bott 2001, Gardner e Blackburn 1996, Mundigo e Indriso, 1999). 4. ABORTAMENTO SEGURO Quase todos as mortes e complicações por abortamento inseguro poderiam ser prevenidas. Procedimentos e técnicas para abortamento induzido no início da gestação são simples e seguros. Quando realizado por provedores de saúde treinados e com equipamento apropriado, técnica correta e padrões sanitários, o abortamento é um dos procedimentos médicos mais seguros. Em países onde as mulheres têm acesso aos serviços seguros, suas probabilidades de morrer em decorrência de um abortamento realizado com métodos modernos não é maior do que uma para cada 100.000 procedimentos (Alan Guttmacher Institute 1999). Em países em desenvolvimento, o risco de morte por complicações de procedimentos de abortamento inseguro é várias centenas de vezes mais alto do que de um abortamento realizado por profissionais e em condições seguras (Organização Mundial da Saúde 1998). A disponibilidade adequada de serviços de abortamento, no início da gravidez salva a vida das mulheres e evita os custos substanciais do tratamento de complicações de abortamento inseguro que são preveníveis (Fortney 1981, Tshibangu et al. 1984, FigaTalamanca et al. 1986, Mpangile et. al. 1999). 18 5. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DIFERENTES CONTEXTOS LEGAIS E DE POLÍTICAS DE SAÚDE Em quase todos os países, a lei permite o abortamento para salvar a vida da mulher (Figura 1.1). Em mais de três quintos dos países, o abortamento é também permitido para preservar a saúde física e mental da mulher e, em cerca de 40% é permitido em casos de estupro, incesto ou mal-formação fetal. Um terço dos países permite o abortamento por motivos econômicos ou sociais, e no mínimo um quarto o admite quando solicitado (Divisão Populacional das Nações Unidas 1999). Portanto, virtualmente, todos os países devem ter serviços acessíveis e seguros que realizem o abortamento nas circunstâncias permitidas pela lei. Entretanto, em muitas circunstâncias em que as mulheres têm o direito legal de fazer um abortamento, não encontram serviços seguros disponíveis por várias razões. Entre elas, problemas do sistema de saúde tais como falta de provedores treinados, ou sua concentração em áreas urbanas, atitude negativa dos provedores, uso de métodos inapropriados ou obsoletos para indução do abortamento, falta de autorização para provedores ou serviços , falta de conhecimento da lei ou falta de aplicação da lei pelos provedores, exigências reguladoras complexas ou falta de recursos. Fatores sociais mais amplos e das políticas de saúde também influem na disponibilidade de serviços, tais como normas ou requisitos legais, falta de informação do público sobre a lei e os direitos das mulheres de acordo com a lei, falta de conhecimento de que existem estabelecimentos que realizam o abortamento ou da necessidade de solicitar o abortamento nas primeiras semanas 19 de gravidez; atitude dos familiares, estigma e medo da perda da privacidade e confidencialidade; e a percepção sobre a qualidade do atendimento disponível. Tudo isso deve ser considerado para que serviços seguros e legais possam estar acessíveis para as mulheres. Profissionais de saúde de todos os níveis têm obrigações éticas e legais de respeitar os direitos das mulheres. Trabalhando junto com os Ministérios da Saúde e da Justiça e associações profissionais eles podem ajudar a esclarecer as circunstâncias em que o abortamento não é ilegal. Eles devem entender e aplicar as leis nacionais referentes ao abortamento, e contribuir para o desenvolvimento das regulamentações, políticas e protocolos para assegurar o acesso a serviços de qualidade em todas as circunstâncias permitidas pela lei bem como respeitar os direitos das mulheres a um tratamento humano e confidencial. Acesso imediato ao abortamento seguro nas primeiras semanas de gestação reduz significativamente as altas taxas de mortalidade e morbidade materna; previne os custos atualmente impostos ao sistema de saúde pelo abortamento inseguro; oferece atendimento para as mulheres que claramente não estão ainda suficientemente bem atendidas por programas de planejamento familiar ou para aquelas que experimentaram falha da anticoncepção. 20 Figura 1.1 – Circunstâncias nas quais o abortamento é permitido – porcentagem de países Salvar a vida da mulher 98% Preservar a saúde física 63% Preservar a saúde mental 62% Estupro ou incesto 43% Mál-formação fetal 39% Razões econômicas/sociais 33% Solicitação 27% 0 100% 21 6. O DESAFIO – FAZENDO QUE SERVIÇOS SEGUROS ESTEJAM DISPONÍVEIS Fazer com que o abortamento seja seguro e esteja acessível em todas as circunstâncias permitidas pela lei requer treinamento do pessoal de saúde para que se familiarize com as leis e regulamentações nacionais, bem como com os procedimentos técnicos, assegurando a disponibilidade de suprimentos e equipamentos, preparando protocolos, regulamentações e políticas que promovam o acesso a serviços de abortamento de qualidade. Os capítulos que se seguem fazem recomendações sobre cada um dos pontos acima com base nas evidências e experiências disponíveis, segundo os princípios acordados na CIPD, FWCW, CIPD+5 e FWCW+5, e em conformidade com os direitos humanos reconhecidos internacionalmente. Dado que em muitos países do mundo o abortamento é legal em certos casos, há espaço considerável em quase todos os países – desenvolvidos e em desenvolvimento – para aplicar as normas propostas neste documento. • Capítulo 2, “Cuidados clínicos das mulheres que solicitam abortamento”, revisa aspectos clínicos dos serviços de abortamento de alta qualidade, incluindo diagnóstico da gravidez, provisão de informação e orientação, seleção e prática de um método de abortamento apropriado, e cuidado pós-abortamento. Descreve os métodos de abortamento recomendados e as características que influenciam sua segurança, eficácia e uso otimizado. • Capítulo 3, “Colocando serviços em funcionamento”, fornece orientação sobre os elementos essenciais para colocar em funcionamento serviços de abortamento legal de boa qualidade. Os tópicos discutidos incluem avaliação de necessidades, normas 22 e padrões nacionais, elementos da atenção em cada nível do sistema de saúde, assegurando a habilidade e desempenho dos provedores, certificação e credenciamento, monitoramento e avaliação, e financiamento. • Capítulo 4, “Considerações sobre a legislação e as políticas de saúde”, descreve a estrutura política para assegurar o amplo acesso aos serviços de abortamento seguro nas circunstâncias permitidas pela lei. Incluem tópicos como bases legais para a prática do abortamento, a criação de um contexto político positivo e a remoção das barreiras desnecessárias para a atenção. Leituras e recursos extras estão incluídos no anexo 1, que os leitores podem consultar para obter informações mais aprofundadas sobre os tópicos discutidos na monografia. No anexo 2 se mostram os textos dos documentos relevantes de consenso internacional, e os anexos 3 e 4 oferecem detalhes adicionais sobre equipamentos necessários e sobre contracepção pósabortamento, respectivamente. 23 REFERÊNCIAS Alan Guttmacher Institute. (1999) Sharing responsibility: women, society & abortion worldwide. New York and Washinton DC, The Alan Guttmacher Institute. Bongaarts J and Westoff CF (2000) The potential role of contraception in reducing abortion. Studies in Family Planning 31:193-202. Bott S. (2001) Unwanted pregnancy and induced abortion among adolescents in developing countries: findings from WHO case studies. In: Puri CP and Van Look PFA (eds). Sexual and reproductive health: recent advances, future directions. New Dehli, New Age Internacional (P) Limited, Volume 1, 351-366. Figa-Talamanca I, Sinnathuray TA, Yusof K, Fong CK, Palan VT, Adeeb N, Nylander P, Onifade A, Akin A and Bertan M (1986) Illegal abortion: an attempt to assess its costs to the health services and its incidence in the community: International Journal of Health Services 16:375-389. Fortney JA. (1981) The use of hospital resources to treat incomplete abortions: examples from Latin America. Public Health Reports 96:574-579. Gardner R and Blackburn R. (1996) People who move: new reproductive health focus. Population Reports Series J, no. 45. 24 Mpangile GS, Leshabari MT and Kihwele DJ. (1999) Induced abortion in Dar es Salaam, Tanzania: the plight of adolescents. In: Mundigo Al and Indriso C. (eds). Abortion in the developing world. New Delhi, Vistaar Publications for the World Health Organization, pp. 387-403. Mundigo Al and Indriso C. (eds). (1999) Abortion in the developing world. New Delhi, Vistaar Publications for the World Health Organização. Trussell J. 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Organização Mundial da Saúde (2001) Maternal mortality in 1995: estimates developed by OMS, UNCEF, UNFPA, Geneva, Organização Mundial da Saúde (OMS/RHR/01.9). 26 Capítulo 2 – Cuidados clínicos das mulheres que solicitam abortamento CAPÍTULO 2 Resumo Cuidados pré-abortamento: • Determinar a idade gestacional é um fator crítico na seleção do método mais apropriado para abortamento. O exame bi-manual da pélvis e o reconhecimento de outros sintomas da gravidez são suficientes na maioria dos casos. Podem se usar testes de laboratório ou ultrasonografia para confirmação. • Recomenda-se medir os níveis de hemoglobina ou hematócrito em áreas onde a anemia é prevalente, para estar preparado para dar uma resposta rápida em caso de complicações que necessitem de transfusão de sangue. • O uso rotineiro de antibióticos no momento do abortamento reduz o risco de infecção pósprocedimento. Entretanto, a não disponibilidade de antibióticos profiláticos não deve ser motivo para negar-se a fazer o abortamento. • Deve-se dar à mulher informações completas, corretas e fáceis de entender sobre os procedimentos e o que esperar durante e após o abortamento, bem como orientação sobre opções disponíveis, para ajudá-la a tomar uma decisão informada. Métodos de abortamento: • Os seguintes métodos são preferíveis para abortamento no primeiro trimestre: - Aspiração a vácuo manual ou elétrica, para gestações de até 12 semanas completas desde a data da última menstruação da mulher; - Método de abortamento médico – uma combinação de mifepristone seguido por uma prostaglandina, tal como misoprostol ou gemeprost, para gestações de até 9 27 semanas desde a data da última menstruação. Misoprostol é a prostaglandina de preferência por ser barata e porque não precisa ser mantida resfrigerada. • Dilatação e curetagem (D & C) deve ser usada apenas onde a aspiração a vácuo e os métodos médicos de abortamento não estiverem disponíveis. • Para gravidez acima de 12 semanas, de acordo com a data da última menstruação, a preferência é para os seguintes métodos: - Dilatação e evacuação (D&E) usando aspiração a vácuo e pinça para placenta; - Mifepristone seguido de doses repetidas de uma prostaglandina tal como misoprostol ou gemeprost. • Prostaglandinas sozinhas (misoprostol ou gemeprost), em doses repetidas. Recomenda-se a preparação cervical antes do abortamento cirúrgico em gravidezes acima de 9 semanas para mulheres nulíparas, menores de 18 anos e para todas as mulheres com mais de 12 semanas completas de gestação. • Sempre deve-se oferecer medicação para alívio da dor. Em muitos casos é suficiente o uso de analgésico, anestesia local e/ou sedação leve suplementada com apoio verbal. • Anestesia local, como lidocaina injetada ao redor da cérvix, deve ser usada para aliviar o desconforto da mulher quando o abortamento cirúrgico requer a dilatação mecânica da cervix. Não se recomenda anestesia geral para abortamento porque se associa com taxas mais altas de complicações do que quando se usa anestesia local. • Devem-se aplicar precauções universais para controle de infecções como é normal para todas as pacientes o tempo todo, com o fim de reduzir o risco de infecções de transmissão sanguínea, incluindo HIV. Seguimento • Depois de um abortamento cirúrgico, as mulheres podem deixar o hospital tão logo se sintam capazes e seus sinais vitais estejam normais. 28 • Após métodos cirúrgicos, as mulheres devem retornar para uma visita de seguimento preferencialmente 7-10 dias após o procedimento. • Para métodos médicos, se o abortamento não estiver completo antes delas saírem do hospital, as mulheres devem retornar após 10-15 dias para confirmação de que o abortamento foi completo e que não há infecção. • Antes de saírem do hospital, todas as mulheres devem receber informação sobre anticoncepção e, aquelas que desejarem, devem receber contraceptivos ou serem encaminhadas para serviços de contracepção. • As mulheres devem receber instruções orais e escritas sobre como cuidar de si mesmas após saírem do hospital, qual a quantidade de sangramento que é esperada, sobre como reconhecer as complicações e como procurar ajuda. Definições usadas neste documento Métodos cirúrgicos de abortamento - Uso de procedimentos Duração da gravidez - O número de dias ou semanas transcervicais para o término completados desde o primeiro dia da gravidez, incluindo do último período menstrual da aspiração a vácuo, dilatação e mulher. curetagem (D & C) e dilatação e evacuação (D & E). Métodos médicos de abortamento - Uso de drogas farmacológicas Regulação Menstrual - Evacuação uterina sem para terminar a gravidez. Ás confirmação da gravidez por vezes se utiliza também o exame de laboratório e/ou termo “abortamento não- ultrassonográfico em mulheres cirúrgico”. que relatam atraso menstrual. 29 1.Cuidados pré abortamento Os primeiros passos ao prover atendimento para o abortamento são estabelecer que a mulher está realmente grávida e, em caso positivo, estimar o tempo de gestação e confirmar que a gravidez é intra-uterina. Os riscos associados com abortamento induzido, embora pequenos quando este é adequadamente realizado, aumentam com a duração da gravidez (Grimes e Cates, 1979). Portanto, a determinação da idade gestacional é um fator crítico para selecionar o método mais apropriado. Todos os serviços de saúde devem ter pessoal treinado e competente para colher a história clínica da mulher e fazer o exame pélvico bi-manual. Serviços de Saúde que não possuem pessoal nem equipamentos para realizar o abortamento induzido devem ser capazes de encaminhar as mulheres ao serviço mais próximo. A equipe de saúde deve também ser competente para oferecer orientação que ajude à mulher considerar suas opções (ver seção 1.10.1). 1.1. História clínica da mulher A maioria das mulheres começa a suspeitar que está grávidas quando há atraso no período menstrual. Deve-se perguntar a data do primeiro dia da última menstruação (DUM), ou seja, o primeiro dia de sangramento e se a menstruação foi normal. As mulheres podem ter amenorréia por outras razões além da gravidez, entretanto, algumas mulheres que estão grávidas podem não ter notado que faltou uma menstruação. Por exemplo, mulheres que estão amamentando podem ficar grávidas antes da primeira menstruação pós-parto. Algumas mulheres podem ter sangramento nãomenstrual no início da gravidez, o que pode levar a não saber a data do início da gestação ou a estabelecê-la equivocadamente. Outros sintomas que as mulheres normalmente reportam no início da gravidez incluem mastalgia e congestão nos seios, náusea, às vezes acompanhada de vômito, fatiga, mudança de apetite e aumento da freqüência de urinar. 1.2 Exames físicos Provedores de saúde devem confirmar a gravidez e estimar sua duração através de um exame pélvico bi-manual. Enquanto muitos trabalhadores de saúde têm sido treinados para identificar a idade gestacional a fim de prover atendimento pré-natal, muitos não estão 30 preparados para diagnosticar uma gravidez no seu início ou para estimar a idade gestacional durante o primeiro trimestre. Portanto, freqüentemente são necessários treinamentos extras para a equipe que irá prover serviços de abortamento (ver Capítulo 3). Os sinais de gravidez, detectáveis durante o exame pélvico bi-manual entre a sexta e oitava semana de gravidez, incluem a maciez do istmo cervical e a maciez e aumento de tamanho do útero. Se o útero de uma mulher grávida é menor do que o esperado, pode ser que a gravidez é menos avançada do que estimado pela data da última menstruação, que a gravidez seja ectópica, ou que seja um abortamento retido. Se o útero é maior do que o esperado, pode indicar uma gravidez mais avançada do que calculado pela data da última menstruação, pode ser gravidez múltipla, pode haver a presença de fibroma uterino, ou tratar-se de uma gravidez molar. Durante o exame físico os trabalhadores da saúde devem também verificar se o útero está antevertido, retrovertido ou em outra posição que possa afetar a estimativa da idade gestacional ou dificultar o abortamento cirúrgico. Os provedores devem estar também treinados para reconhecer sinais de doenças de transmissão sexual (DST) e outras infecções do trato reprodutivo (ITR), assim como outras alterações como anemia ou malária que requerem de outros cuidados médicos ou a referência a outros serviços. Nos casos em que se observem lesões cervicais evidentes, a mulher dever ser encaminhada aos serviços apropriados para seguimento do caso. 1.3 Testes laboratoriais Na maior parte dos casos, a informação obtida pela história clínica da mulher e pelo exame físico são suficientes para confirmar a gravidez e estimar o tempo de gestação. Os testes laboratoriais para gravidez podem não ser necessários, a menos que os sinais típicos de gravidez não estejam claramente presentes, e o provedor não esteja seguro do diagnóstico. Entretanto, obter esses testes não deve ser obstáculo nem retardar a evacuação uterina. 31 A medição dos níveis de hemoglobina ou hematócrito, para detectar anemia em áreas onde é prevalente, permite que o provedor inicie tratamento e esteja preparado se ocorrer hemorragia no momento do procedimento de abortamento. Testes de ABO e Rhesus (Rh) para identificar o tipo do grupo sanguíneo devem estar disponíveis onde for possível, especialmente nos centros de alto nível de referência, em casos de complicações, que podem requerer transfusão de sangue (ver 2.5.2.3 abaixo). 1.4 Ultrasom Exame pelo ultrasom não é necessário para a provisão de abortamento em gestação inicial (RCOG 2000). Onde estiver disponível, o ultrasom pode ajudar a detectar gravidezes ectópicas com mais de seis semanas de gestação. Alguns provedores consideram a tecnologia útil antes ou durante os procedimentos de abortamento em estágios mais avançados da gravidez. Onde o ultrasom é usado, o serviço deve, se possível, ter uma área separada para as mulheres poderem fazer o exame em local diferente daquele onde se dá o atendimento pré-natal. 1.5 Condições pré-existentes Além de confirmar e estimar a duração da gravidez, os trabalhadores da saúde devem obter a história clínica completa e avaliar outros fatores que possam afetar a provisão do abortamento. Isso inclui: transtornos da coagulação, alergias a algum medicamento usado durante o abortamento, e informação sobre algum medicamento que a mulher está tomando que poderia interagir com outros usados durante o procedimento. . Do ponto de vista clínico, a presença do HIV em uma mulher que faz um abortamento requer as mesmas precauções que para qualquer outra intervenção médica/cirúrgica (ver 2.5.1. abaixo). As mulheres sabidamente HIV positivas podem precisar de orientação especial (ver 1.10.1) 1.6 Infecções do trato reprodutivo (ITR) A presença de infecção no trato reprodutivo baixo no momento do abortamento é um fator de risco para infecções do trato reprodutivo pós-procedimento (Penner et al. 1998). Há relatos de que o uso de antibióticos no momento do abortamento reduz pela metade o risco de infecção pós- 32 procedimento (Sawaya et al., 1996). Entretanto, o abortamento pode ser realizado em lugares em que os antibióticos não estão disponíveis para uso profilático. De qualquer forma, a estrita observação de procedimentos de limpeza e desinfecção tem um papel essencial na prevenção de infecções pós-procedimento (ver seção 2.5.1). Se há sinais clínicos de infecção, a mulher deve ser tratada imediatamente com antibióticos e o abortamento pode ser realizado. Onde se realizam rotineiramente testes de laboratório para ITR o abortamento não deve ser postergado à espera dos resultados dos testes se não há sinais visíveis de infecção. 1.7 Gravidez ectópica A gravidez ectópica pode trazer risco à vida. Um tamanho uterino menor do que o esperado para a idade gestacional e dor no abdômen, especialmente se acompanhada por sangramento vaginal, tonturas, ou desmaios, palidez e, em algumas mulheres, massa anexial, são sinais que devem fazer suspeitar de gravidez ectópica. Se há suspeita de gravidez ectópica, é essencial confirmar o diagnóstico imediatamente e iniciar o tratamento ou transferir a mulher o mais rápido possível para um local que tenha condições de fazer isto (ver Organização Mundial da Saúde 2000a para detalhes de tratamento). Deve-se notar que é mais difícil diagnosticar uma gravidez ectópica durante e após o uso de métodos médicos de abortamento devido à similaridade dos sintomas. Entretanto, se os métodos médicos de abortamento são usados sem confirmação prévia de que a gravidez é intra-uterina, e a mulher tem dores severas e intensas após o procedimento, devem-se tomar todas as medidas necessárias para avaliar a existência ou não de gravidez ectópica. 1.8 Isoimunização - RH Em 1961, nos EEUU se recomendou a imunização passiva de todas as mulheres RH-negativas com imunoglobulina - RH dentro de 72 horas após o abortamento (Finn et al., 1961), entretanto, não há nenhuma evidência conclusiva sobre a necessidade dessa medida após o abortamento induzido no primeiro trimestre. Nos lugares onde se administra imunoglobulina-Rh como rotina às mulheres Rh negativas, isto deve ser feito no momento da realização do abortamento. Recomenda-se a 33 administração de imunoglobulina-Rh para mulheres que usam métodos médicos de abortamento no momento da administração de prostaglandina (Urquhart e Templeton, 1990). 1.9 Citologia cervical Alguns locais podem oferecer também exame de Papanicolau e outros serviços de saúde reprodutiva. Uma solicitação de abortamento pode ser a oportunidade de obter a citologia das mulheres, especialmente em locais onde há uma alta prevalência de câncer cervical e DST. Entretanto, a aceitação de tais serviços nunca deve ser uma condição para a mulher obter um abortamento, e esses serviços não são requisitos para realizar um abortamento seguro. 1.10 Informação e orientação Prover informações é uma parte essencial da boa qualidade de serviços de abortamento. A informação deve ser completa, precisa e fácil de entender, e deve ser dada de uma forma respeitosa à privacidade e confidencialidade da mulher. No capítulo 3 são dados detalhes sobre treinamento e outros requisitos dos provedores em relação à provisão de informação e orientação, incluindo padrões éticos. 1.10.1. Orientação para tomada de decisão A orientação pode ser fundamental para ajudar a mulher a considerar suas opções e certificar-se de que ela pode tomar uma decisão livre de pressões. A orientação deve ser voluntária, confidencial e provido por pessoal treinado. Se a mulher optar pelo abortamento, o trabalhador da saúde pode explicar quais as condições legais para obtê-lo. Deve-se dar o maior tempo possível para a mulher tomar a decisão, mesmo que isso signifique retornar à clínica mais tarde. Entretanto, deve se explicar que há maior segurança e efetividade quando o abortamento é realizado no início da gestação. O trabalhador da saúde deve também prover informação para mulheres que decidem levar a gravidez a termo e/ou considerar a possibilidade de adoção, incluindo o encaminhamento apropriado. Em algumas circunstâncias a mulher pode estar sob pressão de seu parceiro ou outros membros da família para fazer o abortamento. Adolescentes solteiras e mulheres que estão infectadas pelo HIV 34 podem ser particularmente vulneráveis a essas pressões. Todas as mulheres que estão infectadas pelo HIV precisam conhecer os riscos da gravidez para sua própria saúde e os riscos de transmissão do vírus para seu bebê. Elas também precisam conhecer os tratamentos disponíveis para si mesmas e para prevenir a transmissão para o bebê, para que possam tomar uma decisão informada sobre continuar ou interromper a gravidez, onde é permitido por lei. Elas podem também solicitar orientação adicional (Organização Mundial da Saúde, 1999). Se os trabalhadores da saúde suspeitarem que houve coerção, eles devem conversar com a mulher ou encaminhá-la para uma orientação adicional. Se a equipe de saúde souber ou suspeitar que a mulher sofreu violência ou abuso sexual, deve encaminhá-la para outro serviço onde possa receber orientação e tratamento especializado. Os administradores dos serviços devem assegurar-se de que toda a equipe de saúde esteja informado sobre a disponibilidade de tais recursos no sistema de saúde e na comunidade (ver Capítulo 3). 1.10.2. Informação sobre procedimentos de abortamento Deve-se dar à mulher, no mínimo, as seguintes informações: • O que será feito durante e após o procedimento; • O que ela vai sentir (por exemplo, cólicas como uma menstruação, dor e sangramento); • O tempo que o procedimento levará; • Que formas de alívio da dor estarão disponíveis para ela; • Riscos e complicações associadas com o método; • Quando ela estará em condição de reassumir suas atividades normais, incluindo relações sexuais; e • Seguimento. Se houver a possibilidade de escolher o método para realizar o abortamento, o provedor deverá estar treinado a dar às mulheres informação clara sobre quais os métodos mais apropriados, baseado na idade gestacional, a condição médica da mulher e potenciais fatores de riscos. 35 1.10.3. Informação e serviços de anticoncepção Provisão de informação e de serviços contraceptivos é parte essencial do atendimento ao abortamento para ajudar à mulher evitar gravidez não planejada no futuro. Toda mulher deve ser informada que a ovulação pode retornar aproximadamente duas semanas após o abortamento (Cameron e Baird, 1988), colocando-a em risco de gravidez a menos que use um método anticoncepcional. A mulher deve receber informação correta para ajudá-la a escolher o método contraceptivo mais apropriado, de acordo com sua necessidade. Se a mulher ficou grávida como resultado do que ela considera falha contraceptiva, o provedor deve discutir se o método foi usado incorretamente e como seria o uso correto, ou se é apropriado que ela mude para um outro método (para discussão sobre métodos específicos, ver Seção 3.2 e Anexo 4). A seleção final de um método, entretanto, deve ser feita pela própria mulher. Nunca se deve colocar a aceitação de um método contraceptivo pela mulher como uma précondição para realizar o abortamento. Figura 2.1. Métodos de abortamento Semanas completas de acordo com a data da última menstruação 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 Métodos preferidos ●● ●● ●● Aspiração a vácuo (manual/elétrica) (por provedores especialmente treinados) Dilatação e evacuação ●● ●● ●● Mifepristone e (sob Mifepristone e doses repetidas de misoprostol ou misoprostol (ou investigação) gemeprost gemeprost) 36 Outros métodos Dilatação e curetagem Soluções hipertônicas Prostaglandinas intra/extra amnióticas 2. Métodos de abortamento Resumo A Figura 2.1 resume os métodos de abortamento que são mais apropriados nos diferentes estágios da gravidez, baseado nos protocolos usados em todo o mundo. Os limites de tempo são indicativos e não prescritivos. Por exemplo, a maior parte dos provedores treinados pode seguramente realizar aspiração a vácuo até 12 semanas completas de gravidez, enquanto outros com treinamento especial, suficientemente experientes e com acesso a cânulas de tamanho apropriado, podem usar esse procedimento com segurança até 15 semanas completas (RCOG 2000). A disponibilidade de métodos médicos seguros e efetivos para induzir o abortamento permanece limitada até o presente. Entretanto, o rápido desenvolvimento e pesquisas em andamento devem facilitar sua introdução ampla no futuro próximo. Portanto, neste documento se discute o uso dessas drogas, para que os responsáveis por planejar e gerenciar programas estejam preparados para sua eventual introdução de maneira sistemática no futuro. Métodos até 12 semanas completas desde a data da última menstruação. Os métodos preferidos são a aspiração a vácuo manual ou elétrica, ou métodos médicos que usam uma combinação de mifepristone seguida por uma prostaglandina. Mifepristone seguida de uma prostaglandina tem-se mostrado seguro e eficiente até nove semanas completas de gravidez, e a segurança e efetividade entre nove e 12 semanas completas está sob investigação. 37 O uso de métodos médicos de abortamento requer que exista a disponibilidade da aspiração a vácuo no local ou através de encaminhamento, em caso de falha ou de abortamento incompleto. Dilatação e curetagem (D&C) deve ser usado apenas onde nenhum dos métodos acima estão disponíveis. Administradores e responsáveis pelas políticas de saúde devem fazer todos os esforços possíveis para substituir a curetagem (D&C) por aspiração a vácuo. Métodos após 12 semanas completas desde a data da última menstruação Diversas situações tornam necessária a disponibilidade de serviços de abortamento tardio, e todos os níveis do sistema de saúde devem ser capazes de encaminhar mulheres aos centros que têm a capacidade de realizar abortamento tardio com segurança. Os diagnósticos de anomalias fetais normalmente ocorrem após 12 semanas de gestação, e doença cardiovascular séria ou câncer que necessita de um tratamento agressivo, por exemplo, podem fazer necessário realizar um abortamento tardio por razões médicas. Algumas mulheres, particularmente adolescentes, podem ter dificuldade em obter o abortamento ou demorar-se em procurar os serviços. Isso pode acontecer porque a mulher não sabe em quais condições o abortamento é permitido, pela falta de informação ou de acesso a serviços de saúde, limitações econômicas, falta de capacidade para reconhecer os sinais de gravidez, menstruação irregular, indecisão inicial sobre o abortamento, problemas de saúde que surgem após o primeiro trimestre, conflito familiar ou mudanças nas circunstâncias de vida que fazem que uma gravidez antes desejada se torne inaceitável. O melhor método médico de abortamento após 12 semanas completas desde a última menstruação é o mifepristone seguido de doses repetidas de prostaglandinas, tais como misoprostol ou gemeprost. O melhor método cirúrgico é a dilatação e evacuação (D&E), usando aspiração a vácuo e pinças para placenta. 2.1 Preparação cervical Em alguns países é comum realizar a preparação (ou maturação) cervical usando dilatadores osmóticos ou agentes farmacológicos antes dos abortamentos cirúrgicos no primeiro trimestre, porque isso faz, com que o procedimento de abortamento seja mais rápido e fácil de realizar, e reduz a incidência de complicações imediatas que são freqüentes em abortamentos realizados após nove semanas completas de gestação (Organização Mundial da Saúde 1997). A maturação cervical antes do abortamento cirúrgico é especialmente benéfica para certas mulheres, tais como aquelas 38 com anomalia cervical ou cirurgia prévia, mulheres jovens e aquelas com gravidez avançada, que têm um alto risco de lesões cervicais ou perfuração uterina que pode causar hemorragia (Grimes et al., 1984, Shculz et al., 1983). Entretanto, a preparação cervical tem algumas desvantagens, incluindo os custos e o tempo adicional. Recomenda-se, portanto, para gravidezes acima de nove semanas completas, para mulheres nulíparas, menores de 18 anos, e para todas as mulheres com idade gestacional acima de 12 semanas completas (RCOG 2000, Organização Mundial da Saúde, 1997). Pesquisas recentes sugerem que a administração vaginal de 400 µg misoprostol três a quatro horas antes do abortamento, é eficaz para esse propósito (Singh et al. 1998). A administração oral de 400 µg de misoprostol 3 a 4 horas antes do procedimento também é apropriada para a preparação do colo do útero (Ngai et al. 1999). Outros regimes efetivos são 200 mg de mifepristone tomado oralmente 36 horas antes do procedimento (Organização Mundial da Saúde. Grupo de Trabalho sobre Métodos Pós-ovulatório de Regulação da Fertilidade, 1994), ou 1mg de gemeprost administrado via vaginal três horas antes do procedimento (Henshaw e Templeton, 1991). 2.2 Alívio da dor Muitas mulheres relatam sentir certo nível de dor durante o abortamento. Os fatores associados à dor durante o abortamento cirúrgico com anestesia local têm sido avaliados em alguns estudos observacionais. O grau de dor varia com a idade da mulher, a idade gestacional, necessidade de dilatação cervical e o medo da mulher (Smith et al. 1979). Parto vaginal anterior tem sido um fator de diminuição dessas dores (Borgatta e Nickinovich 1977). Um intervalo de tempo menor que dois minutos entre administração do anestésico local e o início do procedimento, falta de opção entre anestesia local e geral, e uma história de uso freqüente de analgésico estão discutidos como fatores de aumento da dor (Donati et al. 1996). Não se precisa de grande investimento em drogas, equipamentos ou treinamentos para oferecer adequado alívio da dor. Não dar atenção a esse importante elemento necessariamente aumenta a ansiedade e desconforto das mulheres, e compromete seriamente a qualidade da atenção. Orientação e atendimento afetuoso ajudam a reduzir os temores das mulheres e a percepção de dor (Solo 2000). A pessoa responsável pelo procedimento e outros funcionários presentes no momento, devem ser gentis e transmitir segurança. Quando possível, e se a mulher o desejar, também pode ser útil que o marido ou companheiro, outro membro da família ou uma amiga ou amigo permaneça com ela durante o procedimento. Entretanto, essa abordagem não deve ser vista como um substituto para alívio da dor. 39 2.2.1. Medicamentos para dor Sempre deve oferecer-se medicação para o controle da dor. Usam-se três tipos de drogas, únicas ou em combinação, para aliviar a dor durante abortamento: analgésicos, que reduzem a sensação de dor, tranqüilizantes, que diminuem a ansiedade, e anestésicos, que apagam a percepção física. Em muitos casos é suficiente o uso de analgésicos, anestesia local e/ou sedação moderada complementada por apoio verbal. A maior parte dessas drogas são comparativamente baratas. Analgésicos não-narcóticos incluídos na lista de medicamentos essenciais da Organização Mundial da Saúde, tais como agentes antiinflamatórios não-esteroidais, são suficientes para reduzir as dores associadas a métodos de abortamento médico e cirúrgico, incluindo as cólicas (Suprapto e Reed 1984, Matambo et al. 1999). Em três estudos controlados randomizados se encontrou que o parecetamol era ineficiente para aliviar a dor pós-procedimento (Cade e Ashley 1993, Hein et al. 1999, Dahl et al. 2000). A administração pré-operatória de tranqüilizantes, tais como diazepan pode reduzir o medo e induzir relaxamento nos casos de abortamento cirúrgico, fazendo com que o procedimento seja mais fácil para ambos, mulher e provedor. Tais drogas podem causar amnésia, que algumas mulheres podem desejar, mas elas podem também induzir sonolência e atrasar a recuperação pósprocedimento. O uso suplementar de analgésicos narcóticos pode também ser apropriado, porém existe a possibilidade de complicações tais como depressão respiratória, razão pela qual a sua utilização requer que estejam disponíveis recursos para ressuscitação e antídotos para esses narcóticos. 2.2.2. Anestesia Quando é preciso fazer dilatação cervical mecânica para realizar abortamento cirúrgico, é necessário fazer um bloqueio paracervical, usando um anestésico local de ação rápida, como lidocaina injetada abaixo da mucosa cervical nos quatro quadrantes em torno da cérvix, para aliviar o desconforto da mulher. As vantagens de usar anestesia local ao invés de anestesia geral incluem a recuperação rápida e que a mulher permanece consciente sendo, portanto, capaz de alertar o provedor caso sinta algum problema. A injeção de anestesia local deve ser feita tomando as devidas 40 precauções, para evitar introdução intravenosa da droga. Está demonstrado que o uso de anestesia local é seguro e efetivo para realizar aspiração a vácuo (Thonneau et al. 1998). Não se recomenda anestesia geral para abortamento porque aumenta os riscos clínicos (Lawson et al., 1994, MacKay et al. 1985, Osborn et al. 1990). A anestesia geral se associa a taxas mais elevadas de hemorragia do que a anestesia local (Grimes e Cates 1979). O uso de anestesia geral aumenta o custo para o centro de saúde e para a mulher, particularmente em alguns hospitais que têm a política desnecessária de impor a permanência mínima de um dia às mulheres que recebem anestesia geral. Entretanto, algumas mulheres preferem anestesia geral, e seu uso pode também ser preferido pelo provedor nos casos de procedimentos difíceis. Qualquer hospital que ofereça anestesia geral deve ter o equipamento especializado e profissionais habilitados para administrá-la e tratar qualquer complicação. 2.3 Abortamento cirúrgico 2.3.1. Aspiração a vácuo A técnica preferida para abortamento até 12 semanas completas de gravidez é a aspiração a vácuo. Dependendo de seu treinamento e experiência, e de cada caso particular, alguns profissionais são capazes de usar aspiração a vácuo para abortamentos até 15 semanas completas. A alta eficiência da aspiração a vácuo tem sido bem estabelecida em várias pesquisas controladas e randomizadas. Têmse publicado taxas de abortamento completo entre 95% e 100% (Greenslade et al. 1993). Tecnologias de aspiração a vácuo manual ou elétrica parecem ser igualmente efetivas (Westfall et al., 1998). A aspiração a vácuo envolve a evacuação do conteúdo do útero através de uma cânula plástica ou de metal, anexada a uma fonte de vácuo. A aspiração elétrica a vácuo (AEV) emprega uma bomba a vácuo elétrica. Na aspiração manual a vácuo (Aspiração Manual Intra-Uterina – AMIU), o vácuo é criado usando um aspirador (a seringa) de plástico de 60 ml manejado e ativado manualmente. Os aspiradores disponíveis permitem o uso de cânulas plásticas de diferentes tamanhos, de 4 a 12 mm de diâmetro. Algumas cânulas e a maioria dos aspiradores são reutilizáveis após serem limpos e desinfetados em alta intensidade ou esterilizados. Bombas mecânicas operadas pelos pés também estão disponíveis. 41 Dependendo da idade gestacional, o abortamento com aspiração a vácuo leva de três a 10 minutos para ser completado, e pode ser realizado em ambulatório, usando analgésicos e/ou anestesia local. Em gravidez inicial, a cânula pode ser inserida sem dilatação prévia da cérvix. Normalmente, entretanto, é necessário realizar a dilatação cervical antes da inserção da cânula usando dilatadores osmóticos ou mecânicos, sozinhos ou em combinação com uma prostaglandina; ou preparação do colo uterino com agentes farmacológicos tais como mifepristone ou uma prostaglandina (misoprostol ou gemeprost). A maior parte das mulheres que tem abortamento no primeiro trimestre com anestesia local se sentem suficientemente bem para deixar as instalações do centro de saúde após observação por cerca de 30 minutos na sala de recuperação. Geralmente, são necessários períodos longos de recuperação depois do abortamento realizado em gravidezes mais avançadas e quando se usa sedação ou anestesia geral. A aspiração a vácuo é um procedimento muito seguro. Um estudo de 170.000 abortamentos no primeiro trimestre (a maioria com aspiração a vácuo) realizados em Nova Iorque, USA revelou que menos de 0.1% das mulheres experimentaram complicações sérias que precisaram internação (Hakim-Elahi etc al 1990). Embora raras, complicações da aspiração a vácuo podem incluir infecção pélvica, sangramento excessivo, dilaceração cervical, evacuação incompleta, perfuração do útero, complicações anestésicas e continuação da gravidez (Grimes e Cates, 1979). Cólicas abdominais ou dor e sangramento semelhante ao menstrual são efeitos colaterais de qualquer procedimento de abortamento. 2.3.2. Dilatação e curetagem Dilatação e curetagem (D&C), também conhecida como curetagem uterina, envolve dilatação do colo uterino com dilatador mecânico ou agentes farmacológicos e o uso de cureta afiada de metal para raspar as paredes do útero. A dilatação e curetagem dá menor segurança do que a apiração a vácuo (Cates et al. 2000) e é consideravelmente mais dolorida para as mulheres (Grimes et al. 1977). A aspiração a vácuo tem substituído D&C no uso rotineiro na maior parte dos países industrializados e em muitos outros. A taxa de complicações graves com a D&C é duas ou três vezes mais alta do que com aspiração a vácuo (Grimes e Cates 1979). Um estudo randomizado controlado comparando D&C com aspiração 42 a vácuo encontrou que até 10 semanas desde a última menstruação, a aspiração a vácuo é mais rápida e associa-se a menor perda de sangue do que a D&C (Lea net al. 1976). A Tabela 2.1. resume os requisitos para realizar aspiração a vácuo e D&C. Devem se fazer todos os esforços para substituir a D&C por aspiração a vácuo nos lugares onde ainda é usada, para melhorar a segurança e qualidade da atenção. A aspiração a vácuo deve ser a técnica introduzida nos lugares onde não houver serviços de abortamento. Nos lugares onde a D&C continua sendo usada, os administradores devem assegurar-se de que se utilizam procedimentos apropriados para alivio da dor e que a equipe de saúde esteja bem treinada e receba prática clínica supervisionada para manter suas habilidades. 2.3.3. Dilatação e evacuação Dilatação e evacuação (D&E) é usada a partir de 12 semanas completas de gravidez. É a técnica cirúrgica mais segura e efetiva para abortamentos tardios onde há provedores capacitados e experientes (RCOG 2000). D&E requer preparação do colo uterino com mifepristone, uma prostaglandina como o misoprostol ou laminaria ou outro dilatador hidrofílico similar; dilatação do colo e evacuação do útero usando aspiração elétrica a vácuo com cânula de 14-16 mm de diâmetro e pinças apropriadas. Dependendo da idade gestacional, a dilatação adequada pode demorar desde duas horas até um dia inteiro. Muitos provedores acham que o uso de ultrassonografia facilita o procedimento de D&E, mas isto não é essencial. Tabela 2.1. Condições para aspiração a vácuo e dilatação & curetagem Características Aspiração a vácuo Dilatação & Curetagem Local Sala de exame, sala de cirurgia Sala de cirurgia geral ou de geral ou sala de cirurgia cirurgia obstétrica/ginecológica obstétrica/ginecológica Alívio da dor Nível do provedor Sedação leve, analgesia e/ou Sedação pesada ou leve, analgesia anestesia local e/ou anestesia local Ginecologista, clínico geral Ginecologista, clínico geral treinado, provedor treinado de nível treinado médio Adaptado de Greenslade et al. 1993 43 Um estudo randomizado controlado comparando D&E com instalação intra-amniótica da prostaglandina mais antiga PGF 2 observou que a D&E era mais rápida, segura e mais aceitável no mínimo até 18 semanas de gravidez (Grimes et al. 1980). Não se tem comparado a D&E com os novos métodos médicos tal como mifepristone com doses repetidas de misoprostol. Os métodos médicos devem ser preferidos nos lugares onde os provedores não têm treinamento supervisionado adequado e um número de casos suficientes para manter suas habilidades para D&E. Um procedimento de D&E normalmente pode ser realizado com apenas um bloqueio paracervical e analgesia leve, e nesse caso o procedimento pode ser realizado ambulatorialmente. Entretanto, os locais que oferecem este procedimento devem estar equipados e ter pessoal treinado para administrar sedação superficial ou profunda, se necessário. Anestesia geral não é indispensável e pode aumentar o risco (ver 2.2.2. acima). Um procedimento de D&E normalmente não leva mais do que 30 minutos para ser realizado. A equipe de saúde e as mulheres submetidas ao procedimento devem esperar mais fluxo pós-operatório, incluindo sangramento, do que após um abortamento de primeiro trimestre. A equipe de saúde deve também ser treinada para oferecer orientação especializada para pacientes com abortamento do segundo trimestre. 2.3.4. Outros métodos cirúrgicos de abortamento para uso em gravidez tardia Não se deve usar cirurgias maiores como métodos primários de abortamento. Atualmente não cabe fazer histerotomia considerando que a morbidade, mortalidade e o custo são marcantemente mais altos do que com D&E ou métodos médicos de abortamento. Da mesma forma, não deve usar-se a histerectomia exceto no caso de mulheres que apresentem outros problemas que sejam indicação dessa cirurgia. 2.3.5. Exame do tecido obtidos por abortamento cirúrgico É importante examinar o tecido obtido após um método de abortamento cirúrgico excluir a possibilidade de gravidez ectópica. Provedores treinados podem normalmente para identificar a olho nu o produto de concepção obtido com aspiração manual intauterina (AMIU) a partir das seis semanas completas de gravidez, especialmente vilosidade coriônica. Se a aspiração não contém os produtos de concepção esperados, se deve suspeitar de gravidez ectópica e a mulher deve passar por 44 outras avaliações, como discutido anteriormente (ver 1.7). Além disso, os provedores precisam estar alertas para aparência sugestiva de gravidez molar. Se o conteúdo aspirado for menor que o estimado para a idade gestacional, o profissional deve considerar a possibilidade de abortamento incompleto. Não é essencial dispor de um laboratório de patologia para exame de rotina dos tecidos retirados do útero. 2.4 Métodos de abortamento médico A segurança e eficácia dos métodos médicos de abortamento estão demonstrados (Ashok et al. 1998a, Peyron et al. 1993, Schaff et al. 1999, Spitz et al. 1998, Trussel and Ellertson 1999, Urquhart et al. 1997, Winikoff et al. 1997). Os regimes mais usados se baseiam em um antiprogestogênio, mifepristone, que se une aos receptores de progesterona, bloqueando a ação da progesterona e, portanto, interferindo com a continuação da gravidez. O tratamento consiste numa dose inicial de mifepristone seguida pela administração de um análogo sintético de prostaglandina, o qual aumenta as contrações uterinas e ajuda a expulsar o produto da concepção (Swahn e Bygdeman 1988). Os efeitos dos métodos médicos de abortamento são parecidos aos sintomas de um abortamento espontâneo, e incluem contrações e sangramento prolongado semelhante a uma menstruação. O sangramento ocorre em média por 9 dias mas pode chegar, raramente, até 45 dias (Creinin e Aubény 1999). Efeitos colaterais incluem náusea, vômito e diarréia. Em caso de insuficiência suprarenal ou hepática, transtornos de coagulação, tabagismo exagerado e alergia a uma dessas drogas, elas devem ser usadas com grande precaução. Mifepristone não é um tratamento efetivo para gravidez ectópica; a suspeita de gravidez ectópica exige uma investigação maior, e, se confirmada, tratamento imediato (ver Organização Mundial da Saúde 2000a para tratamento específico). Os métodos médicos de abortamento têm se mostrado aceitáveis em diversos lugares com poucos recursos (Elul et al. 1999, Ngoc et al. 1999). Entretanto, atualmente esaas drogas, em particular o mifepristone, estão disponíveis em poucos países em desenvolvimento. Isso pode mudar nos próximos anos, e os administradores de programas devem estar cientes do que seria necessário para introduzir métodos médicos de abortamento dentro dos serviços de saúde. 45 Tabela 2.2 Regimes mais usados de mifespristone e prostaglandina Até 9 semanas completas desde a DUM Após 12 semanas completas de DUM 200 mg mifepristone seguidas após 36-48 horas 200 mg mifepristone seguidas após 36-48 horas por 1 mg por 1.0 mg de gemeprost vaginal gemeprost vaginal (repetida após 6 horas até o máximo de 4 doses, e se necessário a cada três horas até o máximo de 4 doses adicionais. Ou Ou 800 µg misoprostol vaginal 400 µg misoprostol oral a cada três horas até o máximo de cinco doses Ou Ou 400 µg misoprostol oral até 7 semanas 800 µg misoprostol vaginal seguido por 400 µg completas de gestação misoprostol oral a cada 3 horas até o máximo de 4 doses µg = microgramas mg = miligramas 2.4.1. Mifepristone e prostaglandina 2.4.1.1. Até nove semanas completas desde a data da última menstruação Já se há demonstrado que o mifepristone com misoprostol ou gemeprost são altamente efetivos, seguros e aceitáveis para abortamentos do primeiro trimestre (RCOG 2000). Têm-se encontrado taxas de efetividade acima de 98% (Trussel e Ellertson 1999). Aproximadamente 2 a 5% das mulheres tratadas com mifeprostone e misoprostol necessitam de intervenção cirúrgica para resolver um abortamento incompleto, interromper a gravidez em andamento, ou controlar o sangramento (Organização Mundial da Saúde Grupo de Trabalho sobre Métodos Pós-ovulatórios de Regulação da Fertilidade 2000). Os protocolos originais para o uso de mifepristone recomendavam uma dose oral de 600 mg seguida por 1mg de gemeprost vaginal após 36-48 horas. Entretanto, diversos estudos têm mostrado que 200 mg de mifepristone é a dosagem apropriada, visto que é tão efetiva quanto 600 mg (McKinley et al. 1993; Organização Mundial da Saúde Grupo de Trabalho sobre Métodos Pósovulatórios de Regulação da Fecundidade 1993), e reduz os custos. 46 Misoprostol é uma prostaglandina que se tem demonstrado eficiente (RCOG 2000), é consideravelmente mais barata do que gemeprost, e não necessita refrigeração. É, portanto, a prostaglandina preferida em muitos países. Uma dose oral de 200 mg de mifepristone seguida por 800 µg misoprostol administrado por via vaginal é um tratamento eficiente (RCOG 2000). Misoprostol vaginal tem sido mais eficiente e melhor tolerado do que o misoprostol ministrado oralmente (El-Refaey et al. 1995). Uma dose oral de 400 µg de misoprostol é efetiva pelo menos até sete semanas completas de gravidez (Organização Mundial de Saúde Grupo de Trabalho sobre Métodos Pós-ovulatório de Regulação da Fertilidade, 2000). Muitos protocolos exigem que as mulheres tomem mifepristone e a prostaglandina sob supervisão clínica, envolvendo uma segunda visita ao serviço de saúde para tomar protaglandina dois dias após receber mifepristone. As mulheres podem deixar o serviço logo após tomar o mifepristone, depois de serem informadas de que deverão esperar sangramento e possível expulsão dos produtos da concepção, sobre como reconhecer complicações e a quem contatar se isso ocorrer. Deve haver uma equipe de saúde disponível para atender tais situações durante as 24 horas do dia. Após a administração de prostaglandina na segunda visita, o período de observação padrão é de 4-6 horas, durante o qual até 90% das mulheres expelirão os produtos da concepção. Algumas mulheres podem precisar de medicação para cólicas durante esse período (ver 2.2.1. acima). Aproximadamente 10% das mulheres não abortam durante o período de observação. Elas não precisam ficar internadas mas devem retornar para o serviço de saúde cerca de 2 semanas mais tarde para confirmar se tiveram um abortamento completo. Protocolos que permitem à mulher sair do serviço médico imediatamente após a administração de prostaglandina, exigem que se explique claramente que ela, provavelmente, vai eliminar os produtos de concepção em casa ou em algum outro lugar, sem a supervisão médica. Nesse caso, as mulheres devem retornar para o serviço de saúde cerca de duas semanas após, para confirmar, através de exames físicos ou teste de laboratório, que o abortamento foi completo. Alguns pesquisadores consideram que a segunda visita ao serviço de saúde para tomar a prostaglandina é desnecessária e sugerem que a mulher pode ser liberada para tomá-la em casa (Schaff et al. 1997). Essa abordagem foi usada recentemente em comunidades na Tunísia e Vietnã, comprovando-se que é aceitável para muitas mulheres (Elul et al. 2001). Entretanto, ainda será preciso confirmar a segurança e adequação dessa abordagem em diferentes locais. 47 No caso de um abortamento incompleto ou falho, é preciso realizar um abortamento cirúrgico. Cada serviço de saúde que oferece métodos médicos de abortamento deve ser capaz de assegurar a realização de aspiração a vácuo, em caso de necessidade. Tal provisão pode estar disponível no local ou através de arranjos com outro serviço que faça a aspiração a vácuo. Em todos os casos, os provedores de saúde devem assegurar-se de que a mulher pode ter acesso a tais serviços em caso de emergência. As mulheres estarão mais facilmente satisfeitas com o procedimento se suas expectativas forem realistas (Breitbart 2000). Portanto, elas precisam de informação completa sobre o que devem esperar, incluindo os possíveis efeitos colaterais dos métodos médicos de abortamento. Os trabalhadores da saúde devem assegurar-se de que as mulheres entendam a importância de cumprirem o protocolo, especialmente se alguma das drogas são auto-administráveis, e de que elas saibam como reconhecer, e o que fazer em caso de complicações. 2.4.1.2. De nove a 12 semanas completas desde a data da última menstruação Mifepristone e misoprostol também estão sendo investigados entre nove e 13 semanas de gravidez (Ashok et al. 1998b). Será preciso confirmar resultados positivos iniciais para estabelecer os regimes ideais de tratamento. 2.4.1.3. Após 12 semanas completas desde a data da última menstruação O tratamento de mifepristone oral seguido de doses repetidas de misoprostol ou gemeprost é seguro e altamente efetivo (RCOG 2000). Uma dose oral de 200 mg de mifepristone seguida por 800 µg de misorpostol administrado via vaginal, 36-48 horas mais tarde e posteriormente mais 400 µg de misoprostol oral a cada três horas até o máximo de quatro doses, tem sido efetiva em 97% dos casos (El-Refaey e Templeton 1995). Também se conseguiram bons resultados com uma dose oral de 400 µg de misoprostol a cada 3 horas, até o máximo de 5 doses, após 200 mg de mifepristone (Ngai et al., 2000). Também se pode usar 200 mg de mifepristone seguidas de 1 mg de gameprost por via vaginal, repetida, a se necessário a cada seis horas até o máximo de quatro doses (Ho et al., 1996). O tratamento com gemeprost poderia continuar com 1mg a cada três horas, até o máximo de 4 doses adicionais, se necessário (Gemzel-Danielsson e Ostlund, 2000, Tang et al., 2001). 48 2.4.2. Misoprostol ou gemeprost sozinhos 2.4.2.1. Até 12 semanas completas desde a data da última menstruação O misoprostol sozinho também tem sido estudado em termos de efetividade e segurança. Apesar de não se dispor de nenhum estudo comparativo, os dados disponíveis sugerem que a efetividade do misoprostol sozinho é baixa, o procedimento é mais longo e mais dolorido, com maior efeito colateral gastro-intestinal se comparado com o tratamento combinado com mifepristone (Bugalho et al., 2000). Devido à ampla disponibilidade da droga, o baixo custo, e considerando que em alguns locais se relatada que seu uso amplo pode contribuir para diminuir as complicações do abortamento inseguro (Costa e Vessy 1993), atualmente se está investigando qual será o melhor regime de tratamento com o misoprostol sozinho para indução do abortamento (Blanchard et al. 2000). Há preocupações quanto as conseqüências do uso de misoprostol sobre o feto (Fonseca et al. 1991, Gonzáles et al. 1998, Schonhofer 1991, Orioli e Castilla 2000). É necessário realizar mais pesquisas para avaliar a possível teratogenicidade do misoprostol. 2.4.2.2. Após 12 semanas completas desde a data da última menstruação O misoprostol tem mostrado uma efetividade de 84% na indução de abortamento dentro de 24 horas com uma variedade de doses administradas oralmente ou por via vaginal (Dickinson et al. 1998, Wong et al. 1996), mas o abortamento não é tão rápido com o quando essa substância é usada em combinação com mifepristone. É necessário realizar mais pesquisas para identificar o regime ideal de uso de misoprostol sozinho para gravidezes de mais de 12 semanas. Gemeprost sozinho, administrado pela via vaginal, está registrado, em muitos países para interrupção da gravidez de segundo trimestre. A dose recomendada é 1mg, administrada a cada 3 horas até 5 vezes durante o primeiro dia e repetida no dia seguinte, se necessário. Com esse tratamento, 80% e 95% das mulheres abortarão dentro 24 e 48 horas, respectivamente (Thong et al. 1992). 49 2.4.3. Outros agentes de abortamento médico Methotrexate, que é uma droga citotóxica usada para tratar câncer, artrite reumatóide, psioríase e outras doenças, tem sido usado em combinação com misoprostol como um método médico para abortamento no início da gestação (até completar sete semanas desde a data da última menstruação) em alguns países onde mifeprostone não está disponível. Um recente ensaio clínico randomizado e controlado relatou uma taxa de sucesso total de 92% com 50 mg de methotrexate seguidos por 80 µg de misoprostol administrado intravaginal seis a sete dias mais tarde. A taxa de sucesso no dia 15 foi 83% (Creinin 2000). Entretanto, um Painel de Toxicologia da Organização Mundial da Saúde recomendou não usar o methotrexate para indução de abortamento, baseado em evidências sobre teratogenicidade (UNDP/UNFPA/WHO/Banco Mundial Programa Especial de Pesquisa, Desenvolvimento e Treinamento de Pesquisa em Reprodução Humana 1997). Apesar dos riscos atuais serem ainda desconhecidos, há relatos sobre defeitos dos membros e cabeça e anomalias faciais em gestações que continuaram após fracasso de tentativas de indução de abortamento com methotrexate (Powell e Ekert 1971, Diniz et al. 1978, Feldkamp e Carey 1993). Recomenda-se, portanto, que os serviços que desejam introduzir métodos médicos de abortamento usem mifepristone e misoprostol, e não methotrexate. Outros agentes são usados para estimular contrações uterinas e indução de abortamento a partir das 12 semanas completas desde a data da última menstruação. Eles incluem injeção intra-amniótica de solução salina hipertônica ou uréia hipermolar, ou a administração intra ou extra aminiótica de etacridina; administração parenteral, intra-amniótica ou extra-amniótica de análogos de prostaglandina, e administração intravenosa ou intramuscular de oxitocina (Organização Mundial da Saúde 1997). A maioria desses métodos e vias de administração, entretanto, são invasivos e menos seguro do que os métodos médicos mais novos. 2.5 Outras questões relacionadas aos procedimentos de abortamento 2.5.1. Prevenção e controle de infecção Uma vez que os procedimentos e cuidados relativos ao abortamento envolvem contato com sangue ou outros fluídos do corpo, toda equipe de saúde, clínico e de apoio, em todos os locais que oferecem esses serviços, devem entender e aplicar as precauções universais para prevenção e controle de infecção, tanto para eles próprios quanto para a proteção de suas pacientes. 50 Precauções universais são padrões simples de controle de infecção para serem usados no atendimento de todas as pacientes, em todo momento, para reduzir o risco de transmissão de infecção pela via sanguínea. Eles incluem: lavar as mãos com sabão e água antes e após todos os procedimentos, usar barreiras protetoras tais como luvas, aventais, jalecos, máscaras, óculos para evitar o contato direto com sangue e outros fluídos do corpo, mecanismos seguros de despejo do lixo contaminado com sangue ou outros fluidos do corpo, manuseio correto das roupas contaminadas, um lugar para lixo perfurocortante, e desinfecção apropriada dos instrumentos e outros equipamentos contaminados (Organização Mundial da Saúde, 2001). 2.5.1.1. Lavar as mãos e usar barreiras protetoras Todos os membros da equipe devem lavar suas mãos antes de qualquer contato com a mulher e imediatamente após qualquer contato com sangue, fluído corporal ou membranas mucosas. Luvas esterilizadas ou com alto grau de desinfecção devem ser usadas e trocadas a cada vez que se entre em contato com uma nova paciente, assim como após cada exame vaginal (ou retal) da mesma paciente. Vale destacar que o uso de suprimentos auxiliares tais como botas esterilizadas não fazem uma diferença significativa na taxa de infecção, ao mesmo tempo em que isso aumenta os custos. 2.5.1.2. Limpeza Detergentes e água quente são adequados para limpeza de rotina de limpeza de pisos, camas, colchões revestidos de plásticos, banheiros e paredes. Luvas grossas de borrachas devem ser usadas quando ocorrer derramamento de fluído corporal, e a maior quantidade possível desse fluído deve ser removido com um material absorvente. Esse material pode ser descartado em um recipiente à prova de vazamento e mais tarde incinerado ou enterrado em um buraco bem fundo. A área do derramamento deve ser limpa com um desinfetante a base de cloro e, em seguida, lavada cuidadosamente com sabão e água quente. Todos os lençóis sujos devem ser manuseados o menos possível, colocados em sacolas no local de coleta e não devem ser separados ou lavados nas áreas onde estão as pacientes. Se possível, lençóis com grande quantidade de fluído corporal deve ser transportados em sacolas a prova de vazamento. Se essas sacolas não estiverem disponíveis, os lençóis devem ser dobrados com as partes sujas para dentro e manuseados cuidadosamente com luvas. 51 2.5.1.3. Eliminação segura de material contaminado com fluídos corporais Lixo sólido que é contaminado com sangue, fluídos corporais, amostras para laboratório ou tecido corporal deve ser colocado em recipiente a prova de vazamento e incinerado, ou enterrado em um buraco de aproximadamente 2,15 metros de profundidade, no mínimo 9 metros afastado do lençol de água. Lixo líquido, tal como sangue ou fluído corporal, deve ser despejado num cano conectado a um esgoto adequadamente tratado, ou numa fossa. 2.5.1.4. Manuseio seguro e eliminação de objetos perfurocortantes O grande risco de transmissão de HIV nos locais de atenção à saúde é a perfuração da pele com agulhas ou objetos cortantes contaminados. Isso também se aplica a hepatite –B. A maioria dos ferimentos provocados por objetos cortantes se dá através de agulhas infectadas. Tais ferimentos freqüentemente, ocorrem quando se recoloca a proteção plástica nas agulhas, quando são limpas ou descartadas de forma inadequada. Sempre que possível deve-se evitar recolocar a proteção plástica nas agulhas mas às vezes é necessário. Quando for preciso reinserir a proteção plástica na agulha, isto deve ser realizado colocando uma das mãos nas costas para evitar feri-la com a agulha. Um recipiente resistente a objetos perfurocortantes deve estar disponível e prontamente acessível para o descarte. Esses recipientes podem ser queimados em um incinerador fechado ou enterrados em um buraco fundo. Outras precauções para prevenir ferimentos por objetos perfurocortantes incluem o uso de luvas, ter uma iluminação adequada quando estiver atendendo às pacientes, colocar os recipientes para objetos perfurocortantes no próprio local do atendimento, nunca descartar objetos perfurocortantes em lixo comum, e manter esses objetos longe do alcance de crianças. Sempre que possível, um porta-agulha deve ser usado quando se estiver suturando. 2.5.1.5. Limpeza segura dos equipamentos após uso Todos os instrumentos cirúrgicos usados no abortamento devem ser enviados para limpeza e esterilização imediatamente após o uso. Onde serviços centrais para isso não estiverem disponíveis, ou em locais de poucos recursos, os seguintes procedimentos são recomendados. 52 O passo mais importante para assegurar a descontaminação final dos instrumentos é a sua limpeza física. Os instrumentos devem ser imediatamente descontaminados, mergulhandoos por 10 minutos em uma solução de cloro, o qual deve ser trocada no mínimo uma vez ao dia. Após terem sido descontaminados devem ser lavados apenas com água e sabão. Os instrumentos que não sejam descartáveis devem ser esterilizados ou desinfetados com desinfetante de alta efetividade. A esterilização pode ser feita com vapor, aquecimento a seco, gás (óxido de etileno) ou soluções químicas, que matam todos os microorganismos, incluindo endósporas bacterianos tais como os que causam tétano e gangrena gasosa (Organização Mundial da Saúde, 2001). Alto nível de desinfecção pode ser alcançado fervendo os instrumentos por 20 minutos ou mergulhando-os numa solução de glutaraldeido, cloro, peróxido de hidrogënio ou outros agentes semelhantes, pelo tempo apropriado para cada tipo de solução. O alto grau de desinfecção destrói todos os microorganismos incluindo o vírus da hepatite-B e o HIV, mas não mata apropriadamente endósporos bacterianos. O uso apenas de fenol ou somente de um anti-séptico não é eficiente para uma desinfecção de alto grau. Os instrumentos devem ser lavados com água estéril após desinfecção. Instrumentos plásticos não podem ser expostos a alta temperatura para esterilização e desinfecção. Por exemplo, a maioria das seringas para aspiração a vácuo e cânulas atualmente disponíveis não podem ir para a autoclave (esterilização a vapor), pois elas trincam e derretem. A menos que haja instruções contrárias e específicas, os métodos frios descritos acima devem ser usados. Os trabalhadores da saúde devem sempre consultar as instruções para o uso de todos os itens que devem ser desinfectados, para assegurar que se está usando a forma apropriada de desinfecção. 53 2.5.2. Manejo das complicações do abortamento Quando o abortamento é realizado por profissionais ou técnicos adequadamente treinados, as complicações são pouco freqüentes. Entretanto, todo serviço deve estar equipado e ter pessoal treinado para reconhecer complicações de abortamento e tratar ou encaminhar a mulher para um pronto atendimento, 24 horas por dia (Organização Mundial da Saúde, 1994). As facilidades e habilidades necessárias para tratar as complicações do abortamento induzido são similares àquelas necessárias para cuidar da mulher que tem um abortamento espontâneo. 2.5.2.1. Abortamento incompleto O abortamento incompleto não é comum com a aspiração a vácuo quando o procedimento é realizado por um profissional treinado.É mais comum com métodos médicos de abortamento. Sinais e sintomas incluem sangramento vaginal, dores abdominais ou sinais de infecção. Também se deve suspeitar de complicação se, ao exame visual, o tecido aspirado durante o abortamento cirúrgico não estiver de acordo com a idade gestacional estimada. Os profissionais de cada serviço de saúde devem ser treinados e estarem equipados para tratar o abortamento incompleto, evacuando novamente o útero com aspiração a vácuo, e prestando atenção às possibilidades de hemorragia ou infecção. 2.5.2.2. Falha no procedimento Falha no procedimento pode ocorrer tanto nas mulheres com as quais se utilizaram de métodos cirúrgicos naquelas em que foram empregados métodos médicos. Se na visita de seguimento após qualquer um dos tipos de procedimento, a gravidez continuar, a interrupção da gestação por aspiração a vácuo é necessária, ou D&E para gravidezes de segundo trimestre. 54 2.5.2.3. Hemorragia Hemorragia pode resultar por retenção de produtos da concepção, trauma ou dilasceração da cérvix ou, raramente de perfuração uterina. Dependendo da causa, o tratamento apropriado deve incluir reevacuação do útero e administração de drogas uterotônicas para deter o sangramento, administração de líquidos intravenosos e, em casos graves, transfusão de sangue, laparoscopia ou laparatomia exploratória. Devido à baixa incidência de hemorragia usando aspiração a vácuo, não é recomendado o uso de oxitócicos rotineiramente, entretanto, eles podem ser necessários em caso de D&E. Sangramento prolongado é um efeito esperado de abortamento médico. Tal sangramento raramente é grave o suficiente para constituir uma emergência. Entretanto, qualquer serviço deve ser capaz de estabilizar e tratar ou encaminhar a mulher com hemorragia o mais rápido possível. 2.5.2.4. Infecção É raro que ocorra infecção após um abortamento realizado apropriadamente. Sintomas comuns incluem febre ou calafrios, mau cheiro na vagina ou corrimento cervical, dores abdominais ou na pelve, sangramento vaginal por período prolongado, sensibilidade uterina, e/ou leucocitose. Os profissionais de saúde devem administrar antibiótico sempre que se diagnosticar infecção e, se a causa da infecção pode ser a retenção dos produtos da concepção, deve-se evacuar o útero novamente. Mulheres com infecções severas podem precisar de internação. De acordo com o discutido na seção 1.6, tem-se verificado que a prescrição profilática de antibióticos para mulheres submetidas a abortamento cirúrgico é efetiva para reduzir o risco de infecção pós-abortamento (Sawaya et al., 1996) e deve ser usada sempre que possível. 2.5.2.5. Perfuração uterina Usualmente, a perfuração uterina passa desapercebida e se resolve sem a necessidade de intervenção. Um estudo com mais de 700 mulheres, em que foi realizado abortamento no 55 primeiro trimestre de gestação seguido de esterilização por laparoscopia, encontrou que 12 de 14 perfurações uterinas identificadas eram tão pequenas que não seriam reconhecidas se não tivesse sido feita a laparoscopia (Kaali et al., 1989). Quando se suspeita de que houve perfuração uterina pode ser suficiente a simples administração de antibiótico e observação. Se estiver disponível a laparoscopia é o método de investigação indicado. A laparotomia pode ser necessária para o reparo cirúrgico se a laparoscopia e/ou o estado da paciente levantar alguma suspeita de lesão do intestino, vasos sanguíneos ou outras estruturas. 2.5.2.6. Complicações relacionadas com a anestesia A anestesia local é mais segura do que a geral, tanto para aspiração a vácuo de primeiro trimestre quanto para dilatação e evacuação no segundo trimestre (Osborn et al., 1990, Mackay et al., 1985). Nos lugares onde se use anestesia geral, os profissionais devem estar treinados para lidar com convulsões e manter a estabilidade da função cardio-respiratória das pacientes. Sempre deve se dispor de drogas reversoras do efeito dos agentes anestésicos utilizados. 2.5.2.7. Seqüelas a longo prazo A grande maioria das mulheres que tem um abortamento induzido adequadamente não sofrerá nenhum efeito a longo prazo em sua saúde geral e reprodutiva. As exceções são o pequeno número de mulheres que apresenta complicações graves do abortamento (Organização Mundial da Saúde, 1997). Pesquisas mostram que não há associação entre indução de abortamento seguro de primeiro trimestre e reações adversas nas gravidezes subseqüentes (Hogue et al.1999). Dados epidemiológicos mostram que não há aumento do risco de câncer de mama em mulheres que fizeram abortamento no primeiro trimestre (Melbye et al. 1997). De acordo com uma extensa revisão da literatura (Dagg 1991), observam-se seqüelas psicológicas apenas em um pequeno número de mulheres, e nesses casos tais seqüelas parecem ser apenas a continuação de condições que existiam antes do abortamento. 56 3. Seguimento 3.1 Período de recuperação 3.1.1. Métodos cirúrgicos de abortamento Durante o período de recuperação após o abortamento cirúrgico, a equipe de saúde deve oferecer conforto e apoio à mulher, assim como monitorar a sua recuperação. Os profissionais devem prestar especial atenção às queixas de dor, já que podem ser sinal de perfuração ou hematometra (enchimento do útero com sangue), que pode ser tratada com drogas ergométricas para provocar contrações uterinas. Por isto é importante confirmar o tamanho do útero por exame bi-manual, particularmente no caso de abortamento tardio. Quando não há complicações a maior parte das mulheres pode ter alta do serviço de saúde tão logo ela se sinta capaz de fazê-lo e seus sinais vitais estejam normais. Quando o abortamento é tardio e sob sedação profunda ou anestesia geral, o período de recuperação pode ser mais prolongado e a mulher requer observação mais cuidadosa. Após um procedimento cirúrgico, a mulher deve retornar para uma visita de seguimento idealmente entre sete e 10 dias após o abortamento para verificar seu estado geral de saúde. 57 3.1.2. Métodos médicos de abortamento Como explicado anteriormente, os protocolos de abortamento médico com até nove semanas de idade gestacional requerem habitualmente que a mulher fique em observação clínica por quatro e seis horas, após tomar a prostaglandina. Os provedores devem verificar todos os absorventes higiênicos e comadres (recipientes para coletar urina) utilizados durante o período de observação, para saber se houve ou não abortamento durante esse período. No caso das mulheres em que não se confirme o abortamento completo durante o período de observação, assim como daquelas que tomem a prostaglandina em casa, deve-se marcar uma consulta de retorno para 10 a 15 dias após a administração da prostaglandina, para confirmar que ocorreu o abortamento completo e que não há infecção, nem outras complicações. Na maior parte dos casos o abortamento será completo, caso contrário, pode realizar-se aspiração a vácuo se for a opção da mulher; porém, em geral, não é necessário, a não ser que ela apresente sintomas ou o exame clínico ou laboratorial sugira que a gravidez continua. No caso de abortamento além das 12 semanas completas de gestação, é preciso que as mulheres permaneçam sob observação até a expulsão completa do feto e da placenta, em vista do maior risco de hemorragia e de abortamento incompleto nesses casos. 3.2 Prescrição e entrega de anticoncepcionais e orientação sobre infecções de transmissão sexual Os profissionais de saúde devem assegurar-se de que essas mulheres recebam informação e orientação sobre anticoncepção pós-abortamento, incluindo anticoncepção de emergência, antes da alta do serviço de saúde. Todos os métodos anticoncepcionais, incluindo dispositivos intra-uterinos e anticoncepcionais hormonais, podem ser utilizados no pós-abortamento, sempre que se esteja atento às condições da mulher que podem limitar a indicação de determinados 58 métodos (ver anexo 4). O diafragma e o capuz cervical não devem ser usados até seis semanas após um abortamento de segundo trimestre, e o risco de expulsão de um dispositivo intra-uterino é maior quando inserido logo após um abortamento feito depois de 12 semanas completas da gestação (Stanwood et al. 2001). Alguns métodos naturais de planejamento familiar só devem ser usados passados três ciclos após o abortamento (Organização Mundial da Saúde 2000b). Deve-se prestar especial atenção aos casos em que a mulher solicita ligadura tubária, para assegurar-se de que sua decisão não esteja influenciada pelo momento crítico que está passando, de modo a evitar arrependimento posterior. Os lugares que provêem abortamento devem ter a capacidade de prover a maior parte dos métodos se a mulher os solicita. Se o método preferido pela mulher não está disponível (por exemplo a ligadura tubária que, poucas vezes, está disponível em nível primário) deve-se informar à mulher sobre onde e como pode obtê-lo, ao mesmo tempo em que se deve oferecer um método temporário. Todas as mulheres devem receber informação sobre anticoncepção de emergência e deve-se considerar a possibilidade de prover esse método às mulheres que prefiram não iniciar imediatamente o uso rotineiro de um método. Os provedores devem discutir com todas as mulheres a prevenção de infecções de transmissão sexual (ITS) incluindo HIV, e a importância do uso de condom, independentemente de qual o método anticoncepcional escolhido. Essa informação sobre prevenção de infecção deve ser dada com particular atenção àquelas mulheres com maior risco ou em áreas com alta prevalência conhecida de HIV. Pode-se oferecer teste voluntário e orientação sobre HIV, ou encaminhamento a estabelecimentos que ofereçam esses serviços. Deve-se promover a dupla proteção, assim como o uso de métodos que protegem tanto contra a gravidez quanto contra as ITS. 3.3 Instruções sobre cuidados depois do abortamento Devem-se dar instruções simples e claras, verbalmente e por escrito às mulheres que fizeram abortamento a respeito de seu auto-cuidado após a alta, incluindo como reconhecer 59 complicações que precisam de atendimento médico. As mulheres que estão no processo de espera que um abortamento médico se complete devem poder entrar em contato com um médico, ou outro trabalhador da saúde com capacidade de responder às suas dúvidas e dar a ajuda necessária. Depois de um abortamento cirúrgico, as mulheres podem ter um ligeiro sangramento, como se fosse uma menstruação durante várias semanas. As mulheres que usam métodos médicos de abortamento devem ser informadas de que é possível que tenham sangramento parecido ou mais abundante que uma menstruação. Sangramento excessivo, febre que dure mais de um dia e dor pélvica são sintomas que requerem atendimento médico. Náuseas, às vezes acompanhadas de vômitos geralmente desaparecem dentro das 24 horas seguintes ao abortamento cirúrgico. A equipe de saúde deve informar às mulheres de que poderão ter cólicas que podem ser aliviadas com analgésicos comuns, vendidos sem prescrição médica. A informação sobre como reconhecer complicações e procurar atendimento deve ser apresentada na forma de desenhos paras as mulheres que não sabem ler. A maior parte das mulheres pode retornar às suas atividades habituais horas ou poucos dias após um abortamento do primeiro trimestre. A visita de seguimento é uma oportunidade para que os provedores possam falar com as mulheres sobre as suas experiências, se necessário. Por exemplo, mulheres que fizeram o abortamento por razões de saúde ou após estupro podem precisar falar de seus sentimentos de perda, bem como podem desejar orientação e apoio adicional. 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Na maior parte dos casos é possível prover esses serviços onde eles não existem com apenas pequenas adaptações na infra-estrutura dos serviços existentes, aquisição mínima de equipamentos adicionais e treinamento básico de algumas pessoas. Essas mesmas pequenas mudanças são suficientes para melhorar a qualidade, segurança, eficiência e capacidade dos serviços de abortamento que já existem. Essas adaptações devem-se basear em planejamento cuidadoso, que inclui o seguinte: ƒ Avaliação da situação atual. Isto não precisa ser longo nem complexo. Os itens a serem considerados na avaliação são: leis e normas que regulam a disponibilidade e acesso ao abortamento seguro; a extensão e o nível dos serviços já disponíveis; qualidade dos serviços existentes, incluindo quais métodos de abortamento estão sendo utilizados e como se procede nos casos de complicações de abortamentos inseguros; características das mulheres que abortam; atitudes e conhecimentos dos provedores de saúde. ƒ Estabelecer normas e padrões nacionais que orientem a prestação de serviços de abortamento com qualidade. Essas normas e padrões devem incluir: tipos de serviços de abortamento e locais onde podem ser oferecidos; equipamentos, suprimentos, medicamentos e infraestrutura essenciais; mecanismos de referência, respeito pela decisão livre e informada da mulher, por sua autonomia; confidencialidade e privacidade, com atenção às necessidades especiais das adolescentes; e atendimento especifico para as mulheres que sofreram estupro. ƒ Definição das habilidades, treinamento, supervisão e processo de credenciamento. Deve-se deixar claro, em particular, que tipo de profissional de saúde pode prestar serviços de abortamento. Outros detalhes que devem ser elaborados incluem o 72 conteúdo essencial do currículo de treinamento para provedores de serviços de abortamento, padrões de supervisão e requisitos para certificação e credenciamento, para se assegurar que os provedores e as instituições cumprem os critérios essenciais para prover serviços de abortamento com segurança. ƒ Monitoramento e avaliação dos serviços. Isto inclui a coleta rotineira de estatísticas de serviço, informação sobre as pacientes, uso de listas de verificação para supervisores, além de estudos periódicos específicos. ƒ Financiamento. Os orçamentos dos serviços de saúde devem incluir os salários do pessoal, custo dos treinamentos, instrumentos, suprimentos e medicamentos e custos de capital. É preciso considerar ainda que os serviços devem ser economicamente acessíveis às mulheres. O custo de agregar serviços de abortamento seguro aos estabelecimentos de saúde que já existem são seguramente modestos, se comparados com os benefícios para a saúde das mulheres. 1. Avaliação da situação atual A avaliação vai contribuir para identificar onde é necessário implantar serviços e/ou como os atuais serviços podem ser aprimorados. Uma avaliação básica das necessidades nacionais, regionais e locais não precisa ser longa nem complexa. Na maior parte dos casos, a informação necessária pode ser obtida ao revisar aquela que já existem ou consultar as partes interessadas (o que inclui os dirigentes do Ministério da Saúde, provedores de serviços, mulheres, pessoas representativas da sociedade civil e agências técnicas ou doadores), assim como ao observar diretamente a prestação de serviços nos diversos níveis. Referências com detalhes sobre esta estratégia (técnicas de avaliação rápida e análise situacional) estão listadas no Anexo I. Uma estratégia que tem sido utilizada com eficácia em vários países é a Abordagem Estratégica para melhorar a qualidade de atendimento em serviços de saúde reprodutiva (Organização Mundial da Saúde 1999, Organização Mundial da Saúde 2002a). A abordagem estratégica baseia-se em criar uma equipe de avaliação, com representação ampla das partes interessadas, que fazem uma avaliação de campo das tecnologias 73 disponíveis, da qualidade dos serviços prestados e das necessidades e perspectivas das mulheres. Qualquer que seja o procedimento adotado é importante assegurar a incorporação das múltiplas perspectivas dos diversos atores. Isto contribui para assegurar que as recomendações e planos baseados nessa avaliação sejam amplamente aceitos e, portanto, sua implementação seja, provavelmente, mais fácil. É particularmente importante incluir a perspectiva das usuárias ou potenciais usuárias desses serviços, visto que elas são as que melhor poderão identificar os obstáculos para ter acesso a eles. É também importante que a avaliação ao acesso da população a serviços de saúde reprodutiva em geral e, especialmente seu acesso a informação e serviços de contracepção, considerando que isso tem um impacto direto sobre a incidência de gravidez não desejada. Quando a avaliação inclui a observação direta de mulheres e provedores é essencial obter previamente o consentimento livre e informado de ambos. Pouco mais abaixo aparece uma lista das perguntas que devem ser respondidas através da avaliação. As fontes de dados mais usuais que permitem responder a essas perguntas serão as estatísticas de serviços (locais e nacionais), relatórios do Ministério da Saúde, estudos sociais sobre a perspectiva de provedores e usuárias em nível local ou nacional, e, dentro de certos limites, as Pesquisas de Demografia e Saúde (DHS) e outros inquéritos nacionais sobre saúde. Pode-se conseguir muito ao revisar a literatura que já existe, mas, na maior parte dos casos, essa revisão não será suficiente e será preciso complementá-la com informações obtidas através de avaliações rápidas. Com todas essas fontes de dados é importante lembrar que a subnotificação do abortamento é amplamente disseminada, quer seja ele legal ou ilegal, seguro ou inseguro. a) Quais são as leis, políticas e regulamentos relativos ao atendimento para o abortamento seguro, incluindo normas clínicas que determinam a disponibilidade e acesso aos serviços? 74 Os profissionais de saúde e o público podem pensar que a lei é muito mais restritiva do que na realidade é, e por isso os serviços podem não estar disponíveis ou as mulheres podem não ter acesso aos serviços a que têm direito segundo a lei. Por outro lado, os profissionais de saúde podem conhecer a lei, mas não a colocam em prática por diversos motivos. Um exame mais cuidadoso do texto da lei e de sua aplicação na prática por parte de especialistas em assuntos legais e de saúde pública é um componente importante desta avaliação. ƒ Por exemplo, nos lugares em que a lei e as normas requerem autorização ou certificação de um organismo independente, como de um comitê especial do hospital, autorização do esposo, ou ainda que um médico ou a polícia certifique que houve violência sexual, é possível que a avaliação verifique que tudo isso leva a demora excessiva do processo, com conseqüências danosas para a saúde da mulher. A avaliação pode identificar oportunidades e propor novas formas de proceder que facilitem e acelerem esse processo, assim como pode informar com maior clareza ao público, advogados, juizes e médicos acerca das condições que a mulher deve preencher para ter direito ao abortamento e quais as condições para ter acesso aos serviços. Efetivar essas mudanças na prática leva algum tempo, mas isto tem sido realizado com sucesso em alguns países (Vieira Villela e Oliveira Araújo 2000, Billings et al. 2002). b) Qual é a incidência de abortamento ilegal e de complicações do abortamento inseguro? Quem está utilizando os serviços existentes e quem não tem acesso? Estimar a incidência de abortamento inseguro e o número de abortamentos legais que se realizam no momento poder ser difícil, especialmente nos lugares onde se restringe o acesso ao abortamento legal. Em quase todas as situações, entretanto, existem estudos sociais que freqüentemente oferecem dados que ajudam a estabelecer um quadro geral da situação (Mundigo e Indriso 1999). As estatísticas dos serviços de saúde podem informar sobre o número de abortamentos legais realizados e o número de internações por complicações de abortamento inseguro. Inquéritos como as DHS podem prover 75 dados sobre a prevalência de gravidezes inoportunas ou não-desejadas. Quando disponíveis, dados sobre a idade, estado marital e nível sócio-econômico das mulheres que usam serviços de abortamento legal e daquelas que sofrem complicações de abortamento inseguro vão servir para identificar que mulheres estão atualmente usando os serviços. Esses dados podem ser utilizados para definir as características do programa que será proposto. ƒ Por exemplo, se a informação obtida revela que a maior parte das mulheres tratadas por abortamento inseguro estão no grupo etário menor de 25 anos, os responsáveis pelas políticas públicas e planejadores terão que desenvolver uma estratégia de informação e educação sobre saúde sexual e reprodutiva e sobre a disponibilidade de métodos anticoncepcionais e abortamento legal, dirigida aos jovens. Informação sobre a atitude dos provedores de serviços de saúde pode sugerir a necessidade de treinamento adicional da equipe de saúde, para que seja mais aberto e não preconceituoso com adolescentes e adultos jovens. c) Onde se realizam abortamentos legais Estão disponíveis no nível primário, secundário ou terciário? São estabelecimentos públicos, privados ou de ONGs? Estão disponíveis em todos os lugares do país? Fazem parte de outros serviços de saúde ou são serviços isolados? Que proporção do total de abortamentos é realizada em cada tipo de estabelecimento? ƒ A avaliação pode indicar que os serviços estão disponíveis principalmente em hospitais urbanos. Se este for o caso, a prioridade inicial será treinar e equipar o pessoal de estabelecimentos mais periféricos, incluindo as áreas rurais, pelo menos para abortamentos do primeiro trimestre e encaminhamento dos casos mais complicados. 76 d) Qual é a qualidade do atendimento atual nos serviços que provêm abortamento? Que métodos são utilizados para induzir o abortamento e para tratar as complicações de abortamento inseguro, em diferentes idades gestacionais? Qual é a qualidade técnica desses serviços? É dada informação adequada às mulheres? As mulheres recebem orientação e serviços de contracepção, antes e após o abortamento? A qualidade do atendimento é diferente conforme o nível de atenção e a região do país? Algumas dessas informações podem estar disponíveis a partir dos registros nos serviços de saúde. Uma revisão dos protocolos de atendimento vai identificar se existe uma política de estabelecer padrões claros de qualidade, e se as mulheres recebem informação e serviços de contracepção após o abortamento. Técnicas de avaliação rápida permitirão verificar se a prática se ajusta aos padrões estabelecidos. ƒ A observação direta dos serviços durante a avaliação pode revelar baixa qualidade do atendimento, revelando, por exemplo, falta de suprimentos necessários, violações da privacidade, pouca habilidade técnica dos provedores. Essas deficiências podem ser corrigidas com investimento no sistema logístico e melhoria do treinamento e da supervisão, por exemplo. e) Quais são as atitudes e o conhecimento da equipe de saúde em relação ao abortamento? Quanto conhecimento a equipe de saúde tem acerca da lei e das técnicas de abortamento, e sobre onde é possível obter estes serviços? O quanto as respostas dadas correspondem às práticas observadas com técnicas de avaliação rápida? Na maioria dos países as informações sobre esses aspectos é bastante limitada, porém obter esses dados é importante, porque as atitudes e práticas dos provedores são determinantes básicos do acesso que as mulheres têm a serviços de abortamento seguro. ƒ Por exemplo, a avaliação pode revelar que alguns provedores ou potenciais provedores se sentem ambivalentes ou têm atitudes negativas acerca do abortamento, mesmo nos lugares em que este é amplamente permitido pela lei 77 (Dickson-Tetteh et al. 2000). Nesses casos, os planejadores de programas precisam considerar qual a forma de assegurar que as mulheres que têm direito ao abortamento tenham acesso aos serviços. f. O que as mulheres sabem e quais são suas perspectivas acerca do abortamento e dos serviços que realizam abortamento? O conhecimento e a percepção que as mulheres têm dos serviços e acerca de seu contexto social podem também se constituir num obstáculo para que usem os serviços aos quais têm direito. Alguns estudos têm demonstrado que, freqüentemente, as mulheres temem ser maltratadas ou atribuem atitudes negativas a seus maridos ou parceiros ou, ainda, pensam que serão condenadas pelo grupo social (Mundigo & Indrizo 1989), o que as inibem de procurar atendimento. A avaliação também deve determinar o que as mulheres sabem sobre quais são seus direitos com relação ao abortamento, e qual é o custo de obtê-lo tanto nos serviços públicos quanto no setor privado. • Por exemplo, se a técnica de avaliação rápida revela que as mulheres não gostam do serviço público e não o utilizam por diferentes razões, tais como falta de confidencialidade/privadidade, temor de serem criticadas ou percepção de baixa qualidade do atendimento, os planejadores e administradores de saúde terão que tomar medidas para melhorar a qualidade do atendimento. Isto pode ser corrigido através da reciclagem dos provedores para atualizar suas habilidades técnicas e de comunicação interpessoal. g. Qual é o custo para o sistema de saúde de prover o abortamento? Qual é o custo de tratar as complicações do abortamento inseguro? A informação sobre custos diretos pode estar disponível através dos registros nos serviços de saúde, ou pode ser obtida por meio de inquéritos rápidos nos serviços de saúde, tanto públicos como privados. Informação mais aprofundada sobre custos pode ser obtida através de estudos mais detalhados. Com esse propósito de avaliação inicial é suficiente obter 78 informações de uma instituição durante um ano (King et al. 1998). A informação também pode ser analisada avaliando planilhas de custos (ver anexo 1). • Essa informação pode servir de guia para tomar decisões em nível nacional acerca de quais serviços podem ser oferecidos em qual nível do sistema de saúde, e que métodos deve ser utilizados em cada nível. 2. Estabelecendo normas e padrões nacionais Em muitos países não existem normas e padrões para serviços de abortamento, e quando isso ocorre é preciso que sejam estabelecidas. Nos casos em que essas normas já existam, elas devem ser revisadas regularmente para assegurar-se de que as evidências da melhor prática se refletem nesses padrões. As normas e padrões devem ser preparados de tal forma que assegurem que serviços de abortamento de boa qualidade estejam disponíveis em toda a extensão permitida pela lei. Eles devem estabelecer critérios que incluam os elementos básicos para serviços de abortamento de boa qualidade, quer eles sejam oferecidos pelo setor público, privado ou por agências não governamentais, incluindo: • Tipos de serviço de abortamento e onde eles podem ser oferecidos; • Equipamentos, suprimentos, medicamentos e instalações essenciais de infraestrutura; • Mecanismos de encaminhamento; • Respeito à decisão livre e informada das mulheres; à sua autonomia, privacidade e confidencialidade, com atenção às necessidades especificas das adolescentes; • Disposições específicas para mulheres que sofreram estupro 2.1 Tipos de serviços de abortamento e onde podem ser oferecidos O acesso das mulheres que têm direito ao abortamento a esses serviços pode melhorar enormemente se eles estiverem disponíveis a nível primário de atenção. Portanto, um dos mais importantes investimentos a serem considerados é o treinamento e equipamento de 79 profissionais de saúde desse nível para que realizem abortamento ou encaminhem as mulheres quando esteja indicado. No lugar onde não existe ainda a capacidade de prover serviço de saúde reprodutiva a nível primário, a medida elementar a ser tomada é criar um mecanismo efetivo de encaminhamento desde o nível primário a um nível mais alto de atendimento. Um sistema de encaminhamento que funciona adequadamente é essencial em todas as circunstâncias (ver seção 2.3). Estabelecimentos dos níveis mais altos de atenção podem ser usadas para o treinamento da equipe de saúde de estabelecimentos dos menores níveis, fazendo investimentos apropriados em treinamento e equipamento, o que permite estender os serviços geograficamente através do sistema de saúde. Nos lugares em que os serviços estão amplamente distribuídos mas são de baixa qualidade, a primeira medida é avaliar as principais razões dessas deficiências, e propor e implementar ações para corrigi-las. Isto pode incluir a reciclagem da equipe de saúde, ou a melhoria da infraestrutura e dos equipamentos em todos os níveis do sistema de saúde. A integração de serviços de abortamento a serviços de saúde reprodutiva que já existam é seguramente a estratégia mais fácil e mais custo-efetiva na maioria dos casos. 2.1.1 Comunidade Agentes de saúde trabalhando na comunidade têm um papel importante em ajudar as mulheres a prevenir gravidezes não desejadas, oferecendo informações sobre anticoncepcionais e educando-as sobre as conseqüências do abortamento inseguro. Eles devem ser capazes de informar as mulheres sobre como terem acesso a serviços de abortamento legal e seguro sem demoras desnecessárias, e de encaminhar as mulheres com complicações de abortamento inseguro para tratamento adequado. 80 2.1.2 Atendimento primário Centros de atendimento primário à saúde, geralmente possuem capacidade médica básica e alguns provedores treinados. Tanto a aspiração a vácuo quanto métodos médicos de abortamento podem ser utilizados neste nível, levando em conta que eles não requerem internação. A equipe de saúde desse serviço freqüentemente inclui enfermeiras, enfermeiras-obstetras, auxiliares de enfermagem e, em alguns contextos, médicos generalistas. Os profissionais já treinados e que já demonstraram ser capazes de realizar exame pélvico bi-manual, assim como de realizar procedimentos transcervicais, tais como a inserção de DIU, podem ser treinados para realizar aspiração a vácuo (Freedman et al. 1996, Greenslade et al. 1993). Nos lugares em que os métodos médicos de abortamento estão aprovados e disponíveis, esse mesmo pessoal pode administrá-los e supervisionar esse tratamento (Coyaji 2000). Da mesma forma que no caso do parto normal e dos abortamentos espontâneos, é preciso estabelecer um sistema de encaminhamento que assegure o atendimento de emergência em um nível mais alto de atenção cada vez que seja necessário. Por esta razão, a equipe de saúde treinada deve estar disponível 24 horas por dia, para os casos em que sua presença seja necessária. 2.1.3. Hospital Distrital (primeiro nível de referência) Todos os serviços de abortamento de nível primário descritos na tabela 3.1 devem ser oferecidos no hospital distrital, mesmo nos casos em que tais serviços também estejam disponíveis em um nível inferior de atenção. É excepcional que se requeiram alguns elementos de atendimento especializado na realização de abortamentos, e não deve ser parte da rotina dos serviços que oferecem abortamento, particularmente quando os recursos são limitados. Por exemplo, uso rotineiro de equipamentos especializados como ultra-som para abortamento precoce aumenta os custos para o sistema de saúde, e não é necessário para oferecesse serviços (RCOG 2000). Normalmente não se deve usar anestesia geral para 81 abortamento precoce porque aumenta desnecessariamente os riscos e o custo dos procedimentos (Lawson et al. 1994). Portanto, os hospitais devem oferecer atendimento ambulatorial às mulheres que solicitam abortamento, visto que é seguro, minimiza os custos e é mais conveniente para as mulheres. Os hospitais de referência, que possuem pessoal e equipamentos necessários para prover atendimento obstétrico de emergência, têm condições de atender as complicações de abortamento. Portanto, esses hospitais devem estar preparados para receber complicações de abortamento encaminhadas pelos centros de saúde de sua área de influência. 2.1.4. Hospitais de referência secundária e terciária Os hospitais de referência secundária e terciária devem ter equipe de saúde e infraestrutura capacitados para realizar abortamentos em todas as circunstâncias permitidas pela lei e tratar todas as complicações de abortamentos inseguros. O atendimento ao abortamento em hospitais de ensino é particularmente importante para assegurar que, durante o seu período de treinamento clínico, os novos quadros de profissionais de saúde desenvolvam competências para prover serviços de abortamento. Tabela 3.1. Tipos de serviços apropriados para cada nível do sistema de saúde Nível comunitário • Educação/informação em saúde pública sobre saúde reprodutiva, incluindo planejamento familiar e abortamento. • Distribuição comunitária de métodos de contracepção apropriados incluindo anticoncepção de emergência. • Todos os trabalhadores de saúde devem estar treinados para prover informação e encaminhamento para serviços de abortamento legal. • Todos os trabalhadores de saúde devem estar treinados para reconhecer complicações de abortamento e encaminhar as mulheres para tratamento. • Transporte das mulheres para serviços de abortamento e para tratamento de complicações de abortamento inseguro. • Todos os trabalhadores de saúde (e outros profissionais-chave da comunidade, tais como policiais e professores), devem estar treinados para reconhecer sinais de que meninas ou mulheres tenham sido vítimas de estupro ou incesto, e para providenciar o encaminhamento a serviço de saúde ou outros serviços de assistência social. Nível de atendimento primário 82 • • • • • • • • Todos os elementos mencionados no nível comunitário. Toda equipe de saúde que oferece serviço em saúde reprodutiva deve estar treinado para orientar em planejamento familiar, gravidez não desejada e abortamento. Um amplo leque de métodos anticoncepcionais (incluindo, por exemplo, dispositivos intra-uterinos (DIUs) e injetáveis). Aspiração a vácuo até 12 semanas completas de gravidez (ver capítulo 2). Métodos médicos de abortamento até nove semanas completas de gravidez (ver capítulo 2). Estabilização clínica e administração de antibióticos a mulheres com complicações de abortamento inseguro. Aspiração a vácuo de abortamentos incompletos. Encaminhamento imediato e transporte para mulheres que precisam de serviço de abortamento ou tratamento de complicações de abortamento que não pode ser oferecido no local. Hospital Distrital • Todos os elementos do atendimento de abortamento mencionados para o nível de atendimento primário. • Esterilização cirúrgica como complemento dos outros métodos anticoncepcionais • Serviço de abortamento em todas as circunstâncias e períodos da gestação em que seja permitido pela lei. • Tratamento das complicações de abortamento. • Programas de informação e difusão que cubram sua área de influência. • Treinamento (no serviço e fora do serviço) dos quadros de profissionais de saúde relevantes para prover serviços de abortamento. Hospital de referência secundária e terciária • Todos os elementos do atendimento de abortamento mencionados nos níveis anteriores, • Tratamento de todas as complicações de abortamento que não podem ser tratadas no nível distrital. 2.2. Equipamentos suprimentos, medicamentos e recursos de infra-estrutura essenciais A tabela seguinte (tabela 3.2.) mostra um resumo do que é preciso para prover serviços de abortamento nos diferentes níveis do sistema de saúde. A maior parte dos suprimentos, equipamentos e da infraestrutura necessária para aspiração a vácuo e métodos médicos de abortamento são os mesmos necessários para atendimento ginecológico e anticoncepção. Uma lista detalhada dos equipamentos e suprimentos essenciais para prover aspiração 83 manual a vácuo está incluída no anexo 3. Detalhes sobre as drogas necessárias para complicações, tais como ocitocina, líquidos endovenosos e antibióticos, podem se encontrar em outros lugares (Organização Mundial da Saúde 2000). Esses instrumentos e medicamentos devem ser incluídos rotineiramente no sistema de planejamento, orçamento, aquisição, distribuição e administração. O critério para determinar que instrumentos utilizar são os seguintes: qualidade, durabilidade, capacidade do sistema para assegurar consistentemente sua disponibilidade, e custo da manutenção ao longo do tempo. A introdução da aspiração a vácuo pode ajudar o sistema de saúde a aumentar a disponibilidade e acessibilidade ao abortamento, visto que seu uso é apropriado para estabelecimentos de saúde do nível primário. Além disso, os custos são relativamente baixos (Lean et al. 1976). Tem-se realizado estudos sobre o custo da AMIU introduzida para tratamento de complicações de abortamento inseguro. Esses estudos mostraram uma substancial redução dos custos com o uso da AMIU, ao mesmo tempo em que melhora a qualidade do atendimento (Anônimo 2000, Brambila et al. 1999, El Shafei et al. 1999). Considerações programáticas e de recursos podem influenciar as decisões sobre quais métodos de aspiração a vácuo oferecer. Nos hospitais e outros lugares onde se realiza um número elevado de abortamentos, o uso de aspiração elétrica pode ser mais eficiente do que a AMIU. Entretanto, nos lugares onde se utilizam aspiração elétrica a vácuo, mas o suprimento de energia elétrica é pouco confiável, é necessário dispor de AMIU com o retaguarda. A aspiração a vácuo tem-se mostrado altamente aceitável aos provedores em diferentes lugares do mundo (Bradley et al. 1991, Ekwempu 1990, Population Council 2000ª, Population Council 2000b, University of North Carolina, 2001). 84 Tabela 3.2. Método Aspiração a vácuo Instrumentos e medicamentos - Instrumentos e suprimentos ginecológicos e médicos básicos (por exemplo, espéculos abertos, pinças de Nello ou esponja, soluções anti-sépticas, gaze ou cotonetes e luvas), pinças de colo) - Dilatadores mecânicos (Pratt ou Denniston), dilatores osmóticos ou misoprostol para dilação cervical - Agulhas e anestésicos locais para bloqueio paracervical - Analgésicos - Sucção: aspirador a vácuo, manual ou elétrico e os tubos - Cânulas: flexível ou rígida, reta ou angulada, de diferentes tamanhos - Peneira e recipiente de vidro para inspeção do tecido Infraestrutura - Área privada para orientação - Área de tratamento limpa que ofereça privacidade - Mesa de exame com suporte para as pernas ou estribos - Cama - Banco para o provedor - Água limpa - Fonte de iluminação intensa - Suprimentos para descontaminação, limpeza e desinfecção de alto grau dos instrumentos, - Recipiente para depósito de lixo - Banheiro Métodos médicos de abortamento Instrumentos e suprimentos ginecológicos e médicos básicos (por exemplo, espéculos abertos, pinças de Nello ou esponja, soluções anti-sépticas, gaze ou cotonetes e luvas) - Área privada para orientação - Área privada com cadeiras para esperar a expulsão, separada das mulheres em trabalho de parto - Banheiro adequado - Capacidade para prover ou encaminhar para aspiração a vácuo Dependendo do protocolo usado: - mifepristone mais misoprostol ou gemeprost. - Analgésicos - Recipiente de vidro para inspeção do tecido D&E Todos os itens listados para a aspiração a vácuo e: - Dilatadores e cânulas de maior diâmetro - Pinças especiais (por exemplo, Sopher ou Bierer) para abortamento mais tardio - Ocitocina - Todos os listados para a aspiração a vácuo. 85 Os instrumentos para a AMIU são fabricados para uso único ou para múltiplo uso. Quando se decide que os instrumentos serão reutilizados é essencial adquirir aqueles que podem suportar uso e limpeza repetidamente. Os instrumentos para um único uso oferecem a vantagem de assegurar sua esterilidade e, portanto, a segurança da mulher, além de ser mais conveniente para os provedores de serviços. A desvantagem é o maior custo e que devem estar sempre disponíveis. Além disso, esses equipamentos devem ser descartados cuidadosamente para prevenir riscos para a saúde dos provedores e da comunidade. Os equipamentos reutilizáveis reduzem os custos, porém, devem-se seguir procedimentos rigorosos de asseio e desinfecção (ver capítulo 2, seção 2.5.1.). 2.2.1. Normas que regulam o uso de drogas e dispositivos Cada país tem requisitos regulatórios para o registro e importação de drogas. Entretanto, o Modelo de Listas de Medicamentos Essenciais da OMS, que tem sido adaptado por muito paises para a lista nacional de medicamentos essenciais, inclui analgésicos não narcóticos, tais como agentes anti-inflamatórios não-esteroidais, (por exemplo, ibuprofeno), tranqüilizantes (por exemplo, diazepan) e anestésicos locais (por exemplo, lidocaína) (Organização Mundial da Saúde, 2002b). A inclusão na lista nacional de medicamentos essenciais geralmente significa que a droga está registrada e disponível no país. Quando a droga não está registrada, alguns países permitirão a importação através do Esquema de Certificação da Qualidade dos Produtos Farmacêuticos Distribuídos no Comércio Internacional da OMS (ver anexo 1 para informação on-line). Alguns países, mas não todos, também exigem registro para dispositivos médicos. Administradores de programa devem verificar se precisam do registro antes de importar produtos como kits de AMIU. Os suprimentos incluídos na tabela 3.2., que são específicos para serviços de abortamento, deverão ser incluídos nos programas de administração nacional de logística de suprimentos médicos e estar disponíveis nos estabelecimentos de saúde que precisam. 86 2.3. Mecanismos de referência É extremamente importante para prover serviços de abortamento seguro que exista um sistema de encaminhamento que funcione adequadamente. A equipe de todos os centros de saúde, clínicas ou hospitais deve ser capaz de direcionar as mulheres a serviços apropriados, se eles não estão disponíveis no local. É necessário estabelecer acordos entre os distintos níveis dos sistemas de atendimento à saúde para encaminhamento e transporte das mulheres, para assegurar-se de que: (a) consigam os serviços necessários de maneira oportuna e (b) as mulheres que necessitam de atendimento por complicações de abortamento inseguro o recebam oportunamente. É essencial que os provedores de serviço de saúde sejam capazes de oferecer apoio, informação e/ou orientação às mulheres que apresentem uma gravidez não desejada mas não têm direito ao abortamento legal, para ajudá-las a fazer planos para a continuação da gravidez e encaminhamento ao atendimento pré-natal. Elementos-chave para o funcionamento de um sistema de encaminhamento e transporte incluem: • Procedimentos padrões para determinar quando é necessário o encaminhamento e como fazê-lo, incluindo procedimentos para o transporte; • Procedimentos padrão para que os serviços acolham e tratem as mulheres que são encaminhadas, e para contra-referência ao centro de saúde de origem. • Normas para o manejo da informação sobre as pacientes, para assegurar-se de que recebam atendimento seguro e apropriado, mantendo ao mesmo tempo sua confidencialidade • Normas para avaliação das necessidades de encaminhamento das usuárias a outros tipos de serviços, tais como serviços de ITS ou HIV, serviço social ou orientação e serviços jurídicos para mulheres que sofreram estupro. 87 2.4. Respeito pela decisão livre e informada das mulheres, autonomia, confidencialidade e privacidade, com atenção especial às necessidades das adolescentes Normas, padrões e regulamentações nacionais deverão dar apoio para que as mulheres tenham capacidade de exercitar seus direitos reprodutivos e outros direitos, assim como para que os trabalhadores da saúde possam cumprir suas obrigações éticas. Dentro do marco das leis nacionais sobre abortamento, as normas e padrões deverão incluir a proteção para: decisão livre e informada, autonomia do processo de decisão, privacidade e confidencialidade (Cook e Dicken, 2000). Esses padrões estão reforçados por padrões internacionais de direitos humanos contidos, entre outros, no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e na Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher. 2.4.1. Decisão Livre e Informada As mulheres que estão tentando resolver o problema de uma gravidez não desejada, freqüentemente podem sentir-se em uma posição de vulnerabilidade, principalmente ao enfrentarem-se com os serviços de saúde. Elas precisam ser tratadas com respeito e compreensão. Portanto, os provedores de saúde devem dar apoio à mulher assim como dar informação de uma maneira que ela possa entender e lembrar, permitindo que ela possa fazer escolher fazer ou não fazer um abortamento, dentro do estabelecido pela lei, livre de pressões, coerção ou discriminação. Os provedores de saúde também devem estar alerta a situações em que a mulher pode estar sendo coagida a fazer um abortamento contra seu desejo, em base, por exemplo, ao seu estado de saúde, como no caso das mulheres HIV positivas. Nestes casos, o provedor de saúde deve atuar para que a mulher tome uma decisão absolutamente livre e informada. 88 Os trabalhadores da saúde têm direito à objeção de consciência para realizar abortamentos, porém, eles têm a obrigação ética de seguir o código de ética profissional que, geralmente, requer que os profissionais de saúde encaminhem as mulheres a colegas habilitados que, em princípio, não se opõem a interrupção da gravidez permitida pela lei. Se não há um provedor alternativo, o trabalhador de saúde tem o dever de realizar o abortamento para salvar a vida ou prevenir um dano permanente à mulher, de acordo com as leis do país. Quando um hospital, clínica ou centro de saúde é designado como serviço público de referência para oferecer serviços permitidos pela lei, não poderá negar-se a realizar o abortamento colocando em perigo a saúde ou a vida da mulher. Esses estabelecimentos devem prover serviços de abortamento dentro das circunstâncias permitidas pela lei. 2.4.2 Autonomia no processo de decisão (autorização de terceiros) O princípio ético fundamental de respeito pela pessoa inclui o respeito por sua autonomia. Autonomia significa que adultos mentalmente competentes não necessitam consentimento (autorização) de terceiros, tais como marido ou parceiro, para ter acesso a serviços de saúde. Portanto, os provedores não devem impor a necessidade de autorização do esposo, a não ser que seja uma exigência descrita na lei e suas regulamentações. O respeito pela pessoa também inclui a obrigação de proteger as pessoas vulneráveis. Mulheres solteiras, adolescentes, aqueles que vivem em extrema pobreza e os que sofrem violência doméstica, podem ser considerados particularmente vulneráveis. Estigma e discriminação associados à incapacidade física, mental e estado de saúde, tais como infecção por HIV, são muito comuns e podem ser usados como razão para coagir as mulheres a fazerem um abortamento. Os provedores de saúde têm obrigação ética de assegurar que tais mulheres recebam os serviços de saúde necessários. Com relação ao consentimento dos pais (autorização) para os menores, quase todos os governos ratificaram a Convenção dos Direitos das Crianças (CDC). O artigo 5 da Convenção estabelece que “os Estados participantes deverão respeitar as responsabilidades, 89 direitos e deveres dos pais... para prover direção e orientação apropriadas no exercício dos direitos das crianças reconhecidos na presente convenção de maneira consistente com a evolução progressiva das capacidades das crianças”. Entretanto, o Artigo 3 que contém um dos quatro princípios gerais de orientação que regem a implementação de todos os artigos da Convenção, afirma que “Em todas as ações que dizem respeito às crianças [definidas como todo ser humano com idade abaixo de 18 anos], sejam realizadas por instituições sociais do setor público ou privado, tribunais de justiça, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, o interesse prioritário da criança deve ser a primeira consideração.” Considerações especiais para adolescentes Os adolescentes freqüentemente têm falta de conhecimento sobre sexualidade, contracepção, como ocorre a gravidez, quais são os sinais de uma gravidez e de infecções de transmissão sexual. Especialmente as adolescentes mais jovens e os solteiras podem não admitir que mantiveram relações sexuais e, desta forma, não aceitam a possibilidade de estarem grávidas. Elas podem ter pouca experiência em conversar com adultos sobre tais assuntos, e em acessar e usar os serviços de saúde que atendam sua necessidade de saúde sexual e reprodutiva. Os adolescentes necessitam de um meio ambiente incentivador, no qual possam expressar suas necessidades, medos e embaraços, sem serem julgados ou impedidos de falar. Os provedores de saúde devem superar seus possíveis desconfortos com a sexualidade do adolescente, especialmente dos adolescentes solteiros, uma vez que se trata de uma realidade em muitos locais. Os provedores também necessitam de conhecimento e habilidades para lidar com adolescentes, que incluem habilidades especiais para colher os dados de sua história. Por exemplo, eles devem ser gentis e fazer perguntas simples em linguagem comum. Eles podem ter que repetir as perguntas e aprofundar cuidadosamente e com consideração. Eles podem ter que propor diferentes respostas para encorajar os adolescentes a falarem, uma vez que estes, freqüentemente, necessitam de tempo para revelar seus problemas. É essencial que os provedores de serviços garantam claramente a confidencialidade para assegurar ao adolescente que a informação sobre sua visita ao serviço de saúde não será compartilhada com outras pessoas. Talvez possa ser necessário desenvolver serviços de saúde “amigos do adolescente” para assegurar que eles tenham acesso aos serviços de que necessitam. Freqüentemente, isto pode ser conseguido reestruturando os serviços existentes para melhor satisfazer as necessidades dos adolescentes. Isto pode envolver a garantir de os serviços sejam acessíveis dos adolescentes tanto em relação à sua localização e horário de atendimento quanto ao custo. A existência de tais serviços deve ser conhecida pelos adolescentes e suas famílias, e o apoio da comunidade é sempre uma ajuda para isto. (Organização Mundial da Saúde, 2002c). 90 Os trabalhadores da saúde devem encorajar os menores a consultar sobre sua gravidez com seus pais ou outro adulto em quem confiem a respeito de sua gravidez. Se a garota disser que isto não é possível (por exemplo: os pais não compreendem as necessidades da filha), os provedores de serviço não deverão pedir o consentimento dos pais, a não ser que seja requerido pela lei vigente e pelas regulamentações correspondentes. Os provedores de saúde precisam estar capacitados sobre como informar, aconselhar e tratar os adolescentes de acordo com o desenvolvimento progressivo de sua capacidade de compreensão acerca das opções de tratamento que estão sendo oferecidas, e não de acordo com algum limite arbitrário de idade. 2.4.3 Confidencialidade Os provedores têm a obrigação de proteger as informações das pacientes da divulgação sem autorização, e assegurar que aquelas que autorizarem a divulgação de suas informações confidenciais para outros o façam livremente e com base em informação claras. O temor de que a confidencialidade não seja mantida é um empecilho para que muitas mulheres - particularmente adolescentes e mulheres solteiras - procurem o serviço de saúde, e pode levá-las a provedores clandestinos e perigosos ou a um abortamento autoprovocado. A menos que a mulher aprove explicitamente que o provedor consulte o seu parceiro ou os pais ou qualquer outra pessoa que não seja essencial para assegurar um cuidado seguro e apropriado, fazer essa consulta constitui uma séria violação da confidencialidade. 91 2.4.4. Privacidade Os administradores de serviço de saúde devem assegurar o máximo possível privacidade para a conversa entre mulheres e provedores, bem como para os demais procedimentos. A privacidade pode ser atingida minimamente se, por exemplo, em cada momento se realiza um único procedimento na mesma sala, colocando cortinas nas janelas e portas e provendo avental ou lençóis de papel para a mulher durante o procedimento. 2.5 Considerações especiais para mulheres que sofreram estupro As mulheres que engravidam como resultado de um estupro precisam ser tratadas com particular sensibilidade, e todos os níveis do sistema de saúde devem estar capacitados para oferecer atendimento e apoio apropriados. Devem se elaborar normas e padrões para prover abortamentos nesses casos, e a equipe de saúde deve ser treinada. Esses padrões não devem impor procedimentos administrativos ou judiciais desnecessários, tais como exigir que a mulher denuncie ou identifique o agressor (Billings at al, 2002) (ver também Capítulo 4). Idealmente esses padrões devem ser também parte de normas e padrões para o cuidado integral de vítimas de estupro, que inclui o atendimento físico e psicológico, anticoncepção de emergência, tratamento para ITSs, condições para coleta de evidências para medicina legal, orientação e seguimento (Organização Mundial da Saúde e Alto Comissionado das Nações Unidas para Refugiados, 2002). 3. Assegurando as habilidades e desempenho dos provedores 3.1. Habilidades e treinamento dos provedores Tornar os serviços de abortamento seguro acessíveis a todas as mulheres que têm esse direito, seguramente requer o envolvimento dos profissionais de saúde de nível médio, porque em muitas partes do mundo médicos treinados não estão disponíveis em número 92 suficiente. Em numerosos países, provedores de nível médio, tais como parteiras e outros trabalhadores de saúde habilitados, que não são médicos, têm recebido treinamento para prover serviços de abortamento e pós-abortamento de qualidade (Billings at al, 1999, Dickson-Tetteh, 2000, Population Council 200b, University of North Caroline, 2001, Yumkella and Githiori 2000). Um estudo comparativo não mostrou diferenças entre taxas de complicações de mulheres que fizeram abortamento no primeiro trimestre por aspiração a vácuo manual com assistentes de médicos e daquelas observadas quando o procedimento foi realizado por médicos (Freedman et al. 1986). Trabalhadores da saúde, que já estão capacitados para prover serviços de abortamento básico, podem ser treinados para oferecer atendimentos mais complexos. Por exemplo, trabalhadores da saúde que realizam abortamentos até nove semanas de gestação podem ser treinados para realizar abortamentos em estágios mais avançados da gravidez. Provedores que realizam aspiração a vácuo para tratamento de abortamentos incompletos podem aprender a usar a mesma técnica para realizar abortamentos seguros, com pequeno treinamento adicional. O treinamento nas habilidades necessárias para prover abortamento seguro deve ser incluído no currículo, antes que comecem a atuar e durante sua atuação nos serviços. Habilidades para reconhecer e tratar complicações de abortamento devem ser incluídas no curriculum de todos os provedores de saúde que atendem mulheres. Toda equipe de saúde deve receber reciclagem periódica dessas habilidades. Provedores de nível médio é um termo usado para incluir um leque de profissionais não médicos – parteiras, enfermeiras, assistentes de médicos e outros – cujo treinamento e responsabilidades variam de um país a outro, porém eles são treinados para realizar procedimentos clínicos básicos relacionados à saúde reprodutiva, incluindo exame pélvicobimanual para determinar gravidez e a posição do útero, histerometria, outros procedimentos transcervicais; também podem ser treinados para realizar abortamentos no início da gestação (Definição proposta e aprovada por consenso pelos participantes da Consulta Técnica de setembro de 2000). 93 3.1.1. Programas de treinamentos Programas de treinamentos para os profissionais que atuam ou vão atuar nos serviços devem basear-se na abordagem de competência, incluindo suficiente prática supervisionada que permita ao profissional demonstrar sua competência clínica. Os programas devem utilizar uma variedade de métodos de ensino e aprendizagem, bem como incluir tanto habilidades técnicas e clínicas quanto as atitudes e crenças dos provedores de serviços. Isto pode exigir um processo de esclarecimento de valores que permita aos provedores de saúde fazer uma distinção entre seus próprios valores e o direito dos usuários de receber serviços de qualidade. Os programas devem ser conduzidos em estabelecimentos que tenham um fluxo suficiente de pacientes, e permita às pessoas em treinamento cumprir as práticas necessárias, incluindo o tratamento das complicações. O currículo pode variar tanto em conteúdo quanto em duração do treinamento, dependendo das habilidades que o provedor de saúde já possua no início do programa de treinamento (ver tabela 3.3. com a lista completa do conteúdo essencial). Todo treinamento deve assegurar que o profissional de saúde seja competente para: • Usar um amplo leque de habilidades de comunicação interpessoal para estabelecer um contato efetivo e comunicar-se com todos os usuários do serviço, respeitando o seu direito humano de serem tratados com dignidade e respeito, e a confidencialidade; • Transmitir e discutir com eficiência informações sensíveis com respeito à conduta sexual e gravidez; • Capacitar os usuários a tomar decisões informadas; • Realizar exame pélvico bi-manual de forma segura e correta para diagnosticar gravidez, assim como o tamanho e a posição do útero, e tomar decisões adequadas quanto a realizar o abortamento ou encaminhar a um nível mais elevado do sistema de saúde; • Reconhecer ou suspeitar de gravidez ectópica; • Reconhecer com precisão sinais e sintomas de ITR e ITSs; 94 • Reconhecer sinais de violência física; • Administrar medicamentos corretamente; • Realizar corretamente procedimentos de abortamento para os quais tenha sido adequadamente treinado; • Adotar condutas efetivas em caso de complicações antes, durante ou após o procedimento; • Realizar encaminhamentos a outros serviços quando seja apropriado; • Prover informação e serviços de anticoncepção; • Limpar e garantir a segurança de todo equipamento usado para o procedimento; • Registrar corretamente informações clínicas. A Tabela 3.3. apresenta uma lista dos conteúdos recomendados para o treinamento de todos os profissionais a saúde. Detalhes sobre o currículo de treinamento e outros materiais úteis para treinamento estão incluídos no Anexo 1. Tabela 3.3. Conteúdo essencial do currículo para serviços de abortamento Bases para prover serviços de abortamento • Condições legais, normativas e políticas • Efeitos do abortamento inseguro sobre a saúde Orientação e interação provedor-usuário • Esclarecimento das atitudes e crenças do provedor com relação ao abortamento • Privacidade e confidencialidade • Habilidades de comunicação interpessoal e orientação • Informação sobre abortamento e contracepção Habilidades Clínicas • Anatomia e fisiologia, relevante para a gravidez e o abortamento • Avaliação pré-procedimento: história, exame, idade gestacional, etc • Responsabilidade ética de prover o abortamento • Normas e padrões nacionais para atender o abortamento • Questões e riscos associados com HIV e outras ITS • Grupos que precisam de cuidados especiais, tais como adolescentes, refugiados, mulheres com infecção por HIV ou ITS • Reconhecimento de sinais de que a mulher sofreu violência, e orientação para ajudá-la a obter informação e serviços adicionais. • Alívio da dor • Reconhecimento e tratamento de complicações de abortamento e/ou encaminhamento 95 • • • Rastreamento de ITS Técnicas de abortamento Prevenção de infecções • Ações e cuidados após o procedimento, incluindo informações e serviços sobre anticoncepcionais • Critérios para encaminhamento e como encaminhar casos que estão além da competência do provedor. Questões administrativas/gerenciais e garantia de qualidade • Coleta e registro de informações clínicas • Monitoramento e avaliação • Condições para manter a privacidade e a • Mecanismos para encaminhamento e confidencialidade transporte eficiente até serviços qualificados • Gerenciamento logístico e inventário de equipamentos • Padrões de supervisão 3.2. Supervisão O sistema de serviços deve incluir supervisão que assegure que a prestação dos serviços se faça conforme as normas e padrões, que satisfaça às usuárias e respeite seus direitos. As obrigações do supervisor incluem: • Criar um ambiente de respeito ao demonstrar atitudes e comportamento de apoio tanto aos provedores quanto aos usuários; • Atribuir tarefas aos trabalhadores da saúde com habilidades apropriadas, e monitorar seu trabalho, para assegurar tanto a qualidade técnica quanto o atendimento solidário • Assegurar que os provedores tenham acesso a equipamentos, suprimentos e espaço físico necessário, para dar orientação e prover serviços em que se assegurem a privacidade e a confidencialidade; • Monitorar as necessidades de treinamento, e assegurá-lo para a equipe de saúde dos serviços; • Monitorar e assegurar o acesso aos serviços sem discriminação baseada, por exemplo, na idade, estado marital, e que nenhuma cobrança não autorizada seja feito; e • Assegurar o consentimento absolutamente livre e informado acerca do abortamento da anticoncepção pós-abortamento. 96 Uma ferramenta importante para a supervisão é a lista de verificação de itens, que o supervisor deve monitorar regularmente (ver tabela 3.4). Esta lista deve ser desenvolvida localmente para refletir as circunstâncias particulares, e deve ser utilizada de forma a manter a qualidade do atendimento. Tabela 3.4. Categorias para inclusão na lista de verificação: • Equipamento (disponibilidade, quantidade, condições, limpeza, esterilização, armazenagem) • Suprimentos (adequadas, não ultrapassados, corretamente armazenados) • Observação da orientação dada • Observação dos serviços clínicos prestados • Condições para privacidade • Limpeza do estabelecimento • Assegurar que os registros estejam completos e corretos • Revisão dos registros estatísticos e prontuários dos pacientes, visando a que estejam completos • Análise das estatísticas básicas dos serviços 3.3. Certificação e credenciamento de profissionais de estabelecimentos de saúde Quando se requer certificação de provedores de serviço de abortamento, seu único propósito deve ser assegurar que eles cumpram os critérios essenciais para prover atendimento seguro da mesma forma que para outros procedimentos médicos. Requisitos de certificação e credenciamento não devem ser usados para excluir determinadas categorias de profissionais de saúde. Como foi mencionado na seção 3.1 acima, muitas categorias diferentes de profissionais da saúde podem ser treinadas para prover abortamento seguro. Naqueles países em que os estabelecimentos que oferecem abortamento são credenciados, os requisitos para credenciamento devem cumprir os critérios de consenso nacional. O propósito de credenciar estabelecimentos é garantir a segurança dos usuários e a 97 integralidade do atendimento. Entretanto, esses requisitos de credenciamento não devem impor a inclusão de equipamentos excessivamente sofisticados, de infraestrutura ou de pessoal que não sejam essenciais para prover serviços seguros, porque isto iria restringir desnecessariamente o acesso aos serviços. 4. Monitoramento e avaliação dos serviços Assim com outros serviços de saúde, serviços de abortamento devem ser sujeitos a avaliação e monitoramento da qualidade. A coleta regular e precisa de estatísticas do serviço e o seu monitoramento rotineiro são a chave para manter e aprimorar a qualidade dos serviços prestados. Essas medidas podem também contribuir para avaliar se o serviço de abortamento está realmente disponível às mulheres que teriam este direito de acordo com a lei. Ao longo do tempo, se tiver sido coletada informação sobre mortalidade e morbidade decorrentes de abortamento inseguro, e se forem registradas as estatísticas básicas correta e rotineiramente dos serviços os programas poderão avaliar até onde o acesso livre a serviços de abortamento legal reduz a mortalidade e morbidade maternas. Estas estatísticas e outras informações coletadas através do monitoramento e avaliação deverão ser compartilhadas e discutidas com todas as partes interessadas e devem ser usadas para tomar decisões acerca de como aprimorar os serviços. 4.1. Monitoramento O monitoramento verifica o processo de implementação dos serviços, incluindo mudanças ao longo do tempo. O monitoramento rotineiro pode ajudar os administradores e supervisores a identificar e administrar, ou prevenir, problemas antes que eles se tornem graves e incontroláveis. Um bom monitoramento inclui escutar os provedores, que podem dar recomendações importantes para melhorar a qualidade do atendimento. O monitoramento bem desenhado permite aos administradores dos estabelecimentos e aos supervisores de pessoal informarem a equipe de trabalho sobre os problemas, envolvê-la em um processo participativo para implementar soluções em cada estabelecimento, os 98 processos e mecanismos de monitoramento dos serviços, incluem revisão de casos no livro de registros, observações, lista de verificação, pesquisa e auditoria das mortes maternas, tudo o que pode ser usado para aprimorar a qualidade do atendimento (ver Anexo 1 para leituras suplementares). Tanto quanto possível, os estabelecimentos que prestam serviços deveram integrar os dados sobre o abortamento nos sistemas regulares de registros (por exemplo, formulários, livros de anotações, registro de suprimentos, lista de verificação, prontuário clínico dos usuários, registro de atividades diárias) em lugar de criar sistemas separados. Estatísticas básicas de serviço incluem um registro dos abortamentos realizados, mulheres que foram consultadas mas não foram atendidas, mulheres encaminhadas para um nível mais alto de atendimento, tratamento de complicações de abortamento, e mulheres que aceitaram métodos anticoncepcionais. A quantidade e tipo das estatísticas dos serviços que se precisa registrar devem estar de acordo com a habilidade e a carga de trabalho da equipe de saúde. É preferível ter um leque limitado, porém correto, de dados, com um bom mecanismo de retro-alimentação, em lugar de impor requisitos que a equipe de saúde será incapaz e desmotivado para cumprir. Dados selecionados sobre as atividades nos estabelecimentos deverão ser enviados rotineiramente aos níveis superiores para permitir o monitoramento comparativa dos estabelecimentos, e por área geográfica, e devem ser usados para subsidiar as políticas e o planejamento em nível nacional. Pode também ser muito útil monitorar o custo para os estabelecimentos de proverem o abortamento legal e tratarem as complicações. O monitoramento de rotina deve incluir: • Análise de arranjos ou problemas com base nas estatísticas dos serviços (por exemplo, número de mulheres consultadas mas que não receberam serviços, número de complicações, número de métodos anticoncepcionais entregues por tipo) 99 • Proporção de mulheres solicitando repetidamente o abortamento • Observação da orientação dos serviços clínicos para avaliar a qualidade da interação com a mulher durante o processo, para corrigir qualquer distorção dos padrões técnicos, ou outras práticas que prejudiquem a qualidade do atendimento (por exemplo, atitude preconceituosa, imposição de “cobranças informais”) • Funcionamento do sistema logístico, para assegurar o suprimento regular de equipamentos e material de consumo • Condensação regular dos dados desde o nível do estabelecimento e superiores • Avaliação do progresso na correção dos problemas identificados no atendimento de rotina Tabela 3.5. Sugestões de fontes de dados e de indicadores para monitoramento e avaliação de serviços de abortamento Estatísticas dos serviços de rotina • Número de abortamentos realizados por idade gestacional e semanas completas e por tipo de procedimento • Tempo entre a primeira consulta e o abortamento • Número de mulheres encaminhadas para outros serviços segundo o motivo para isto • Número de mulheres consultadas mas que não receberam serviços segundo a causa • Número de mulheres tratadas por complicações, por tipo de procedimento • Anticoncepcionais entregues, por tipo • Encaminhamento para contracepção Avaliação periódica • Porcentagem de pontos de prestação de serviços, que oferecem abortamento e sua distribuição por áreas geográficas e nível dentro do sistema de saúde, e padrões de utilização • Número de provedores que realizam abortamento e sua distribuição por área geográfica e nível dentro do sistema de saúde • Número de trabalhadores da saúde treinados por tipo; avaliação da qualidade do treinamento • Avaliação da qualidade do atendimento • Custos dos serviços de abortamento e do tratamento de complicações, por tipo de procedimento e tipo de provedor e qualquer taxa cobrada pelo serviço • Estudos especiais periódicos (satisfação das usuárias proximidade das mulheres ao estabelecimento, custos, impacto, etc) • Número de pessoas treinadas e das que precisam de treinamento em serviço Informação sobre as usuárias (registrada no prontuário das usuárias) 100 • • • • • • Idade, paridade, estado marital Razão(ões) para encaminhamento Razão(ões) para recusa Cuidados de seguimento proporcionados Métodos anticoncepcionais escolhidos Taxas cobradas, se houve 4.2. Avaliação A avaliação estima a relevância, efetividade, eficiência, sustentabilidade e impacto dos serviços usando estatística dos serviços provenientes do monitoramento, assim como avaliações especiais para estimar até onde os objetivos do programa estão sendo atingidos. Por exemplo, melhorou a qualidade? Todas as mulheres que têm direito têm acesso aos serviços? Foram atingidos os objetivos quantitativos e qualitativos do treinamento? Tem aumentado o número de pontos de prestação de serviços? A avaliação pode ser realizada no nível local, regional ou sub-regional e nacional, e deve ser definida nas primeiras etapas de desenvolvimento do programa para incluir tanto uma avaliação de linha de base, quanto avaliações pontuais periódicas. Avaliações periódicas, baseadas nas usuárias, para avaliar as experiências, as complicações e qualidade do atendimento recebido e o acesso aos serviços, irão fornecer importantes informações para aprimorar os serviços clínicos e comunitários. Isto pode ser realizado através de questionários, guias de observação e entrevistas de saída. Avaliações parecidas deverão ser realizadas com os provedores para estimar suas atitudes, conhecimentos, práticas, necessidades e idéias para aprimoramento dos serviços. Avaliações de impacto podem medir até que ponto a melhora no acesso e na qualidade dos serviços para mulheres com direito ao abortamento legal ajudaram a atingir os objetivos na área da saúde. Por exemplo, estudos periódicos especiais de uma amostra dos estabelecimentos e suas áreas de influência podem estimar aumentos no uso do serviço de abortamento legal. Estudos especiais também podem examinar mudanças nas admissões hospitalares por complicações de abortamento inseguro, antes e depois do aprimoramento dos serviços. Da mesma forma que outras avaliações, estimativas de impacto requerem uma 101 avaliação de linha de base confiável e especificações claras dos objetivos e indicadores do programa. Na maior parte dos casos é mais importante definir poucos indicadores mensuráveis em lugar de tentar a coleta de uma extensa lista de dados, especialmente quando a capacidade de pesquisa é limitada. Uma abordagem mais abrangente pode ser apropriada onde existe maior capacidade de fazer pesquisa. As avaliações devem contemplar não apenas indicadores quantitativos mas também qualitativos. Estes últimos podem incluir entrevistas com provedores, mulheres, homens e líderes da comunidade, para determinar seus conhecimentos acerca dos serviços e quem tem direito a eles, sua percepção sobre a necessidade desses serviços e suas perspectivas acerca dos serviços existentes. 5. 5. Financiamento Os orçamentos dos serviços de saúde devem incluir os custos de: • Instrumentos, suprimentos e medicamentos necessários para começar a oferecer o abortamento, ou para aprimorar os serviços existentes através do sistema (Ver capítulo 2). • Tempo de pessoal (tempo parcial ou integral) • Programas de treinamento • Custos de capital, geralmente modestos e que ocorrem uma só vez, tais como reforma do espaço físico. Considerando que os serviços de abortamento seguro não exigem habilidades adicionais ou equipamentos diferentes daqueles que já deveriam estar disponíveis para o atendimento ginecológico e obstétrico, os custos adicionais de colocar esses serviços à disposição da mulher que tem direito a eles seguramente serão mínimos, se comparados com os ganhos para a saúde das mulheres. A maior parte dos orçamentos nacionais de saúde deve ter capacidade de cobrir esses custos. 102 Caso sejam cobradas taxas das usuárias, dos seguros seguros médicos, ou se adotem outras medidas para recuperação dos custos no atendimento ao abortamento, isto deve ser feito de forma a não ser um empecilho para o acesso das mulheres aos serviços. 5.1. Custo para o estabelecimento ou sistema de saúde Os custos incluem investimentos de capital pouco freqüentes e modestos, assim como custos recorrentes. Exemplos de custos de capital pouco freqüentes são a compra de itens tais como uma máquina de sucção, uma mesa de exame, um esterilizador, ou uma autoclave; construção ou reforma de salas para consulta e tratamento. Custos recorrentes incluem aqueles associados à compra de instrumentos e suprimentos que precisam ser renovados regularmente tais como cânulas, aspiradores a vácuo manuais, drogas, gaze, soluções anti-sépticas e esterilizantes frios, usados para tratar os instrumentos; outros custos recorrentes são os treinamento periódicos, a equipe de saúde, e o funcionamento dos estabelecimentos de saúde. Como mencionado acima, a maior parte desses itens, provavelmente, está disponível em qualquer estabelecimento que atenda mulheres grávidas. Decisões sobre qual método de abortamento oferecer e como organizar os serviços irão influenciar diretamente o custo e a capacidade financeira de oferecê-los. Duas questões sobre organização são de particular importância. Primeiro, como mencionado anteriormente, mudar de D&C para aspiração a vácuo não só é mais seguro para a mulher, mas também tem demonstrado que reduz consideravelmente o custo para o sistema de saúde (Jowett, 2000). A aspiração a vácuo pode ser realizada em uma simples sala de tratamento ambulatorial, por um trabalhador da saúde de nível médio treinado, enquanto D&C exige uma sala de cirurgia e um médico. A aspiração a vácuo, geralmente, requer menos medicação para a dor do que a D&C, porque é menos dolorida (Grimes et al. 1977) e a mulher pode ter alta mais rápido. Segundo, se os sistemas de saúde conseguem informar efetivamente as mulheres para que consultem bem no início da gravidezes será possível usar procedimentos de menor custo com maior freqüência, enquanto o 103 procedimento de maior custo será menos freqüente. Estas e outras mudanças na forma de atender as usuárias não só reduzem os custos, mas também melhoram a qualidade do atendimento. 5.2. Fazendo com que os serviços sejam economicamente acessíveis às mulheres Com freqüência os estabelecimentos cobram taxas pelos serviços que são suficientemente altas para se tornarem economicamente inacessíveis para muitas mulheres. Alguns programas financiados com recursos públicos que oferecem outros tipos de atendimento à saúde gratuitamente às mulheres pobres, não incluem o abortamento, e pagam apenas por certos tipos de procedimentos. Além disso, as mulheres podem ser pressionadas a pagar taxas “adicionais” não desprezíveis (taxas criadas por provedores em cima das taxas do sistema de saúde oficial). Essa taxa informal combinada com o custo de transporte e o tempo perdido de trabalho remunerado colocam obstáculos que, para muitas mulheres, são intransponíveis. Práticas como essa dificultam o acesso das mulheres aos serviços e, provavelmente, têm um maior custo para o sistema de saúde a longo prazo pelo aumento do número de mulheres que vão tratar de induzir o abortamento por si mesmas ou vão a recorrer a provedores não habilitados, e que terminam hospitalizadas com complicações sérias. Quando se cobram taxas pelo abortamento, elas devem estar de acordo com a capacidade das mulheres pagarem e não deve limitar o acesso das mulheres que não podem pagar, incluindo mulheres de baixa renda e adolescentes. Além disso, todos os estabelecimentos devem tomar as medidas cabíveis para assegurar-se de que taxas “informais” não sejam exigidas pela equipe de trabalho. Outras medidas que podem ser tomadas para que os serviços de abortamento sejam economicamente mais acessíveis para as mulheres incluem serviços subsidiados para mulheres carentes, que utilizam recursos obtidos com outros serviços ou recebidos de mulheres com renda mais alta; reduzir a diferença entre as taxas de abortamento conforme as diferentes idades gestacionais ou os diferentes métodos, de forma que as mulheres possam ter acesso aos serviços que melhor se ajustem às suas 104 necessidades, sem se preocuparem com os custos; oferecer essas informações acerca da disponibilidade de serviços de abortamento e de qualquer outra taxa adicional de forma que as mulheres possam tomar decisões baseadas em um conhecimento correto acerca do custo. O abortamento nunca deve ser negado ou postergado porque uma mulher não tenha condições de pagar. REFERÊNCIAS Anônimo (2000) Improving quality and reducing costs in post-abortion care in Peru. Reproductive Health Matters 8:189. 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Chapel Hill, University of North Carolina, Program for International Training in Health (INTRAH). 107 Capítulo 4 – Considerações legais e políticas 108 CAPÍTULO 4. RESUMO ƒ O abortamento inseguro é uma das principais causas de morbidade e mortalidade materna, apesar do aborto ser permitido pela lei numa série de circunstâncias na maior parte dos países. Isto ocorre porque os serviços de abortamento seguro não estão disponíveis mesmo quando poderiam ser oferecidos dentro das exigências da lei. O processo de revisão e avaliação da CIPD+5 recomendou que naquelas circunstâncias em que o abortamento não é proibido pela lei, “o sistema de saúde deve treinar e equipar os provedores de serviços, e tomar outras medidas necessárias para assegurar-se de que tais abortamentos sejam seguros e acessíveis”. Para implementar este mandato, é fundamental entender em quais circunstâncias o abortamento não é contravenção legal, assim como as questões políticas em torno do assunto. ƒ Na maioria dos países, o abortamento é permitido ao menos quando a gravidez ameaça a vida da mulher. A maior parte das leis nacionais também permite o abortamento quando a gravidez é uma ameaça para a saúde física e mental da mulher; pode permitilo em caso de estupro ou incesto, ou quando há uma malformação fetal grave. Muitas leis também permitem o abortamento por razões socioeconômicas ou a pedido da mulher. ƒ Um ambiente político favorável é necessário para que toda mulher com direito legal ao abortamento tenha acesso a serviços de boa qualidade. As políticas devem ser voltadas a conseguir os melhores resultados de saúde para as mulheres, provendo-as de informação e serviços de planejamento familiar de boa qualidade, ou respondendo às necessidades particulares de grupos tais como mulheres carentes, adolescentes, vítimas de estupro e mulheres HIV positivas. ƒ As políticas e os programas devem remover os obstáculos à prestação oportuna de serviços de abortamento. Esses obstáculos incluem a falta de conhecimento acerca da lei e sobre onde obter serviços de abortamento legal, sobre cláusulas que exigem autorização ou notificação de terceiros; condições que colocam empecilhos desnecessários ou procedimentos como períodos de espera, falta de privacidade, restrições excessivas quanto ao tipo de profissionais de saúde, ou de instituições 109 credenciadas para prover o abortamento. A tabela 4.2, das páginas 91-94, apresenta uma lista de alguns dos obstáculos mais comuns e se sugere ações para removê-los. 1. A saúde da mulher e acordos internacionais A maior parte das mortes por abortamento inseguro ocorre em países em desenvolvimento onde o abortamento está severamente restrito pela lei (Allan Guttmacher Institute 1999). Nas regiões em desenvolvimento (excluindo a China) ocorrem 330 mortes por 100.000 abortamentos, uma taxa de mortalidade que é centenas de vezes mais alta que as taxas observadas em países desenvolvidos. A taxa mais elevada – estimada em 680 mortes por 100.000 procedimentos – se observa na África (Allan Guttmacher Institute 1999; Organização Mundial da Saúde 1999). A maior parte dos Governos tem ratificado tratados e convenções internacionais que os obriga legalmente a proteger os direitos humanos, incluindo o direito aos mais altos padrões atingíveis de saúde, o direito à não discriminação, à vida, à liberdade e à segurança das pessoas, o direito a estar livre de tratamento desumano ou degradante, e o direito à informação e à educação. Em consideração a esses direitos humanos, os Governos concordaram no processo de revisão e avaliação da CIPD+5, que “... nas circunstâncias em que o abortamento não é proibido por lei, o sistema de saúde deverá treinar e equipar os provedores de saúde e deverá tomar outras medidas que assegurem que tais abortamentos sejam seguros e acessíveis. Medidas adicionais deverão ser tomadas para proteger a saúde das mulheres” (Nações Unidas, 1999; parágrafo 63, iii). Para assegurar-se de que todas as mulheres que têm direito ao abortamento legal tenham acesso a serviços seguros, é preciso entender claramente as leis sobre abortamento assim como as questões políticas em torno do assunto. Além disso, a maioria dos Governos do mundo concordou, na 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher em, 1995, que eles deverão “... considerar a revisão das leis que contenham medidas punitivas contra as mulheres que se submetem ao abortamento ilegal” (Nações Unidas 1996, parágrafo 106). 110 2. As leis e sua implementação Quando uma gravidez ameaça a vida da mulher, quase todos os países permitem o abortamento para salvá-la, como indicado no capítulo 1, Figura 1.1. (Divisão de População das Nações Unidas 1999). Aproximadamente dois terços dos países permitem o abortamento quando há um risco sério para a saúde física ou mental da mulher. Em mais de 40% dos países outras razões para permitir o abortamento são estupro ou incesto; e uma porcentagem semelhante permite o abortamento em casos de malformação congênita grave. Muitas mulheres procuram o abortamento porque não têm condições de cuidar da criança. Por outro lado, há muitas mulheres – e isto se aplica às jovens e solteiras – para as quais continuar a gravidez pode ser socialmente difícil ou impossível. Reconhecendo esses problemas, um terço dos países, permite o abortamento por razões econômicas e/ou sociais. Em torno de 27% permitem o abortamento a pedido, reconhecendo que todas as mulheres que procuram, o abortamento estão enfrentando um ou mais desses problemas. As leis sobre abortamento começaram a tornar-se mais liberais na primeira parte do século XX, quando a gravidade do problema de saúde pública dos abortamentos inseguros começou a ser reconhecida. Os processos judiciais por causa de abortamento começaram a desaparecer em alguns países na década de 1930. Na Inglaterra, um médico provocou deliberadamente que se fizesse uma acusação judicial contra ele para ter a oportunidade de defender publicamente descriminação do abortamento, por razões de saúde pública. As leis sobre abortamento começaram a ser mais liberais em toda Europa e Canadá, Cuba, Índia, Estados Unidos, Zâmbia e em vários outros países, nas décadas de 1960 e 1970. Muitos outros países, em todas as regiões do mundo, têm continuado a reduzir as restrições e as acusações judiciais sobre abortamento, particularmente a partir da metade dos anos de 1980 (Berer 2000; Rahaman et al. 1998). A forma como as leis relativas ao abortamento são redigidas varia amplamente nos diversos países, refletindo a diversidade das raízes históricas, políticas e religiosas (Nações Unidas 2001a, 2001b, 2002). Medidas referentes ao abortamento se encontram no Código Penal, 111 no Código Civil, ou em ambos. Em alguns países, códigos de saúde pública ou de ética médica podem conter cláusulas especiais que esclareçam como interpretar a lei sobre abortamento, entretanto, em muitos países, não existem interpretações formais ou regulamentações que permitam interpretar a lei. Em outros países o abortamento pode não ser regulamentado por lei, mas por interpretações dos tribunais de justiça. Em alguns países existem múltiplos textos que, às vezes, podem tornar difícil determinar o significado exato da lei e das políticas referentes ao abortamento, devido a cláusulas múltiplas e, às vezes, contraditórias. A elaboração e a implementação das leis, políticas e regulamentações reflete as interpretações e envolvimentos de vários atores, que incluem os tribunais de justiça, parlamentares, responsáveis pelas políticas, e provedores de serviço de saúde, em diversos momentos. Todos esses fatores afetam tanto a disponibilidade como o acesso das mulheres a serviços de abortamento legal e seguro. Estudos realizados em diversos países indicam que mulheres que têm direito legal ao abortamento freqüentemente não conseguem obtê-lo (Gupte et al. 1997, Iyengar e Iyengar 2002, Koster-Oyekan 1998, Mundigo e Indriso 1999). As razões incluem falta de treinamento e de boa vontade por parte dos provedores, restrições dos governos sobre que tipo de estabelecimentos e de provedores podem realizar abortamentos, ou falha em conceder-lhes as autorizações necessárias para que possam realizá-los. Outras razões podem incluir a falta de recursos e de vontade política para estabelecer serviços de boa qualidade no nível primário de atenção à saúde (Berer 2000). Além disso, muitas pessoas – tanto provedores de saúde como as próprias mulheres – simplesmente não sabem o que a lei permite. Por exemplo, em uma região de um país onde o abortamento é permitido até 20 semanas de gravidez, mais de 75% das mulheres e homens casados não sabiam que o abortamento era legal (Iyengar e Iyengar 2002). Em alguns países com leis restritivas, a atitude precavida dos provedores de saúde, combinada com exigências jurídicas complexas, tende a complicar o processo de aprovação e intimidar as mulheres, particularmente as que vivem em áreas rurais, mulheres jovens e analfabetas (Allan Guttmacher Institute 1999). 112 Há, portanto, um amplo campo na maioria dos países para: • Revisar e promover um entendimento mais amplo de leis e políticas relevantes; • Desenhar e implementar políticas integradas que assegurem o acesso aos serviços em toda a extensão prevista pela lei; • Identificar e remover obstáculos regulatórios e administrativos desnecessários para prestar serviços. 3. Entendendo as condições legais para abortamento É fundamental que o profissional de saúde e outros, tais como a policiais, oficiais de justiça, assim como o público, em geral, tenham informação correta e entendam com clareza o que está permitido de acordo com a lei de cada país. Apesar de que as interpretações legais sempre serão específicas para cada país, é possível fazer algumas observações gerais quanto às circunstâncias sobre as quais o abortamento é permitido com maior freqüência, como segue (Nações Unidas 2001ª, 2001b, 2002). 3.1. Quando a gravidez é uma ameaça para a vida da mulher Quase todos os países permitem realizar o abortamento para salvar a vida das mulheres grávidas. Alguns países incluem uma lista detalhada de quais condições devem ser consideradas como ameaçam à vida. Essas listas, geralmente, objetivam apresentar uma ilustração das situações que podem ser consideradas como ameaça à vida, mas não pretendem limitar o julgamento clínico dos médicos sobre o que pode ser uma ameaça à vida de uma mulher em particular. Entretanto, tais listas podem ser interpretadas como sendo consideradas exaustivas, quando na verdade não o são. Por exemplo, se uma lista de perigos físicos para a vida é considerada exaustiva, ela excluiria condições de saúde mental que também constituem uma ameaça. Toda equipe de saúde deve conhecer o alto risco de morbidade e mortalidade materna resultante de um abortamento inseguro, e deve ser capaz de aconselhar a mulher sobre as 113 opções permitidas pela lei. Em alguns casos os médicos argumentam que é necessário realizar o abortamento seguro porque, ao contrário, a mulher pode colocar em risco sua vida, procurando um aborteiro não qualificado (Oye-Adeniran et al. 2002). Ainda nos casos em que a única razão para permitir o abortamento é a proteção da vida da mulher, é fundamental que os provedores sejam treinados, que os serviços estejam disponíveis e sejam conhecidos, e que o tratamento para o abortamento inseguro esteja amplamente disponível junto com serviços de planejamento familiar. 3.2. Quando a gravidez é uma ameaça para a saúde física ou mental da mulher Enquanto “saúde física” e “saúde mental” são, às vezes, razões separadas para realizar um abortamento, em muitos países a lei não especifica que aspectos da saúde são considerados, mas apenas estabelece que o abortamento é permitido para prevenir risco de prejuízo para a saúde da mulher grávida. Em tais casos, a definição de saúde da organização Mundial da Saúde - “um estado de completo bem estar físico, mental e social e não apenas ausência de doença ou enfermidade” – tem sido aplicada em algumas oportunidades (Organização Mundial da Saúde 2001). Quando na lei se menciona especificamente “saúde mental” alguns países têm interpretado que “saúde mental” inclui o sofrimento psicológico causado por estupro ou incesto, por exemplo, ou pelo diagnóstico de malformação fetal. Em outras circunstâncias, os países têm incluído também o sofrimento causado por situação socioeconômica adversa como sendo uma ameaça para a saúde mental. 3.3. Quando a gravidez é resultado de estupro ou incesto Em muitos países, esses casos, são interpretados como estando incluídos dentro das razões de saúde mental que justificam o abortamento. Alguns países aceitam o relato da mulher como evidência de estupro. Outros requerem evidências do legista de que houve penetração sexual, ou exigem evidências de que a relação sexual foi involuntária ou abusiva. Por 114 exemplo, pode se exigir que o estupro seja confirmado por um juiz, que pode solicitar o depoimento de testemunhas da violação; ou pode se exigir que um policial ateste que a mulher foi violada, antes que seja realizado o procedimento. Essas exigências, que têm o propósito de eliminar os casos simulados, desestimulam as mulheres que realmente foram estupradas de procurar serviços seguros no inicio da gravidez. Atrasos provocados com as exigências judiciais ou policias podem levar as mulheres a recorrer aos serviços inseguros e clandestinos, ou esses atrasos podem prolongar-se por tanto tempo que levam a que o abortamento seja negado porque a gravidez já está muito avançada. Quando essas circunstâncias existem, é necessário eliminar as exigências judiciais e administrativas e estabelecer protocolos claros tanto para a policia quanto para os trabalhadores de saúde, que facilitem o rápido encaminhamento e acesso aos serviços apropriados para as mulheres (Billins et al. 2002, Veira Vilela e de Oliveira Araújo 2000). 3.4. Quando há malformação fetal grave Esta é uma razão de autorização presente cada vez mais em um maior número de países que tem leis restritivas sobre abortamento, porque agora é possível diagnosticar essas situações, muitas das quais se consideram incompatíveis com a vida ou com uma vida independente, da criança afetada. Em outros países, não se faz nenhuma referência à malformação fetal; entretanto, se interpreta que razões de saúde mental incluem o sofrimento causado pelo diagnostico de malformação fetal grave. 3.5. Razões econômicas e sociais Em muitos países onde o abortamento é permitido por razões econômicas e sociais, se interpreta que a lei inclui tanto o ambiente econômico e social atual da mulher quanto aquele que pode se prever para o futuro. Em alguns países é avaliado se a mulher fica em um estado de sofrimento como resultado dessa situação. Algumas leis incluem o risco de 115 que os filhos ou a família atual da mulher possam sofrer transtornos econômicos e sociais com a vinda desse filho adicional. 3.6. À demanda A lei permite que a mulher consiga realizar um abortamento sem dar nenhuma razão. Permitir o abortamento à demanda tem surgido a medida que os países têm reconhecido que as mulheres que procuram um abortamento possuem alguma, e freqüentemente mais que uma, das razões colocadas acima, e se aceita que isto é legítimo. 3.7. Limite de idade gestacional Salvar a vida da mulher pode ser necessário em qualquer momento durante a gravidez. Realizar um abortamento por malformação grave também é um problema que surge no segundo trimestre, visto que esses diagnósticos podem ser feitos a partir da 12ª semana de gestação. As leis que permitem o abortamento por razões econômicas ou sociais ou à demanda geralmente estipulam um limite de idade gestacional. Este limite é de, freqüentemente, 12 semanas desde a data da última menstruação. Alguns países colocam o limite nas 18, 22 ou 24 semanas desde a data da última menstruação, enquanto outros não especificam idade gestacional. As leis que estabelecem um limite de idade gestacional permitem o abortamento em gestações mais avançadas em algumas circunstâncias, ou estipulam exigências adicionais tais como aprovação por dois médicos em lugar de apenas um (Allan Guttmacher Institute 1999, Raham et al. 1998). 3.8. Outros limites Algumas vezes as leis e políticas de abortamento restringem desnecessariamente o tipo de estabelecimento ou profissional autorizado a para realizar o abortamento. Em alguns casos se exige também autorização por outro membro da família. Esses tipos de exigências, que geralmente pretendem proteger a saúde da mulher, podem ter o resultado oposto ao criar 116 obstáculos intransponíveis para o acesso ao abortamento (Iyengar e Iyengar 2002, KosterOyekan 1998). A lei pode também especificar em que casos o abortamento é ilegal, em lugar de esclarecer quando ele é legal. Por exemplo, uma dessas leis especificavam que o abortamento é ilegal se realizado contra o consentimento da mulher; ou se praticado fora dos padrões profissionais aceitáveis; ou se realizado em um estabelecimento inadequado ou praticado com fins lucrativos (Alvarez-Lajonchere 1989). 4. Criando um ambiente político favorável As políticas podem tomar diversas formas e podem incluir regulamentações estatutárias, normas do Ministério da Saúde, normas profissionais e de treinamento entre outras. Os elementos principais de uma política, que garanta o acesso aos serviços de abortamento seguro em toda a extensão permitida pela lei, estão descritos abaixo. Embora uma política integral possa não ser atingível imediatamente, a implementação dos acordos do CIPD (Nações Unidas 1995) e do CIPD+5 (Nações Unidas 1999) de que o abortamento legal deverá ser seguro, finalmente requer que cumpram todos os elementos listados na seção 4.1 – 4.7. As políticas atuais devem ser examinadas para certificar-se onde existem falhas e onde é preciso fazer correções. 4.1 Metas As políticas devem levar em consideração as condições atuais do serviço nacional de saúde e devem ter como objetivo: • Minimizar as taxas de gravidez não desejada e, conseqüentemente, a necessidade de recorrer ao abortamento, através de informação e serviços de planejamento familiar de boa qualidade que incluam anticoncepção de emergência; • Assegurar-se de que toda mulher com direito legal ao abortamento tenha fácil acesso a serviços de abortamento seguro; 117 • Atender as necessidades particulares de grupos tais como mulheres carentes, adolescentes, refugiadas e deslocadas, mulheres HIV+ e vítimas de estupro, que necessitam especial apoio e acompanhamento. Com o propósito de atingir essas metas, as políticas devem atender às seguintes questões. 4.2 Leque de serviços No mínimo, os serviços de abortamento sempre deverão prover informação médica correta sobre abortamento, oferecer orientação e informação imparciais, e acesso a serviços de anticoncepção, assim como aos serviços clínicos de abortamento (ver capítulo 2 e 3 para detalhes). A oferta de informação, serviços e encaminhamento na área da contracepção junto com o serviço de abortamento, e com o tratamento de abortamento inseguro, contribui para prevenir gravidezes indesejadas futuras e para reduzir a necessidade de abortamento. 4.3 Métodos de abortamento É preferível prover qualquer um dos métodos que se ajustem às capacidades do sistema de saúde, como está descrito em detalhes no capítulo 2. Até os sistemas de saúde com as maiores restrições de recursos devem ser capazes de prover AMIU para abortamento precoce, com segurança em todos os níveis apropriados do sistema de saúde, e encaminhar as mulheres para um nível mais elevado de atendimento, quando necessário. Os serviços de AMIU devem estar amplamente disponíveis para tratar mulheres com complicações de abortamento inseguro e incompleto. 4.4 Diversidade de provedores As leis geralmente exigem que o abortamento seja realizado por um médico formado. Entretanto, as leis e políticas que regulamentam o procedimento médico quase sempre permitem que outros provedores, tais como profissionais de saúde de nível médio (por 118 exemplo, parteiras e enfermeiras), possam prover diversos serviços sob a supervisão de um médico, quando necessário. Trabalhadores da saúde de nível médio podem ser treinados para prover abortamento precoce com segurança. Esses trabalhadores treinados e equipados podem contribuir para assegurar a disponibilidade e acessibilidade de serviços adequados sem comprometer a segurança, especialmente onde há poucos médicos ou não estão facilmente acessíveis (ver capítulo 3). 4.5 Taxas pelos serviços Se as taxas oficiais e “informais” para realizar o abortamento legal e seguro forem altas, isto pode aumentar o risco de que as mulheres recorram a abortamentos inseguros, especialmente as carentes e outras, tais como adolescentes, que não têm acesso a dinheiro. Nos lugares em que seja necessário cobrar taxas pelos serviços, estas devem manter-se tão baixas e economicamente acessíveis o quanto possível, e devem ser subsidiadas para aquelas mulheres que não têm condições de pagar. O custo para o serviço de saúde pública, possivelmente, será mais do que compensado pela economia que se obtém ao reduzir os abortamentos inseguros e o peso que as complicações por abortamentos inseguros impõe sobre o sistema de saúde. 4.6 Requisitos do sistema de saúde/ qualidade de atendimento O capítulo 3 discute currículo e padrões, treinamento clínico e de reciclagem, sistema logístico e de informação administrativa, serviços de apoio técnico e mecanismos de supervisão, e especificações do orçamento da saúde. Tudo isso deve ser elaborado no contexto de uma política adequada. É essencial que toda a equipe do sistema de saúde receba as informações necessárias para que possa informar as mulheres onde e como obter serviços de abortamento legal. 119 4.7 Informação ao público Amplos programas de educação em saúde devem incluir informação básica sobre como ocorre uma gravidez, os sinais precoces de gravidez, anticoncepção e onde e como obter serviços de abortamento legal (Tabela 4.1). Enquanto muitos países vão precisar de um tempo para desenvolver políticas integrais, todos os países podem, imediata e progressivamente, dar alguns passos para expandir o acesso aos serviços de abortamento seguro dentro dos limites permitidos pela lei, e aprimorar a qualidade dos serviços existentes como indicado abaixo. Tabela 4.1. Informação básica para educação do público • As mulheres têm direito de decidir livre e responsavelmente se e quando ter filhos, sem coerção, discriminação ou violência • Fisiologia reprodutiva básica, que inclui como ocorre a gravidez, seus sinais e sintomas; • Como prevenir uma gravidez não desejada, que inclui onde e como obter métodos anticoncepcionais • Circunstâncias sob as quais o abortamento é permitido • A importância de procurar serviços de abortamento legal tão logo quanto possível, quando se toma a decisão de interromper a gravidez • Onde e quando o abortamento seguro está disponível e qual seu custo • Como reconhecer as complicações do abortamento espontâneo e do abortamento inseguro; quando e onde obter tratamento • A importância de procurar tratamento imediato 5 Removendo os obstáculos administrativos e regulatórios Com freqüência certas regulamentações e normas relativas à lei podem criar obstáculos ao acesso aos serviços de abortamento legal. Essas barreiras não são, de fato, exigências que 120 estejam especificadas na própria lei. Alguns desses obstáculos surgem simplesmente da prática e, equivocadamente, são assumidos como exigências da lei. Revisar e remover todos esses obstáculos está dentro da esfera de ação do Ministério da Saúde ou das associações profissionais, de maneira a assegurar o acesso em toda a extensão permitida pela lei. O Ministério da Saúde pode esclarecer as exigências legais, informar a equipe de saúde e terminar com “práticas costumeiras” que restringem o acesso ao abortamento permitido pela lei. A Tabela 4.2. coloca exemplos de obstáculos administrativos, normativos e outros que podem ser eliminados ou modificados para melhorar o acesso aos serviços de abortamento para mulheres que têm este direito. Dependendo do contexto nacional, os obstáculos listados na Tabela 4.2. podem ser impostos por exigências regulamentares ou simplesmente por procedimentos administrativos. Alguns dos obstáculos listados na coluna da esquerda podem ser exigências baseadas no que atualmente são práticas ultrapassadas. Por exemplo: o uso de D&C pode haver provocado restrições quanto ao tipo de pessoal, estabelecimento ou instituição que tem autorização para realizar abortamentos, que passam a não ser necessárias após a introdução da aspiração a vácuo. Outros obstáculos, tais como a exigência de autorização do esposo, taxas ou período de espera são freqüentemente procedimentos administrativos, impostos pelos provedores. Nesses casos essas exigências podem não ser parte de uma política oficial nem legais e também são desnecessárias. Os ganhos na saúde pública, que se conseguirão ao remover esses obstáculos, serão consideráveis. A coluna do meio da figura 4.2 descreve ações exemplares para vencer esses obstáculos. Freqüentemente essas ações são relativamente diretas mas, em outros casos, tais como no apoio à educação pública, será preciso um planejamento e investimento de tempo e recursos muito cuidadosos. As tarefas incluídas na coluna de “ação” estão mais elaboradas em várias partes desta monografia. A terceira coluna-“Justificativa”- descreve as razões para realizar as ações, o que também está mais detalhado ao longo deste documento de orientação. 121 Tabela 4.2. Obstáculos administrativos e normativos para obter o abortamento seguro e legal, e medidas para eliminar estes obstáculos Obstáculos Mulheres e profissionais de saúde não conhecem a lei ou onde obter serviços de abortamento legal. Necessidade de autorização de um ou mais médicos (ou, às vezes, comissões) Limite de tempo que não tem indicação médica ou não imposto pela lei, ou limite de idade gestacional em que o abortamento é permitido. Requer-se um período de espera para realizar o abortamento, ou as usuárias são colocadas em uma lista de espera. Ações possíveis Fazer com que advogados do governo e outros pesquisem e expliquem como entendem o texto da lei. Apoiar programas de educação pública. Incluir informação sobre a lei e no treinamento e reciclagem dos profissionais de saúde. Permitir que a mulher decida. Se a lei exige autorização, evitar a necessidade de múltiplas assinaturas ou aprovação por um comitê; atribuir a responsabilidade a uma pessoa qualificada e que esteja facilmente acessível dentro do sistema de saúde. Revisar e eliminar limites de idade gestacional que não têm indicação médica e nem são requisitos legais. Eliminar períodos de espera que não têm indicação médica, e expandir serviços para atender prontamente todas as mulheres que têm direito ao abortamento legal. Justificativa Falta de informação é o maior motivo pelo qual a mulher recorre ao abortamento inseguro. Falta de conhecimento acerca das razões que justificam o abortamento faz com que os provedores limitem o acesso. Aprovação por outra pessoa que não a própria mulher não é indicação médica (exceto em raros casos em que o abortamento representa um risco médico para a mulher). Em alguns países, por exemplo, se coloca um limite de 8 semanas para realizar aspiração a vácuo, enquanto provedores treinados podem usá-la com segurança até 12 semanas. Períodos de espera retardam desnecessariamente os cuidados e diminuem a segurança. 122 Obstáculos Requer-se de autorização do esposo, ou notificação ou autorização dos pais. Certos grupos de mulheres são excluídos dos serviços por provedores de saúde Exige-se que vítimas de estupro ou incesto registrem queixa contra o agressor e obtenham relatórios policiais, autorização judicial, ou cumprimento de outros passos clinicamente desnecessários para qualificá-las ao abortamento. Restrições desnecessárias sobre tipos de estabelecimentos que oferecem abortamento limitam o acesso das mulheres que tem direito de acordo com a lei nacional Ações possíveis Se não for exigido pela lei, assegurar que os provedores não exijam autorização do esposo ou dos pais. Se exigido pela lei, nos casos de menores, mulheres solteiras, permitir que outras pessoas dêem autorização além dos pais, se a menor sentir que ela não pode falar com os pais (por exemplo, quando os pais não são compreensivos). Permitir a todas as mulheres elegíveis por lei o acesso ao serviço de abortamento, livre de discriminação por estado marital, idade ou qualquer outra característica não exigida por lei. Treinar os provedores para não discriminar, e punir aqueles que o façam. Diminuir as exigências, desenvolver e usar protocolos claros para facilitar a referência rápida e acesso aos cuidados apropriados. Treinar policiais, oficiais de justiça e provedores de saúde a entender a necessidade de uma ação rápida e solidária, e a coordenar os seus serviços. Respeitar os direitos humanos à não discriminação, ampliar serviços que cumpram os requisitos de segurança, para permitir que todas as mulheres, elegíveis de acordo com a lei nacional, tenham acesso, independentemente de residência, renda ou outros fatores. Justificativa Tais requerimentos impedem a mulher de procurar cuidados, e podem levar ao risco de autoabortamento ou de procurar serviços clandestinos Documentos de consenso internacional reconhecem o direito dos indivíduos a ter acesso aos métodos de regulação da fecundidade à sua escolha e que não sejam ilegais. Exigências judiciais retardam o atendimento necessário e aumentam a probabilidade de abortamento inseguro Restringir desnecessariamente os locais de atendimento impede o acesso rápido das mulheres aos serviços, aumenta os custos e pode encorajar as mulheres a procurar em provedores locais desqualificados. 123 Obstáculos Padrões que exigem tecnologia médica complexa para realizar o abortamento (por exemplo, obrigatoriedade do uso de ultra-sonografia, internação das pacientes, anestesia geral, centro cirúrgico, etc) Ações possíveis Eliminar exigências não indicadas do ponto de vista médico. Modificar normas dos serviços e certificar-se de que as instituições de treinamento sigam tais normas Fundamento O uso de tecnologias complexas aumenta os custos, reduz a disponibilidade dos serviços e pode ainda piorar a segurança e a qualidade do atendimento. Somente médicos estão treinados para realizar o abortamento Treinar provedores de nível médio até onde é permitido pela lei. Especialmente nas situações em que a razão médicopaciente é baixa essa exigência impede que as mulheres tenham acesso fácil aos serviços, aumenta os custos e leva as mulheres a procurarem os serviços de provedores não qualificados. Provedores de nível médio, como por exemplo, parteiras, adequadamente treinados podem realizar a aspiração manual a vácuo com segurança e prover métodos médicos de abortamento. Profissionais de saúde se negam a realizar abortamentos alegando objeção de consciência, mas não encaminham as mulheres a outro provedor. Exigir que todo profissional que alega objeção de consciência obedeça os padrões éticos de sua profissão. O padrão de ética profissional, geralmente, exige que os profissionais de saúde encaminhem as mulheres para outro provedor que não tenha essa objeção, do mesmo estabelecimento ou de outro facilmente acessível. Quando o encaminhamento não for possível e a vida da mulher estiver em risco, o profissional de saúde está obrigado a realizar o abortamento de acordo com as leis nacionais. 124 Obstáculos Métodos de abortamento limitados desnecessariamente. Ações possíveis Introduzir todos os métodos que se ajustam às capacidades do sistema de saúde Fundamento Em alguns países, por exemplo, D&C é o único método usado, apesar de que aspiração a vácuo é mais segura, mais barata, e também pode ser usada em todos os níveis do sistema de saúde. Introdução de métodos médicos, além dos cirúrgicos, aumentaria o acesso. Taxas oficiais ou “adicionais”, ou outros custos para a mulher, reduzem o acesso a serviços, especialmente de mulheres carentes e a adolescentes, que não têm acesso a recursos econômicos. Desenvolver e estabelecer esquemas de recuperação de custos que sejam eqüitativos, para assegurar que as mulheres que não tem dinheiro tenham acesso ao serviço; estabelecer taxas que estejam de acordo com os custos e vigiar e eliminar a cobrança de taxas adicionais. Reduzir as taxas permite ampliar o acesso. O custo dos subsídios seguramente serão compensados com a economia que se obtém ao reduzir os abortamentos inseguros, e o custo do tratamento de suas complicações. Não se assegura a confidencialidade Estabelecer normas sobre confidencialidade, treinar a equipe de saúde, monitorar e assegurar seu cumprimento. Modificar o sistema de arquivo dos registros, de forma que a identidade da mulher não fique exposta. Dispor de espaço privado para orientação de forma que a conversação não possa ser ouvida por outros. A confidencialidade é um princípio-chave da ética médica; a falta de garantia de confidencialidade pode levar a mulher a procurar um provedor não qualificado. 125 REFERÊNCIAS REFERÊNCIAS Alan Guttmacher Institute. (1999) Sharing responsibility: women, society and abortion worldwide. New York and Washington DC, Alan Guttmacher Institute. Alvarez-Lajonchere C. (1989) Commentary on abortion law and pratice in Cuba. International Journal of Gynecology and Obstetrics Supplement 3:93/95. Berer M. (2000) Making abortions safe: a matter of good public health policy and practice. Bulletin of the Organização Mundial da Saúde 78:580-592. Billings DL, Moreno C, Ramos C, González de León D, Ramirez R, Martínez LV e Díaz MR. (2002) Constructing access to legal abortion services in Mexico City. Reproductive Health Matters 10(19):87-95. Gupte M, Bandewar S e Pisal H. (1997) Abortion needs of women in India: a case study of rural Maharashtra. Reproductive Health Matters 5(9):77-86. 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A série de conferências internacionais que aconteceram na década de 1990 desenvolveram documentos que se tratam dos aspectos da saúde reprodutiva. Esses documentos de consenso internacional, que foram adotados pela maioria dos países, têm o respaldo no marco do Corpo dos Tratados de Direitos Humanos, e têm sido perfeitamente explícitos em articular os direitos em relação à saúde reprodutiva. Seguem-se afirmações de documentos recentes de consenso internacional, que destacam as questões relevantes ao abortamento seguro: 1974 Conferência Mundial de População, Plano de Ação de Bucareste Todos os casais e indivíduos têm o direito de decidir livre e responsavelmente o número e espaçamento de seus filhos, a ter informação, educação e os meios para tanto”. Parágrafo 14 (f) 132 1984 Recomendações para a progressiva implementação do Plano de Ação Mundial de População, Cidade do México “O plano de ação mundial de população reconhece como um de seus princípios o direito humano básico de todos os casais e indivíduos decidirem livre e responsavelmente o número e espaçamento de seus filhos. Para exercitar este direito, os casais e indivíduos devem ter acesso à educação necessária, informação e meios para regular sua fecundidade, independentemente das metas demográficas gerais do governo.” Parágrafo 24. 1994 Programa de ação adotado pela Conferência Internacional de População e Desenvolvimento, Cairo “A promoção da igualdade e equidade de gênero e do “empoderamento” das mulheres.... e assegurar às mulheres a capacidade para controlar sua própria fecundidade são os pilares dos programas internacionais de população e desenvolvimento.” Principio 4 “A saúde reprodutiva é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas ausência de doença e enfermidade, em tudo o que atinge o sistema reprodutivo e suas funções e processos. Saúde reprodutiva, portanto, implica que as pessoas sejam capazes de ter uma vida sexual segura e satisfatória, e que tenham a capacidade de se reproduzir e a liberdade de decidir se, quando, e com que freqüência fazê-lo. Implícito nesta última condição estão os direitos de homens e mulheres de serem informados e de terem acesso a métodos de planejamento familiar, à sua escolha, que sejam seguros, efetivos, acessíveis e aceitáveis, assim como outros métodos de sua escolha para regular a fecundidade, que não estejam fora dos limites da lei....” Parágrafo 7.2. 133 “[D]ireitos reprodutivos incluem certos direitos humanos que já estão reconhecidos em leis nacionais, documentos internacionais de direitos humanos e outros documentos de consenso. Estes direitos se baseiam no reconhecimento do direito humano básico de todos os casais e indivíduos de decidirem livre e responsavelmente o número, espaçamento e oportunidade de ter filhos, e de ter a informação e os meios para fazê-los e o direito a atingir os mais altos padrões de saúde sexual e reprodutiva. Isto também inclui o direito de tomar decisões referentes à reprodução livre de discriminação, coerção e violência .... a promoção do exercício responsável destes direitos (reprodutivos) deve ser a base fundamental para que o governo – e a comunidade – dêem apoio a políticas e programas na área de saúde reprodutiva, incluindo planejamento familiar.” Parágrafo 7.3 “[O]s governos devem facilitar para que os casais e indivíduos assumam a responsabilidade de sua própria saúde reprodutiva, eliminando obstáculos legais, médicos, clínicos e regulamentares desnecessários para que tenham informação e acesso a serviços e métodos de planejamento familiar”. Parágrafo 7.20 “[E]m nenhum caso o aborto deve ser promovido como método de planejamento familiar. Exorta-se a todos os governos e organizações inter-governamentais e não-governamentais relevantes que reforcem seu compromisso com a saúde das mulheres, se preocupem com o impacto do aborto inseguro sobre a saúde, como um dos principais problemas de saúde pública e em reduzir a necessidade de recorrer ao aborto, através de serviços de planejamento familiar ampliados e aprimorados. Sempre se deverá dar a mais alta prioridade à prevenção da gravidez não desejada, e se devem fazer todos os esforços para eliminar a necessidade do aborto. As mulheres que têm gravidez não desejada devem ter fácil acesso à informação confiável e orientação solidária. Qualquer medida ou mudança em relação ao aborto dentro do sistema de saúde só pode ser determinada em nível nacional ou local de acordo com o processo legislativo nacional. Nas circunstâncias em que o aborto está dentro da lei, esses abortamentos devem ser seguros. Em todos os casos, as mulheres deverão ter acesso a serviços de qualidade e ao tratamento de complicações surgidas do 134 abortamento. Orientação, educação e serviço de planejamento familiar pós-aborto deverão ser oferecidos prontamente, o que também irá contribuir para evitar abortos repetidos. *Aborto inseguro se define como um procedimento para interromper uma gravidez não desejada, realizado por pessoas que não possuem as habilidades necessárias ou num ambiente que não cumpre os padrões médicos mínimos, ou ambos (OMS)”. Parágrafo 8.25 1985 4ª Conferência Mundial da Mulher, Beijing “Os direitos sexuais das mulheres incluem seus direitos a ter controle decidir livre e responsavelmente acerca de assuntos relativos à sua sexualidade, o que inclui a saúde sexual e reprodutiva, livre de coerção, discriminação e violência. Relações igualitárias entre mulheres e homens quanto às relações sexuais e à reprodução, o que inclui total respeito pela integridade da pessoa, exigem respeito mútuo, consentimento e responsabilidade compartilhada na conduta sexual e suas conseqüências.” Parágrafo 96. “Os governos, em colaboração com organizações não governamentais e organizações de trabalhadores e empregadores, e com apoio de instituições internacionais (deverão): j. Reconhecer e preocupar-se com o impacto do aborto inseguro sobre a saúde como um problema de saúde pública da maior importância, conforme acordado no parágrafo 8.25 no Programa de Ação da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento; k. À luz do parágrafo 8.25 do Programa de Ação da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento .... considerar a revisão das leis que contêm medidas punitivas contras as mulheres que tenham realizado aborto ilegal.” Parágrafo 106 135 1999 Ações-chave para avançar na implementação do Programa de Ação da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento “(i) Em nenhum caso o aborto deve ser promovido como método de planejamento familiar. Exorta-se a todos os governos e organizações inter-governamentais e não-governamentais relevantes que reforcem seu compromisso com a saúde das mulheres, se preocupem com o impacto do aborto inseguro sobre a saúde, como um dos principais problemas de saúde pública e em reduzir a necessidade de recorrer ao aborto, através de serviços de planejamento familiar ampliados e aprimorados. Sempre se deverá dar a mais alta prioridade à prevenção da gravidez não desejada, e se devem fazer todos os esforços para eliminar a necessidade do aborto. As mulheres que têm gravidez não desejada devem ter fácil acesso à informação confiável e orientação solidária. Qualquer medida ou mudança em relação ao aborto dentro do sistema de saúde só pode ser determinada em nível nacional ou local de acordo com o processo legislativo nacional. Nas circunstâncias em que o aborto está dentro da lei, esses abortamentos devem ser seguros. Em todos os casos, as mulheres deverão ter acesso a serviços de qualidade e ao tratamento de complicações surgidas do abortamento. Orientação, educação e serviço de planejamento familiar pós-aborto deverão ser oferecidos prontamente, o que também irá contribuir para evitar abortos repetidos. (ii) Os governos devem tomar as medidas adequadas para ajudar as mulheres a evitarem o aborto que em nenhum caso deve ser promovido como método de planejamento familiar. Em todos os casos dar um tratamento humano e orientação às mulheres que tenham tido que recorrer ao abortamento. (iii) Ao reconhecer e implementar as recomendações acima, e nas circunstâncias em que o aborto é permitido pela lei, os sistemas de saúde devem treinar e equipar os provedores de saúde, e adotarem outras medidas para assegurar que tais abortamentos sejam seguros e acessíveis. Medidas adicionais devem ser tomadas para proteger a saúde das mulheres.” Parágrafo 63 136 2000 Ações e iniciativas para avançar na implementação da Declaração e Plataforma de Ação de Beijing. “Desenhar e implementar programas com o envolvimento total de adolescentes quando seja apropriado, para oferecer-lhes educação, informação e serviços específicos, apropriados e amigáveis, sem discriminação, para atender efetivamente suas necessidades de saúde reprodutiva e sexual, levando em consideração seus direitos à privacidade, confidencialidade, respeito e consentimento informado, e as responsabilidades, direitos e deveres dos pais e representantes legais de proverem de uma maneira consistente com as progressivas capacidades da criança, direção e orientação apropriadas para o exercício dos direitos da criança, reconhecidos na Convenção sobre os Direitos da Criança e em conformidade com CEDAW e assegurar que todas as ações referentes às crianças sejam feitas a partir da consideração primária de seus melhores interesses.” Parágrafo 115fbis Anexo 3 Instrumentos e suprimentos para aspiração manual intra-uterina (AMIU) Suprimentos básicos: • Equipamentos para transfusão endovenosa e soluções (lactato de sódio, glicose, soro fisiológico) • Aspiradores (seringas) (5,10 e 20ml) • Agulhas (calibre 22 para bloqueio raquideo ou cervical; calibre 21 para adminsitração de drogas) • Luvas estéreis (pequenas, médias, grandes) • Cotonetes e gaze • Soluções anti-sépitcas aquosas (não-alcólicas) • Detergentes ou sabão • Água limpa • Cloro ou glutaraldeído para desinfecção, descontaminação • Agentes para desinfecção de alto grau ou esterilização Instrumentos e equipamentos: 137 • Espéculo vaginal • Pinça de colo • Pinça de esponja (anel) ou pinças para placenta • Dilatadores de Pratt e Denniston, tamanhos 13 a 27 (Francês) • Recipiente para soluções anti-sépticas • Peneira (metal, vidro ou gaze) • Recipiente de vidro transparente para inspeção de tecidos • Medicamentos analgésicos (por exemplo, acetaminofem, ibuprofeno ou petidina) • Tranquilizantes (por exemplo, diazepam) • Anestésicos – cloroprocaina (1-2%) ou lidocaína (0,5 – 2%) sem epinefrina • Ocitocina 10 unidades ou ergometrina 0.2 mg. Instrumentos de AMIU • Aspirador a vácuo • Cânulas flexíveis de diferentes tamanhos • Adaptadores, se necessários • Silicone para lubrificar as seringas, se necessário 138 Anexo 4 Contracepção após abortamento Método Anticonpcionais orais (pílulas combinadas e só com progestágeno) Tempo após abortamento • Pode iniciar-se o uso de pílulas combinadas e só de progestágeno imediatamente, incluindo o dia do procedimento Injetáveis (acetato de medroxiprogesterona, enantato de noretindrona, Cyclofem e Mesigyna) • Podem ser administrados imediatamente Implantes • Podem ser administrados imediatamente DIU • Os DIUs podem ser inseridos imediatamente, se o risco ou a presença de infecção pode ser descartado Postergar a inserção até que lesões graves estejam curadas, tenham • Observações • Nos casos em que não se pode garantir a orientação adequada e decisão informada, postergar o início das pílulas e prover temporariamente condons • Não protegem contra ITS /HIV • Pode começar imediatamente mesmo nos casos infectados • Nos casos em que não se pode garantir a orientação adequada e a decisão informada, postergar o início dos injetáveis e prover temporariamente condons • Não protege contra ITS / HIV • Pode começar imediatamente mesmo nos casos infectados • Nos casos em que não se pode garantir a orientação adequada e decisão informada, postergar a inserção e prover temporariamente condons • É necessário que um provedor habilitado esteja disponível para inserção e remoção • Não protege contra ITS / HIV • Pode começar imediatamente mesmo nos casos infectados • • Nos casos em que não se pode garantir a orientação adequada e decisão informada, postergar a inserção e prover temporariamente condons É necessário que um 139 se controlado hemorragias e melhorado a anenia aguda. • • • • Condom (masculino ou feminino) • Começar tão logo se iniciem as relações sexuais. • • • Espermicidas (espuma, creme, filme, geléia, supositórios e tabletes) • Começar tão logo se iniciem as relações sexuais. • • • Métodos de barreira (diafragma usado com espermaticida; capuz cervical) • • O diafragma pode ser medido imediatamente após o aborto de primeiro trimestre Após um abortamento de segundo trimestre a medição do diafragma • provedor habilitado esteja disponível para inserção e remoção. Não protege contra ITS / HIV Há alguma preocupação sobre o maior risco de expulsão após um abortamento de segundo trimestre. Podem ocorrer perfurações uterinas durante a inserção Em caso de infecção, não deverão ser inseridos até três meses depois do abortamento. É um bom método temporário quando de escolhe outro método que não pode ser iniciado imediatamente; é um bom método de uso contínuo sempre que seja utilizado consistente e corretamente. O condom masculino é o único método capaz de proteger tanto contra gravidez quanto contra ITS/HIV O condom feminino contribui para proteger contra HIV/ITS mas pode ser menos efetivo que o condom masculino É possível utilizá-los como método temporário se for preciso postergar o inicio de outro método Marcadamente menos efetivos que outros métodos Não protegem contra ITS/HIV Um diafragma medido antes de um abortamento do segundo trimestre logo depois do procedimento devido a mudanças no tecido vaginal e/ou na cérvice. 140 • Métodos comportamentais (baseados na percepção do período fértil) • • Ligadura Tubária • • Pílula de anticoncepção de emergência (só levonorgestrel e regimes de estrógeno e progestogênio combinados) • deve ser postergada até que o útero recupere o tamanho prévio a gravidez (6 semanas) A medição do capuz cervical deve ser postergada até que o útero recupere seu tamanho prévio à gravidez (4-6 semanas) Não recomendados para isso imediatamente após o aborto. As mulheres podem usálos depois de passados 3 meses desde o abortamento. A ligadura tubária (minilaparotomia ou laparoscopia) pode ser realizada imediatamente após um abortamento não complicado Em caso de sepsis pós abortamento ou febre, hemorragias graves pósabortamento, trauma grave do trato genital, ou hematometra agudo, o procedimento deve ser postergado até completar um tratamento satisfatório e que as feridas tenham sarado. Pode ser usada tão logo aconteça uma relação sexual não protegida • O diafragma pode oferecer alguma proteção contra ITS; não se pode dizer que proteja HIV. • A efetividade é altamente dependente de seu uso apropriado Não protege contra ITS/HIV • • • • • • Orientação adequada, processo de decisão e consentimento informado devem ocorrer antes de um procedimento de esterilização voluntária (ligadura tubária ou vasectomia) Não protege contra ITS/HIV Não é adequado como método permanente de anticoncepcção Importante método de reserva emergencial (back-up) após uma relação sexual não protegida. Não protege contra ITS/HIV Fonte: A informação contada nesta tabela se baseia em: Organização Mundial da Saúde, (2000). Improving Access to Quality Care in Family Planning – Medical and Eligibility Criteria for Contraceptive Use. 2a edição. Genebra, Organização Mundial da Saúde (WHO/RHR/00.2). 141 142 143