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5º Semestre.part03 - 16 - O Brasil Est? Com Fome

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O Brasil está com fome Pesquisa revela que quase 14 milhões de brasileiros ainda passam fome no país BRUNA ROCHA, CAROLINA FIGUEIRÓ omo falar de comida sem antes tratar da fome? Antes de tudo p recisamos ter em mente que a fome é um fenômeno universal. Segundo o maior estudioso sobre o assunto, Josué de C a s t ro, as investigações científicas, realizadas em todas as part e s do mundo, constataram o fato inconcebível de que dois terços da humanidade sofre, de maneira epidêmica ou endêmica, os efeitos destruidores da fome. Além disso, esta situação estaria calcada em causas econômicas e sociais. Dentro deste cenário encontramos a mais recente pesquisa realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), sobre a fome no Brasil, divulgada no dia 17 de maio de 2006. Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2004, o Instituto aplicou pela primeira vez uma escala de insegurança alimentar criada por especialistas brasileiros, e constatou que 72 milhões de brasileiros (39,8% da população) vivem atormentados pela situação de fome. Das residências pesquisadas ao redor do país, pelo menos um dos moradores não teve o que comer nos 90 dias anteriores à pesquisa. Quer um pedacinho? E LÍGIA BATISTA Mas o que seria a fome? Edmar Gadelha, coordenador do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), diz que a fome é caracterizada pelas condições que impossibilitam as pessoas de terem acesso aos alimentos necessários para se ter saúde em todo o ciclo de sua vida. O acesso aos alimentos e à água é considerado um direito humano básico, e a falta de condições para acessá-los é considerada uma violação grave, passível de denúncia e penalidades. Em todo o Brasil, milhares de pessoas não possuem acesso às suas necessidades básicas e a comida é uma das que vêm recebendo maior atenção de projetos sociais. De acordo com o Ibase, deve ser defendida uma política de Segurança Alimentar Nutricional que garanta a toda a população acesso aos alimentos necessários, além de outras necessidades como moradia, educação e trabalho. O Projeto de Lei Orgânica de Segurança Alimentar que circula no governo trata do assunto da segurança alimentar e conceitua a questão: “A realização de todos no direito ao acesso regular e permanente de alimentos de quali- No Brasil, 72 milhões de pessoas não possuem acesso regular aos alimentos básicos dade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural, e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis”. Se aprovado, o projeto criará um Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o qual, de acordo com Edmar Gadelha, deverá fazer com que o Estado elabore um Plano Nacional de Segurança Alimentar Nutricional, com pesquisas, diagnósticos, ações, monitoramento e orçamento do projeto. A pesquisa, realizada em 2004 pelo IBGE, revela que no Brasil a 55 garantia de uma vida digna e saudável para toda a população está longe de acontecer: aproximadamente 14 milhões de pessoas passaram fome no país naquele ano. A desigualdade regional ficou confirmada com a análise da situação de residência da população, se urbana ou rural. Nas regiões Norte e Nordeste a insegurança alimentar grave apresentou proporções mais elevadas na área rural, enquanto que no Sul e CentroOeste ocorreu o inverso. Segundo Gadelha, isso acontece, porque, historicamente, o modelo de desenvolvimento que foi se implantando no Brasil teve sua concentração industrial-urbana localizada na região Sudeste, mais especificamente em São Paulo e no Rio de Janeiro. “A região Norte e Nordeste ficou relegada a regiões fornecedoras de mão-de-obra barata para o mercado de trabalho. Além disso, a concentração da terra nas mãos de poucos (latifúndios) acaba inviabilizando o desenvolvimento e reproduzindo os ciclos de pobreza”, afirma o coordenador do Ibase. 56 “A luta democrática em busca de uma melhor distribuição de renda, de terras, e do poder fazem parte da história recente do país para a superação das desigualdades e pela conquista da justiça social” Edmar Gadelha, coordenador do Ibase Os índices de insegurança alimentar também reforçam a desigualdade econômica entre as raças, já que em 2004, 11,5% da população negra ou parda vivia em situação de insegurança alimentar, enquanto os brancos representavam 4,1%. Para Edmar Gadelha isso é fruto do processo histórico de discriminação e de preconceito arraigado desde o período colonial, que acaba excluindo socialmente os negros. Uma novidade foi encontrada pela pesquisa em relação ao senso comum no que diz respeito às relações entre as áreas urbanas e rurais nas diferentes regiões do país. Nacionalmente, a segurança alimentar continua sendo maior nas cidades do que no campo, e a fome ainda a p a rece com maior fre q ü ê n c i a nas áreas rurais (11,1% contra 6,9% na área urbana). Por outro lado, as cidades das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste têm índices maiores de insegurança alimentar quando comparadas ao seu interior, o que representa uma mudança ao padrão nor- malmente constatado em pesquisas sociais. No Sul, onde essa diferença é mais evidente, a fome fez parte da vida de 3,9% das pessoas que moravam em ambiente urbano, enquanto que 2,6% da população do campo relataram alguma situação de falta de comida. A razão disso seria a boa estrutura agrícola nas regiões rurais do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, e a pobreza concentrada em locais sem serviços adequados nas áreas urbanas. Em um país de abundância de riquezas naturais e de grande produção de alimentos, a desigualdade e a exclusão social são apontadas como as principais causas da situação de insegurança alimentar e nutricional. Segundo Gadelha, essa desigualdade é fruto do modelo econômico que privilegia determinados interesses de uma minoria em detrimento da grande maioria que fica à margem do processo de desenvolvimento da nação. Mas, ele acredita que o país está no caminho para mudar essa situação: “A luta democrática em busca de uma melhor distribuição de renda, de terras, e do poder fazem parte da história recente do país para a superação das desigualdades e pela conquista da justiça social”. Mesmo assim, ainda não é possível dizer quando os brasileiros estarão livres da fome, mas, nesse cenário, a pesquisa do IBGE serve como base para a criação de projetos e implementação de políticas públicas que garantam a transformação da realidade do povo brasileiro. Janeiro/Junho 2006